O despejo do plástico nos oceanos e as consequentes partículas formadas não têm aí o seu destino final. Essas pequenas partículas acabam por ser ingeridas por animais marinhos, entrando assim na cadeia alimentar. Ou seja, no fim da linha, nós, humanos, acabamos por comer plástico, como reporta uma extensa reportagem divulgada pela BBC News.
Resíduos do material também podem acabar por entrar no nosso organismo quando consumimos produtos embalados em plástico, seja um invólucro que envolve a carne processada, seja a água armazenada numa garrafa.
Mas afinal, quanto plástico estamos realmente a consumir?
Para responder a essa pergunta, um grupo de cientistas do Departamento de Biologia da Universidade de Victoria, no Canadá, resolveu fazer um levantamento inédito. Liderados pelo investigador Kieran Cox, compilaram 26 estudos anteriores que analisaram as quantidades de partículas de microplásticos em peixes, moluscos, açúcares, sais, álcool, água - de torneira e engarrafada - e no próprio ar.
O resultado foi que a ingestão de microplásticos varia de 74 mil a 121 mil partículas por ano, conforme idade e sexo.
"Indivíduos que bebem água apenas por meio de fontes engarrafadas podem estar a ingerir mais 90 mil microplásticos anualmente, em comparação com quatro mil microplásticos para quem consome apenas água da torneira", pontua Cox, num artigo publicado nesta quarta-feira no periódico científico Environmental Science & Technology.
Segundo o estudo, crianças do sexo feminino ingerem 74 mil partículas em média, contra 81 mil de crianças do sexo masculino. No caso dos adultos, as mulheres ingerem uma média de 98 mil microplásticos enquanto os homens, 121 mil.
Efeitos sobre o corpo humano
Ainda pouco se sabe sobre quais os efeitos que os microplásticos podem vir a ter no corpo humano.
O médico Philipp Schwabl, da Divisão de Gastroenterologia e Hepatologia da Universidade de Medicina de Viena, na Áustria prefere dizer que qualquer afirmação definitiva necessita de mais pesquisas. "Embora os primeiros estudos em animais mostrem que partículas de microplástico têm potencial de causar danos nos seus organismos, não há conhecimento suficiente sobre o impacto médico de tais partículas quando deglutidas por humanos", diz. "Mais estudos são necessários para elucidar esse tópico importante".
Procurado pela BBC News, o médico toxicologista Anthony Wong, do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-USP), no Brasil, demonstra que há de facto na comunidade científica e médica uma preocupação crescente acerca do número elevado de micropartículas que o estudo recente demonstra que estamos a consumir.
"Pode haver consequências mecânicas e patológicas", alerta.
Do primeiro aspecto, o médico lembra que substâncias plásticas podem eventualmente aglutinar-se dentro do organismo e, com o tempo, "tornarem-se uma obstrução para o esvaziamento estomacal". "Isso realmente ocorre e já foi verificado em peixes e outros animais marinhos. São obstruções mecânicas que podem ocorrer no estômago, no intestino delgado e na válvula ileocecal", afirma.
Wong também explica que há um risco para a mucosa do estômago. "Esta é feita de vilosidades. Essas substâncias plásticas podem entrar e então provocar inflamação ou mesmo obstrução, impedindo a absorção dos alimentos", completa.
Um outro risco, pontua o médico, é que os microplásticos sofram degradação pelas enzimas digestivas. "E, assim, libertem no organismo substâncias tóxicas presentes nos plásticos", explica.