"O que aconteceu surge como um amargo de boca depois de provar uma maçã que se anunciava podre. Era uma questão de tempo até mandar calar deixar de ser um grito de raiva, e passar a ser uma mão que atordoa", é desta forma que Bruno Nogueira dá início a um longo desabafo onde manifesta publicamente a sua opinião sobre a polémica gerada em torno da noite da cerimónia dos Óscares 2022.
O humorista e ator português condena a atitude de Will Smith, que agrediu Chris Rock em direto depois de este ter feito uma piada sobre a doença da sua mulher.
"Incomoda-me particularmente o foco da discussão: 'há limites no humor?'. Há, mas não é o que tanto se quer. Agredir fisicamente alguém que fez uma piada é ultrapassar o limite do humor. Moralmente, e judicialmente", defende, condenando que se banalize "a legitimidade de alguém agredir a outra sempre que ouve uma coisa com a qual não se sente confortável".
"É sobre combater palavras com socos, na esperança vã que elas desmaiem. É sobre alguém agredir um humorista, e a pergunta ser: 'não terá o humorista passado dos limites'? Se esta frase lida em voz alta não for contraditória em todas as suas letras, então resta pouco pavio para o diálogo", continua.
Bruno Nogueira mostra-se incrédulo com a forma como a situação foi tratada, sem que Will Smith tivesse sido imediatamente responsabilizado pela sua atitude violenta.
"Na cerimónia não há nenhum segurança que interrompa o momento, não há ninguém que proteja a integridade física de Chris Rock, não há nenhum polícia que o leve até uma esquadra", realça.
"O agressor fica sentado no mesmo sítio, assiste a toda a gala, com o Chris Rock a ter de seguir o seu trabalho. Will Smith ainda sobe a palco para receber um Óscar, e é aplaudido de pé. E Chris Rock, que continua só munido de palavras, segue com a arma que tem. Essa arma tão perigosa para o ego: a piada", nota.
Na Internet, o humorista surpreende-se com "a quantidade de pessoas que dizem 'é bem feita, para ver se ele aprende'. Que doce realidade virtual esta, onde nunca ninguém disse nada que possa ferir susceptibilidades, a não ser os humoristas. Onde ontem, naquele soco, se vinga todo o mal dessa ameaça terrível que é o humor".
"O que hoje se deveria estar a discutir não era o soco do Will Smith, mas a resistência do Chris Rock", afirma. "Legitimar o que aconteceu é aceitar que o mundo se deve vergar e calar perante o que incomoda. E o que resta depois? Resta alguém que, sozinho no meio do deserto, morre de raiva por não ter ninguém em quem bater", termina, juntando às suas palavras uma fotografia do homem que na opinião merece aplausos: Chris Rock.
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