"Mutar até à morte": Mutagénese letal, a arma que pode aniquilar a Covid
A Covid-19, doença provocada pelo novo coronavírus SARS-CoV-2, já infetou mais de 38 milhões de pessoas em todo o mundo e matou mais de um milhão.
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Lifestyle Autodestruição do vírus
Perante a progressão da pandemia da Covid-19 e ainda sem um tratamento eficaz que trave a doença, alguns cientistas têm ponderado a possibilidade de usar uma estratégia alternativa e improvável - que consiste, nada mais nada menos, em utilizar as próprias armas do SARS-CoV-2 contra si próprio, resultando na autodestruição do vírus, explica um artigo publicado no site da BBC News Mundo.
De modo a invadir e derrotar o sistema imunológico, o coronavúrus espalha-se rapidamente pelo organismo, contudo esta tática tem falhas. Ao replicar-se o vírus aglomera mutações.
Ora, segundo os cientistas é possível acelerar essas mutações e fazer com que o SARS-CoV-2 "sofra uma mutação mortal", um fenómeno denominado de 'mutagénese letal'.
Ao longo da história da medicina, já foram testados vários fármacos que provocam essa mutagénese noutros vírus. E agora, surge a questão se esse processo funcionaria de facto na dizimação do novo coronavírus.
Conforme refere a BBC o vírus por trás da Covid-19 é um vírus de RNA, o que significa que o material genético no seu interior é ácido ribonucléico. Vírus de RNA, que incluem o da gripe, ébola ou Covid-19, e outros, caracterizam-se por uma mensagem escrita em RNA cercada por proteínas.
Mensagem esta que está redigida em quatro letras, 'a', 'g', 'c', 'u'. Cada uma representa um composto químico ou nucleotídeo, e a posição desses compostos, assim como a ordem das letras numa palavra, decide qual é a mensagem passada.
Quando se trata de um vírus, a ordem dos caracteres contém as instruções para que o vírus se reproduza. E, no decorrer desse fenómeno de replicação os vírus geram mutações ou erros na sequência das letras.
Mas afinal, o que é mutagénese letal?
Cada infeção gera milhões de partículas infeciosas.
"Numa população normal, até 50% desses vírus talvez não sejam viáveis. A ideia da mutagénese letal é que se fizermos o vírus sofrer uma mutação 10 vezes maior, a taxa da população que não vai ser viável será 99,9% em vez de cerca de 50%", conta à BBC News Mundo Armando Arias, virologista da Universidade de Castilla-La Mancha, em Espanha, e investigador de RNA.
"Imagine uma frase: 'a casa é azul. E aí há uma mutação: 'a casa em azul'. A mensagem ainda é transmitida, mas se trocamos seis ou sete letras ao acaso, a frase não faz mais sentido. Esse é o conceito de mutagénese letal", explica o virologista.
"Mutar até à morte significa que um excesso de mutações faz com que as proteínas sintetizadas pelo vírus tenham tantas alterações que não funcionam bem".
"É como se eu lhe desse um computador para escrever e que eu programo para que a cada dez letras que escreva, este coloque uma errada, e que por isso você tenha que reproduzir esse texto várias vezes no mesmo ritmo das letras. Verá que no final seria um texto incompreensível. Isso é o que acontece com o vírus e o resultado é uma incapacidade de infectar", afirma Arias.
Será que funciona com a Covid-19?
A dúvida é se medicamentos que provocam a mutagénese letal poderiam funcionar contra o novo coronavírus.
"Vários grupos, inclusive o nosso, estão a tentar investigar medicamentos que atuam contra o vírus causador da Covid-19 e que atuam por mutagénese letal", diz em entrevista à BBC Esteban Domingo, virologista do Centro de Biologia Molecular Severo Ochoa, em Madrid.
"Há dois artigos publicados este ano com resultados muito encorajadores com o vírus SARS-Cov-2, o que estimula mais pesquisas sobre esta estratégia"
Um desses estudos está a ser realizado pelo cientista norte-americano Ralph Baric, da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill.
Baric e uma equipa de investigadores testaram em laboratório um fármaco experimental que provoca mutagénese letal, EIDD-2801, em células epiteliais humanas infetadas com o novo coronavírus.
Outra pesquisa analisou o efeito do medicamento favipiravir em culturas de células derivadas de macacos verdes africanos infetados com SARS-CoV-2.
"O estudo mostrou que é possível, em princípio, desacelerar o crescimento do SARS-Cov-2 usando compostos como o favipiravir", disse Olve Peersen, co-autor do trabalho científico e professor da Colorado State University nos Estados Unidos.
Atualmente, existem mais de 30 estudos clínicos sobre o efeito do favipiravir em pacientes com Covid-19.
Um estudo preliminar na China, em março, mostrou que os pacientes com Covid-19 que receberam favipiravir eliminaram o vírus em quatro dias, em vez de 11 dias com outros antivirais.
Arias alerta, no entanto, que o favipiravir apresenta limitações, isto porque é um composto de diminuta solubilidade e tal dificulta, por exemplo, a sua injeção na corrente sanguínea.
Contudo, salienta que "cada vez temos melhores ferramentas para gerar melhores medicamentos". E espera que em breve e na sequência das dezenas de estudos que estão neste momento a serem realizados se encontre um fármaco ou combinação de fármacos capaz de causar a tão desejada e elusiva mutagénese.
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