O AVC continua a ser uma das principais causas de morte em Portugal. Em tempos de pandemia, o receio de infeção pelo novo coronavírus levou a que casos ligeiros de acidentes vasculares cerebrais (AVC) não se dirigissem aos hospitais. Assim, no Dia Mundial do AVC, o Lifestyle ao Minuto falou com a coordenadora da Unidade Cerebrovascular do Hospital São José, Dra. Ana Paiva Nunes, sobre a importância de recorrermos aos profissionais para evitar sequelas.
O que é o AVC?
O cérebro precisa de nutrientes para funcionar, essencialmente oxigénio e açúcar. Quando uma artéria deixa de conseguir levar nutrientes para o cérebro e ocorre uma interrupção brusca deste fornecimento, o tecido cerebral fica lesado provocando um Acidente Vascular Cerebral.
O AVC pode ser de dois tipos: isquémico (acontece cerca de 85% das vezes), quando o fluxo de sangue num vaso é interrompido por um trombo, por exemplo, ou hemorrágico (é mais raro), que significa que há uma hemorragia cerebral.
O acidente pode ainda ser denominado de Acidente Isquémico Transitório (AIT) quando dura apenas alguns minutos ou algumas horas, ou seja, os sintomas são idênticos aos de um AVC, mas são reversíveis, sendo que os efeitos neurológicos desaparecem ao fim de pouco tempo. Cerca de 10 a 15% das pessoas que sofreram este episódio, no entanto, acabam por sofrer um AVC completo nos três meses seguintes, sendo muito importante consultar um médico após sofrer um AIT.
Como se manifesta?
A função das células cerebrais passa por perceber, processar, ativar e controlar os movimentos do corpo e, quando ficam danificadas, a função da parte do corpo controlada por estas também fica. Como consequências, o doente pode experienciar dificuldade em falar ou andar, fraqueza ou dormência em alguma parte do corpo, desvio da face, diminuição da visão ou do equilíbrio ou até perda de memória.
Desta forma, torna-se necessária a realização de um diagnóstico e tratamento rápidos, uma vez que os danos causados pelo acidente podem tornar-se permanentes e irreversíveis ou até mesmo culminar na morte da pessoa.
Quantas pessoas afeta em Portugal?
O AVC continua a ser uma das principais causas de morte em Portugal e, relativamente ao conjunto das doenças Cérebro-Cardiovasculares, é a principal causa de morbilidade e perda de potenciais anos de vida.
Só nos primeiros cinco meses do presente ano, os Centros de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) do Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM) acionaram a Via Verde AVC em 1.996 ocasiões.
Como podemos prevenir o AVC?
Existem alguns pontos a ter em atenção para prevenir um AVC, sendo o estilo de vida um dos mais importantes. Como tal, devemos praticar atividade física, mesmo que sejam apenas 30 minutos por dia e alguns dias por semana. Esta pequena ação ajuda no combate à diabetes, à tensão arterial e aos níveis de gordura no sangue, que aumentam a probabilidade de AVC.
É ainda importante manter uma dieta saudável que seja pobre em gorduras saturadas e rica em gorduras insaturadas. Por isso, devemos manter-nos mais afastados de alimentos como a carne vermelha e a manteiga, apostando mais em produtos como azeite, abacate e nozes. O mais importante, no entanto, passa por ter uma dieta variada e controlada e manter um bom nível de hidratação, evitando fumar e o consumo de álcool.
O que é a via verde AVC? Como está a funcionar nos hospitais?
A Via Verde AVC existe já em vários hospitais e garante que, em caso de AVC, o doente, após ser transportado pelo INEM para o hospital adequado, tenha já à sua espera equipas preparadas para intervir de forma rápida, evitando sequelas.
Esta é uma via segura imediata e eficaz, uma vez que conta com equipas preparadas para tratar os doentes num circuito protegido e paralelo ao dos doentes infetados por Covid-19.
Qual é a importância de acionar o 112 e como se processa o encaminhamento para os hospitais?
Aquando de um acidente, ligar para o Número Europeu de Emergência (112) é a decisão mais adequada, uma vez que uma intervenção médica especializada é vital para o sucesso do tratamento e da recuperação.
Depois de receber a chamada, o CODU confirma a suspeita diagnóstica de AVC e aciona a Via Verde AVC pré-hospitalar. Os objetivos seguintes passam por garantir que os utentes com sintomas sejam corretamente assistidos e encaminhados para a unidade hospitalar que esteja melhor preparada para os receber o mais rapidamente e competentemente possível.
Como decorrem os procedimentos e diferenciação entre doentes Covid-19 e doentes não Covid-19?
Os internamentos nos hospitais estão a funcionar de modo geral em todas as patologias de forma semelhante. Há uma divisão entre os doentes Covid e não Covid, pois só desta forma conseguimos garantir que não há a transmissão do vírus dentro dos hospitais. Os profissionais de saúde que estão destinados às áreas afetadas não podem entrar em contacto com os restantes, bem com o contrário. No caso do AVC a lógica mantém-se a mesma.
Quais são as derradeiras consequências para os doentes de AVC em caso de resposta tardia?
As primeiras horas após o início dos sintomas de AVC são cruciais, sendo que a janela de oportunidades para o tratamento bem sucedido pode durar apenas 4h30. Em causa está a possibilidade de injetar na veia uma substância que “desentope” a artéria cerebral ou a realização de um cateterismo. Quando bem sucedidos, estes tratamentos aumentam a hipótese de a pessoa sair com poucas ou nenhumas sequelas em 30 a 50%.
Este cenário vai melhorar ou, devido ao aumento de novos casos de Covid-19, vai retroceder?
Com o aumento de novos casos de Covid-19, prevê-se que o cenário se agrave. As razões, no entanto, não se prendem com a capacidade de resposta do nosso Sistema Nacional de Saúde, mas sim com o medo da população e a falta de tratamentos.
Apesar de os circuitos preparados para estes doentes serem seguros, durante a pandemia os doentes deixaram de ver os hospitais como um porto seguro, tendo receio de serem infetados pelo novo coronavírus. Devido a isto, mesmo em situações de emergência, deixaram de recorrer aos serviços de saúde, um cenário que certamente irá piorar com o aumento de casos.
Em relação ao Sistema Nacional de Saúde, se voltarmos a ter de aplicar algum tipo de restrições relativamente aos tratamentos de reabilitação, que já estiveram em pausa durante o período de confinamento, os doentes já tratados poderão perder o potencial de recuperação que inicialmente possuem.
A implementação de uma Via Verde AVC para todos os hospitais, em Portugal, deverá ser uma prioridade?
Além de possibilitar uma resposta rápida quando a pessoa sofre um AVC, a implementação de uma Via Verde AVC nos hospitais garante que, quando acionada, o hospital para o qual o doente é levado tem, tal como já referi anteriormente, uma equipa preparada para o tratar num circuito completamente protegido.
Qual é o impacto da ausência de reabilitação, devido ao período de pandemia, em doentes de AVC?
Durante o período de pandemia, a principal dificuldade prende-se precisamente com a falta de tratamentos de reabilitação, que prejudica o potencial de recuperação destes. Isto poderá ter resultados muito graves, uma vez que, apesar de ser dado um tratamento rápido e eficaz na fase aguda, sem reabilitação o doente não consegue recuperar totalmente e poderá ficar com mais sequelas.