Xana Toc Toc: O adeus ao projeto por causa do cancro e a dura infância
Xana Abreu esteve à conversa com Daniel Oliveira, no programa 'Alta Definição', da SIC.
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Fama Xana Abreu
A vida com Xana Toc Toc é cheia de cores e alegria, mas a intérprete não teve sempre uma vida fácil. Xana Abreu cresceu com a ausência do pai, que abandonou a família e foi para o Brasil quando a artista tinha apenas um ano.
Uma fase marcante e que ‘assombrou’ a sua infância, tendo-se sentido muitas vezes “culpada pela separação dos pais”. Isto porque a mãe dizia que ela “não era bem-vinda para o pai”.
“É difícil uma criança saber disto e gerir isto. Por vezes querer um pai em situações difíceis na vida e não ter… Escrevi milhares de cartas ao meu pai só que depois não sabia para que morada é que enviava. O meu pai sempre me fez muita falta”, recordou.
Quando tinha seis anos, lembra, o progenitor visitou-a, mas foi de novo embora no mesmo dia. “Ele apareceu e eu abracei-o, e depois desapareceu. Lembro de estar nas escadas a chorar baba e ranho com a consciência de que nunca mais o ia ver”, partilhou, contando que nesse dia jogou com o pai às Damas – jogo preferido do progenitor – e daquele encontro ficou um ensinamento que guarda até aos dias de hoje. “O melhor vem sempre para o fim”.
Aos 17 anos o pai voltou a dar sinais, depois de ter escrito um livro dedicado aos filhos, mas nessa altura Xana Abreu decidi não voltar a vê-lo. “Para mim já não era pai, era uma pessoa estranha que não me acompanhou, não esteve lá nos momentos mais difíceis, e eu não o quis ver. Ele ficou indignado na altura. E eu queria explicar-lhe ao mesmo tempo que indignada estava eu com um pai que viu a sua filha duas ou três vezes na vida, mas preferi não ter mais contacto com ele. Disse-lhe que não o ia ver, nem chamá-lo de pai e que quando viesse para avisar porque não queria estar em casa”, explicou.
Hoje não se arrepende dessa decisão, mas voltaria atrás no momento em que optou por não ter colocado o seu apelido, “Abreu”, no nome da filha, a atriz Marta Peneda, de 23 anos.
Xana nunca mais teve notícias do pai e acredita que o mesmo já morreu. Hoje guarda apenas as memórias de que era um bom pintor e escritor.
Pelo o que lhe é contado, acha também que o progenitor “era muito mulherengo”. “Deve ter feito sofrer muito a minha mãe, e não é fácil viver com uma pessoa assim. Eu não sei a verdade, só sei meia verdade e depois a minha cabeça faz o resto e constrói uma verdade que pode não ser a realidade”, disse.
Uma infância muito difícil que não foi só marcada pela ausência do progenitor. “Nunca ouvi um amo-te da minha mãe, um tenho orgulho em ti, apesar de eu saber que ela me amava. Só que é um tipo de amor que a mim me faz um bocadinho de confusão porque durante muitos anos achei que ela não gostava assim tanto de mim”, partilhou, referindo que “se calhar isso fez de si uma pessoa muito carente”.
Por vezes sentia que a mãe a “culpava” pelo abandono do pai, mas hoje percebe que “ela amava-a, mas era um amor muito dela, muito próprio”.
Ainda sobre a progenitora, lembra, era uma pessoa “muito nervosa, ansiosa”. “Não é fácil criar dois filhos sem o companheiro”, afirmou.
A família também tinha algumas dificuldades financeiras, o que levou a que fosse mais criativa, tendo sido a própria a construir os seus brinquedos.
A juventude violenta também foi uma fase marcante, e não sofria apenas violência psicológica, também física: “Todos os dias a minha mãe estendia-me a mãe, por qualquer coisinha. A minha mãe era muito ansiosa, aquilo eram os nervos à flor da pele. Passava muitas dificuldade, e às vezes sentia que sem culpa nenhuma, sem abrir a boca, ela descarregava em mim”.
“Mas pior que isso é a violência psíquica. Porque sofres violência física e podes não esquecer, mas relativizas. A doença psíquica já te fica marcada para sempre. E como ela tinha aquele jeito de me amar que me retirava toda a minha liberdade e fazia-me de prisioneira dela, isso marcou-me mais”, acrescentou.
Xana tem um irmão mais velho, com quem tem uma boa relação e que via como um ídolo quando era criança.
Esgotamento nervoso – “Estava no fundo do poço”
“Lido mal com o assunto morte. Acho que sou imortal. Quero viver para todo o sempre. Tenho tantas coisas para fazer, como é que eu algum dia vou deixar de viver. Não é o momento da morte, não tenho medo de ter rugas e envelhecer, não é esse o meu medo. É de um dia já não cá estar para viver todas as coisas que quero fazer”, confessou ainda a artista, recordando também outra das fases difíceis que viveu, mas desta vez já quando estava na faculdade.
Xana Abreu teve um esgotamento nervoso, "muito profundo”, aos 20 anos. “Estava na faculdade a fazer um trabalho de grupo e comecei a sentir-me mal. Na altura não se falava em ataques de pânico ou esgotamento. Lembro-me que estava a sentir-me muito mal e fui para o hospital. Queixei-me e no hospital puseram-me um noite inteira ao lado de uma toxicodependente. Tive vários ataques de pânico nessa noite sem perceber o que é que se estava a passar comigo, e essa pessoa ao meu lado que estava ali a ressacar, a ter um momento muito difícil, a dizer que tinha uma faca e que me ia matar. Passei a noite toda a ouvir que me ia matar”, recordou.
Depois de ter tido alta, Xana percebeu que os médicos achavam que era toxicodependente. “Foi extremamente difícil, foi o meu primeiro ataque de pânico, e os dias a seguir foram extremamente difíceis porque tive vários e fui-me abaixo”, contou.
Entretanto, procurou ajuda de um psiquiatra. Nessa altura já estava “no fundo do poço”. E nesse momento estava a viver com a mãe, mas o namorado da altura, que é hoje o seu marido, disse-lhe para ir viver consigo para casa dos seus pais. “Foi difícil. É difícil para uma família acolher uma menina que está completamente desorientada e que tem ataques de pânico, que está numa tristeza profunda e que chora do nada. E foi difícil para mim porque fui injustamente acusada de ser preguiçosa”, relatou.
Uma fase em que queria explicar-se e dizer que “não era preguiçosa”, mas não tinha “forças”. “Estás apática e não tens força para te defender”.
O momento em que descobriu que estava grávida
E no meio da escuridão chegou um raio de luz, que a fez levantar e superar mais uma fase difícil. Enquanto lutava contra a depressão e o esgotamento, Xana descobriu que estava grávida, de Marta Penedo.
A artista sempre quis ser mãe para dar todo o seu amor, aquele que nunca recebeu quando era criança.
No entanto, a decisão de ter a criança não foi apoiada pelo seu psiquiatra da altura. O profissional de saúde disse que Xana não poderia ter o bebé porque estava “com uma doença muito grande e a meio de um tratamento muito grande”. “Tu não podes engravidar, não podes parar os tratamentos e terias que fazer um desmame de algumas das coisas que te foram receitadas e não podes fazer isto desta forma”, acrescentou na altura o psiquiatra.
“Levantei-me e quando cheguei a casa peguei em todos os medicamentos que tomava e meti de lado porque decidi que ia ter a minha filha”, recordou. “Tive uma gravidez muito difícil. Ainda estava no meio de um esgotamento e no meio de uma depressão profunda, e não podia tomar medicamentos para isso”, acrescentou, referindo que “tinha medo que a filha nascesse uma pessoa nervosa”.
“A minha filha nasceu o bebé mais calmo, mais sereno do mundo. Ela não chorava para pedir leite. Sempre senti uma união desde o momento em que ela nasceu. Nunca fez uma birra”, destacou.
A vida voltou a dar-lhe outra batalha, a luta contra o cancro
Foi no início do projeto Xana Toc Toc que a artista foi diagnosticada com cancro da mama. Na altura estava a cuidar da mãe, que também lutava contra um cancro.
“Comecei a sentir uma dor na mama. Com o caso da minha mãe, ficava preocupada, mas sempre ouvi que se tinha dores não era cancro, então fiquei sempre um bocadinho relaxada até que resolvi ir ver o que era. Fui ao IPO e houve um médico que me disse: ‘Isto é assim, o seu cancro esta a evoluir monstruosamente dia após dia, e para a semana se calhar já não está cá. Mas vai ficar em lista de espera, se calhar um mês e meio, para ser operada’. Como estava sem dinheiro na altura porque estava a investir num projeto sem retorno financeiro, tinha acabado com o meu seguro de saúde e sai do hospital a chorar, em pânico, a dizer 'chegou a minha hora'”, partilhou.
No entanto, decidiu ir a um hospital privado e a médica mandou-a fazer uma série de exames, tendo se proposto a operá-la pouco tempo depois, tivesse ou não dinheiro para pagar as despesas. “Senti uma coisa maternal dela”, recordou.
Pediu dinheiro emprestado a duas pessoas da família para ser operada e não queria que a mãe soubesse do que se estava a passar. Mas ao estar cada vez mais ausente, a progenitora começou a desconfiar e a achar que a artista a estava a abandonar.
“A minha mãe continuou a afirmar cada vez mais que eu já não queria saber dela, e cada vez mais triste. Percebi que a minha mãe estava a ir-se muito a baixo porque ela sentiu um abandono da minha parte”, disse.
Depois de conversar com uma pessoa amiga, Xana decidiu contar à mãe que estava a lutar contra o cancro. “Vi nos olhos dela que a última coisa que ela queria na vida era que a sua filha querida tivesse cancro, e partiu dias depois. Piorou significante e partiu. No velório dela uma amiga dela chegou ao pé de mim e disse-me que a minha mãe partiu com grande desgosto no coração. E até hoje eu sinto essa culpa e essa dúvida, será que eu devia ter dito?”, desabafou.
“Ironicamente, no dia em que estava a ser operada foi o dia em que o meu disco da Xana Toc Toc foi lançado para as lojas. Não estava cá, estava a passar um período difícil da minha vida”, revelou, explicando também que não conseguiu fazer todas as sessões de quimioterapia como lhe tinha sido receitado pela médica porque “o corpo não estava a aguentar”.
Xana Abreu conseguiu unir forças e, mesmo assim, apesar dos efeitos dos tratamentos que a deixaram frágil, conseguiu começar a fazer os concertos. O primeiro foi no Coliseu, espetáculo que guarda até hoje.
A artista estava careca por causa da quimioterapia e por isso usava uma peruca. Eram poucos os que sabiam do que se estava a passar, a própria equipa não sabia. E assim que subiu ao palco, sentiu logo o amor de todos os presentes e não conteve as lágrimas de tanta emoção.
No meio de concertos e autógrafos, Xana foi obrigada a submeter-se a uma nova cirurgia por causa do cancro: “Eu estava a ser operada e o segundo disco estava a sair para as lojas”.
Uma doença que a deixou com uma invalidez de 73%, mas não se deixou ficar parada. Nestes dez anos de Xana Toc Toc, “muitas vezes sente que está a sobreviver”. “Tenho coisas que as pessoas não fazem ideia. Não sei o que é o silêncio há oito anos. Senti sempre um zumbido nos ouvidos. Isto foi uma coisa que a quimioterapia me deu”, partilhou.
“Só eu sei a dificuldade que tive em dar muitos dos meus concertos, só eu sei a quantidades de vezes que pensei que era desta, que era naquele palco que ia desta para melhor. Durante estes anos estive em fase de negação porque quero passar uma borracha nisto tudo, porque também acho que as pessoas não têm de estar a levar com a minha desgraça. Gosto de mostrar que sou uma pessoa saudável e feliz, e quero transmitir alegria e amor. Mas tenho vindo a aprender outras coisas neste últimos anos… se calhar sou refém da minha própria construção de personalidade e, se calhar, fazia-me bem pedir ajuda”, salientou.
O adeus ao projeto Xana Toc Toc
Em 2020 a artista decidiu sair do projeto porque “já não tem saúde e não consegue fazer concertos”.
Sempre que fazia um espetáculo, a artista tinha de recuperar do mesmo nos dias seguintes. Aliás, hoje ainda toma uma quimioterapia oral e tem o seu sistema imunitário mais em baixo.
“Às vezes no inverno, depois de cada concerto, fico duas semanas com três ou quatro viroses em cima, muito cansada, com falta de ar”, contou. “Por mais que queira, já me esforcei demasiado nestes dez anos, já não consigo mais”, frisou.
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