O médico explica: O perigo silencioso da Doença Inflamatória do Intestino

Samuel Fernandes, Assistente Hospitalar de Gastrenterologia no Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, falou em pormenor com o Lifestyle ao Minuto sobre a Doença Inflamatória do Intestino. A condição crónica pode ser dividida em dois principais tipos: a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa.

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Liliana Lopes Monteiro
11/06/2019 09:20 ‧ 11/06/2019 por Liliana Lopes Monteiro

Lifestyle

Entrevista

"Embora a doença não diminua a esperança de vida, infelizmente, poderá traduzir-se numa diminuição significativa da qualidade de vida dos doente sobretudo se não estiver controlada. Durante os surtos de atividade é frequente os doentes apresentarem dor abdominal, diarreia e cansaço fácil, o que poderá interferir com o trabalho e rotinas diárias. Os surtos de maior gravidade poderão necessitar de internamento e, em casos selecionados, de cirurgia. Concomitantemente, a doença associa-se com frequência a outras manifestações extraintestinais como anemia (traduzindo-se por cansaço fácil), dores articulares, crises de aftose oral e algumas manifestações dermatológicos e oftalmológicas", explica Samuel Fernandes.

Estima-se que, em Portugal, 20 mil pessoas vivam com doença inflamatória do intestino. Trata-se de uma patologia que pode afetar pessoas de todas as idades, mas, por norma, os primeiros sintomas surgem antes dos 30 anos, com pico de incidência dos 14 aos 24 anos. Contudo, há casos em que a doença começa entre os 50 e os 70 anos de idade.

As Doenças Inflamatórias Intestinais podem ser divididas em dois principais tipos: a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa. No caso da Doença de Crohn, ocorre uma inflamação crónica que pode afetar qualquer segmento do tubo digestivo, podendo aparecer em "manchas" e impactar algumas áreas do trato gastrointestinal. Trata-se de uma doença onde a cirurgia pode ser necessária, mas não tem cura. A Colite Ulcerosa é uma doença crónica limitada ao intestino grosso (cólon) e ao reto, com tendência para agudizar periodicamente durante vários anos. Os principais sintomas passam por dejeções diarreicas, frequentemente com sangue, cólica abdominal e desejo urgente de evacuar. As principais complicações são hemorragia, colite fulminante e cancro do cólon, mas também podem ocorrer inflamações nas articulações, inflamação na parte branca dos olhos, nódulos cutâneos e feridas.

Na entrevista que se segue Samuel Fernandes explica tudo aquilo que deve saber, sobre esta doença ainda sem cura e que prejudica tremendamente a vida prática dos doentes, sendo que nos casos mais graves pode ser necessário recorrer a internamento hospitalar ou a intervenção cirúrgica. 

O que é a Doença Inflamatória do Intestino?

As doenças inflamatórias do intestino são doenças crónicas que envolvem primariamente o tubo digestivo. Embora se desconheça a causa, pensa-se que resultem de uma resposta inadequada do sistema imunitário influenciada por factores genéticos e ambientais.

Existem dois tipos principais: a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa. Os sintomas mais comuns incluem dor abdominal e diarreia, que pode ou não apresentar sangue. Outros sintomas frequentes incluem perda de peso, febre, dores articulares, aftas orais recorrentes e fístulas perianais.

Quais as faixas etárias que afeta?

Pode afetar pessoas de todas as idades. Contudo, é mais frequente o diagnóstico na faixa entre os 15 e os 30 anos, seguido de um segundo pico entre os 50 e os 70 anos.

Afeta tanto os homens como as mulheres?

De acordo com estudos recentes, na Doença de Crohn o sexo feminino tem menor expressão na infância, aumentando a incidência nas idades mais avançadas. Na Colite Ulcerosa, a incidência da doença é semelhante entre homens e mulheres, aumentando no sexo masculino nas idades mais avançadas.

Quais são as causas para o aparecimento da patologia?

Infelizmente ainda não sabemos a causa destas doenças. Contudo, pensa-se que resultam de uma interação entre fatores de susceptibilidade genética do indivíduo e fatores ambientes. Este último, provavelmente, explica o aumento da incidência nas últimas décadas, nomeadamente nas sociedades mais desenvolvidas.

Como é feito o diagnóstico?

Atualmente, não dispomos de um teste de rastreio para estas doenças. Por outro lado, dado que algumas doenças podem apresentar-se de forma semelhante às doenças inflamatórias do intestino (ex. gastroenterites), o diagnóstico passa pela interpretação de um conjunto de vários exames de diagnóstico, incluindo análises ao sangue e fezes, exames radiológicos (como por exemplo TAC/Ressonância magnética/Ecografia) e pela realização de colonoscopia com exame histológico.

As Doenças Inflamatórias Intestinais podem ser divididas em dois principais tipos: a Doença de Crohn e a Colite Ulcerosa. Como se diferenciam estas condições?

Embora em alguns casos possam apresentar sintomas semelhantes, geralmente têm uma apresentação distinta. A Colite Ulcerosa costuma envolver o recto, podendo extender-se ao longo de todo o intestino grosso. Quando o envolvimento é apenas distal (i.e. envolvendo apenas o reto), geralmente manifesta-se através de perdas de sangue pelo ânus; o envolvimento de outros segmentos do intestino grosso poderá levar a sintomas como diarreia (com ou sem sangue), dor abdominal, febre e perda de peso. A Doença de Crohn pode envolver qualquer segmento do tubo digestivo da boca até ao ânus. As manifestações clínicas mais habituais incluem diarreia (habitualmente sem sangue), dor abdominal, febre e perda de peso. Até um terço dos doentes com Doença de Crohn poderá apresentar fístulas perianais ou fissuras anais recorrentes.

As formas mais clássicas das doenças conseguem, habitualmente, distinguir-se pela colonoscopia e exame das biopsias colhidas. Em alguns casos, poderão ser necessários outros métodos complementares de diagnóstico que poderão incluir um exame de imagem (ressonância/TAC/Ecografia) ou outros métodos endoscópicos (endoscopia digestiva alta, cápsula endoscópica). Em casos raros, poderá não ser possível fazer uma distinção entre as duas entidades.

Há tratamento? E cura?

Embora atualmente não exista uma cura para estas doenças, dispomos de terapêuticas relativamente eficazes para o seu controlo . O tratamento mais adequado poderá ser farmacológico, endoscópico ou cirugico e dependerá necessiariamente da idade do doente e características próprias da doença (i.e. extensão e gravidade).

O tratamento inclui duas fases: a indução (de modo a controlar a doença e atingir a remissão dos sintomas) e a manutenção (de modo a prevenir o ressurgimento de sintomas ou atividade da doença).

Referindo-se como exceção algumas formas de Colite Ulcerosa que poderão ser tratados com formas orais ou tópicas (supositórios/enemas) de aminossalicilatos, as terapêuticas farmacológicas incluem geralmente a utilização de fármacos imunossupressores (orais, subcutâneos ou endovenosos). Embora não sejam desprovidos de potenciais efeitos secundários, estes fármacos são, habitualmente, bem tolerados e traduzem-se em importantes melhorias na qualidade de vida dos doentes. Casos pontuais poderão ser manejados através da utilização de antibióticos. A cirurgia poderá ser necessária durante a evolução da doença.

Como é que a doença inflamatória afeta a vida dos doentes?

Embora a doença não diminua a esperança de vida, infelizmente, poderá traduzir-se numa diminuição significativa da qualidade de vida dos doente sobretudo se não estiver controlada. Durante os surtos de atividade é frequente os doentes apresentarem dor abdominal, diarreia e cansaço fácil, o que poderá interferir com o trabalho e rotinas diárias. Os surtos de maior gravidade poderão necessitar de internamento e, em casos selecionados, de cirurgia. Concomitantemente, a doença associa-se com frequência a outras manifestações extraintestinais como anemia (traduzindo-se por cansaço fácil), dores articulares, crises de aftose oral e algumas manifestações dermatológicos e oftalmológicas.

Por outro lado, a vigilância da doença implica a realização de vários exames complementares de diagnóstico (análises, colonoscopia, exames de imagem…). Por fim, alguns tratamentos implicam idas regulares do doente ao hospital (habitualmente a cada seis a oito semanas).

Neste sentido, é importante estabelecer um controlo da atividade inflamatória de modo a tentar proporcionar uma melhoria da qualidade de vida dos doentes.

Há alguma forma de prevenção?

Atualmente não conhecemos nenhum método preventivo destas doenças. Recomenda-se um estilo de vida saudável e é importante que todos os doentes deixem de fumar. 

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