O médico explica: Autismo, a doença solitária de quem vive no seu mundo

"No dicionário, o substantivo 'Autismo' indica um estado mental caracterizado por uma concentração patológica do indivíduo sobre si mesmo, e pela ausência de reação a estímulos e a contactos sociais. Tudo aponta para seres fechados no seu próprio mundo", explica Sandra Afonso, pediatra responsável pelo Núcleo de Neurodesenvolvimento Infantil do Hospital CUF Descobertas.

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Liliana Lopes Monteiro
29/12/2020 08:00 ‧ 29/12/2020 por Liliana Lopes Monteiro

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Entrevista

A Perturbação do Espectro do Autismo (PEA) é uma perturbação do neurodesenvolvimento que se caracteriza por dificuldades na comunicação e interação social, associadas a comportamentos repetitivos e/ou interesses marcados por objetos ou temas específicos. A designação de espectro foi atribuída pela variabilidade dos sintomas, desde as formas mais leves até às formas mais graves.

Trata-se de uma disfunção neurológica precoce, muitas vezes com início pré-natal. "Existem crianças que, ao nascer, já apresentam algumas características como, por exemplo, o não sugarem ou não desejarem o colo da mãe", explica a pediatra Sandra Afonso. 

A origem da doença é multifatorial, resultando de fatores ambientais  que atuam sobre a predisposição genética. A comunidade médica concorda que existem genes, patológicos ou variantes do normal, responsáveis pela suscetibilidade à doença.

Sendo de extrema importância sublinhar que apesar de algumas correntes históricas que associam o autismo com as vacinas, não existe de todo nenhuma evidência científica que suporte esta correlação quando se consideram estudos recentes, realizados pelas entidades de saúde mais importantes em todo o mundo. 

"É importante realçar e reforçar a falta de evidência científica na associação entre o autismo e a vacina VASPR (vacina anti-sarampo, papeira e rubéola) ou o timerosal, que é um composto orgânico de etilmercurio existente nesta vacina. Uma vez que a idade de administração da vacina é aos 18 meses, altura do aparecimento de alguns sintomas do autismo, esta relação foi postulada, sem no entanto qualquer validade científica", salienta a especialista.

De modo a desmistificar esta doença neurológica, estivemos à conversa com a médica pediatra Sandra Afonso, que explica nesta entrevista tudo o que tem de saber sobre o autismo. 

O que é o autismo?

A palavra autismo tem origem na expressão grega 'Autos' que significa 'por si mesmo', acrescido do sufixo 'Ismo', indicando uma ação ou estado. No dicionário, o substantivo 'Autismo' indica um estado mental caracterizado por uma concentração patológica do indivíduo sobre si mesmo, e pela ausência de reação a estímulos e a contactos sociais. Tudo aponta para seres fechados no seu próprio mundo.

Em termos clínicos, o autismo é um distúrbio neurobiológico, resultante de uma disfunção cerebral que ocorre num período precoce do desenvolvimento e se mantém ao longo da vida.

Não se pode falar em autismo sem abordar a sua história. Esta  passa por Kanner (1943) e  Asperger (1944), que descreveram "crianças com particularidades fascinantes... com um contacto visual muito pobre, estereotipias verbais e comportamentais, assim como uma marcada resistência à mudança... procura constante de isolamento e interesses especiais, referentes a objetos e comportamentos bizarros". Na década de 50 e 60 predominavam as correntes psicanalíticas, que consideravam o autismo como uma  perturbação emocional desencadeada por défice afetivo dos pais, particularmente das mães ('mães frigorífico'), causando um forte impacto negativo no seio das famílias. Em 1979, Lorna Wing descreveu uma variedade de sintomas e apresentações clínicas, surgindo então o conceito de espectro, com um leque de comprometimento que pode variar do mais leve ao mais grave. Os primeiros critérios internacionais para o diagnóstico de autismo foram definidos em 1980, pela famosa Associação Americana de Psiquiatria, no manual de doenças mentais mais utilizado - Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM). Foram havendo várias revisões, e em 2013 surge a quinta revisão do DSM , sendo a classificação atualmente vigente, passando a designar-se como 'Perturbação do Espectro do Autismo' (PEA).

Qual é a prevalência da doença no mundo e em Portugal?

O autismo é uma perturbação globalizada, embora existam dificuldades em determinar a prevalência do autismo a nível mundial, particularmente em locais com baixas condições econômicas como o continente africano, onde o diagnóstico e registo são processos difíceis. Em 2018 o site Spectrum News lançou um mapa online dos principais estudos científicos publicados sobre a prevalência de autismo em todo o mundo, e que é constantemente atualizado.

Segundo a American Academy of Pediatrics, em 2007 a prevalência na Europa e nos Estados Unidos da América (EUA) estimava-se em seis casos por 1000 nados vivos. Dados de março de 2020, divulgados pelo CDC (Centers for Disease Control and Prevention), mostraram a prevalência de autismo nos EUA de 1 para 54, correspondendo a um aumento de 10% em relação a 2014, que era de 1 para 59. Pela primeira vez, a prevalência é quase idêntica na raça negra e branca, sendo inferior nas crianças de origem hispânica, comparativamente aos outros grupos étnicos. Por outro lado, estudos no Brasil mostram que o autismo está presente em todos os grupos raciais, étnicos e socioeconómicos. Em Portugal a prevalência é semelhante ao resto do mundo, sendo de 1/1000 em crianças em idade escolar, no único estudo efetuado em 2005.

Nos últimos anos tem-se vindo a verificar um aumento da prevalência, o que poderá ser explicado por  vários fatores. Por um lado, há uma maior consciencialização para esta perturbação, quer dos pais, como de todos os profissionais e técnicos que lidam com as crianças. Por outro lado, a  existência de uma maior quantidade e sensibilidade de testes de rastreio e avaliação, permitem fazer um diagnóstico mais precoce. Para além disso, com as mudanças de nomenclatura e novas classificações com critérios de diagnóstico mais abrangentes, um maior número de situações são incluídas neste diagnóstico.

A crescente prevalência em crianças implica uma maior consciencialização para os adultos autistas. De acordo com as novas estimativas dos EUA, anualmente cerca de 75 mil adolescentes autistas irão tornar-se adultos, confirmando que o autismo é uma situação crónica e importante condição de saúde pública.

Já se nasce com autismo?

O autismo resulta de uma disfunção neurológica precoce, frequentemente com início pré-natal (demonstrado em  alguns estudos neuropatológicos), com  repercussão nas aquisições do desenvolvimento.

Assim, existem crianças que, ao nascer, já apresentam algumas características como, por exemplo, o não sugarem ou não desejarem o colo da mãe.

Notícias ao MinutoSandra Afonso© CUF

Afeta ambos os sexos da mesma forma?

Tal como na maioria das perturbações do neurodesennvolvimento, o autismo é mais prevalente no sexo masculino, com uma relação de 4 a 5 rapazes para 1 rapariga.

Quais são os sintomas de autismo?

Geralmente a criança autista tem uma aparência normal, mas o seu perfil de desenvolvimento é irregular.

Existe uma heterogeneidade de sintomas que estas crianças podem apresentar, nas três áreas afetadas - comunicação, interação social e comportamentos restritos e repetitivos.

No primeiro ano, geralmente manifesta-se por atraso nas aquisições do desenvolvimento global e ausência de comportamentos normais esperados para a idade, nomeadamente na atenção conjunta, em que há a partilha na interacção visual e social com os outros.  Dificuldades em estabelecer contacto visual, não imitar  gestos ou aprender as 'gracinhas', não adquirir gestos comunicativo, não responder ao nome ou sorrir de volta, não vocalizar, desinteresse pelos objetos e faces,  desagrado pelo contacto físico, são sinais de alarme para o autismo.

Entre os 18 meses e 2 anos de idade, os sinais de desinteresse social já existem, e é evidente o atraso ou ausência na aquisição da linguagem, com poucas ou nenhumas palavras e não usar comunicação não verbal como o apontar. Surgem os desvios de desenvolvimento como seja a capacidade de identificar números, letras, símbolos de carros, entre outros, que não é de esperar numa criança que ainda não fala. Quando querem algo que não está ao seu alcance, tentam alcançar de modo autónomo ou puxam o adulto pela mão, com pouco ou nenhum contacto visual. Começam a ser mais evidentes os comportamentos característicos, como as estereotipias (movimentos repetitivos, não funcionais e atípicos, como por exemplo abanar as mãos) e as fixações - fixar-se em objetos que apresentem  movimentos circulares como rodas dos carros,  rodopiar botões dos eletrodomésticos ou objetos antes de os usar, alinhar ou ordenar brinquedos/objetos por tamanhos ou cores. Nesta fase, pode-se confundir com o atraso global de desenvolvimento.

O desenvolvimento posterior da fala é anormal, caracterizando-se por ecolália (repetição daquilo que é dito por terceiros), usar expressões memorizadas ou 'frases feitas', como 'bom dia alegria', falar de si na terceira pessoa (por exemplo 'o Miguel quer bolachas') e usar linguagem idiossincrática, isto é, sem função comunicativa, substituindo palavras por sons. São crianças que não gostam de mudanças de atividades ou contextos, pela necessidade de manter rotinas, reagindo com agitação, birras e/ou atitudes agressivas.

Não é fácil fazerem amigos porque para além da falta de interesse pelos colegas, não conseguem estabelecer uma conversa normal nem partilhar interesses, emoções, afetos ou brincadeiras imaginativas.

É típico surgirem alterações sensoriais, com hipo ou hiperreatividade, isto é, falta de reação ou reagir em demasia a estímulos sonoros, dor, temperatura. Podem ainda manifestar interesses incomum por aspectos sensoriais do ambiente, como por exemplo cheirar ou tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento, reação anómala a texturas específicas.

Na adolescência tendem a aumentar os conflitos pessoais e interpessoais, sendo possível aparecerem novas complicações como epilepsia, problemas alimentares, depressão, ansiedade, aumento da agitação e das estereotipias.

Uma vez que a presença de comorbilidades na PEA é muito frequente, sendo que cerca de 70% dos casos tem uma comorbilidade associada e 40% tem duas ou mais perturbações associadas

Quis são as causas da doença?

O autismo tem uma base orgânica, sendo causado por uma alteração neurobiológica, que provoca uma disfunção em certas zonas do cérebro, que são responsáveis por determinadas capacidades e competências, que ficam alteradas e resultam depois nos sintomas manifestados.  A maioria das vezes a causa é desconhecida , o chamado autismo idiopático, surgindo em 10 a 15% dos casos associado a entidades médicas conhecidas, englobado num  síndrome, o autismo sindromático.

A origem do autismo é multifatorial, resultando de fatores ambientais  que atuam sobre a predisposição genética. Existem um conjunto de genes, patológicos ou variantes do normal, responsáveis pela suscetibilidade para a doença. Como prova desta influência,  irmãos de crianças com o diagnóstico de autismo  têm um risco superior em 25% à população em geral de terem também autismo. Existe, no entanto, a possibilidade da  interferência ambiental, no sentido da potenciação destes genes, determinado pela epigenética.

Apesar da predominância da componente genética, agressões ao cérebro em desenvolvimento podem determinar uma maior suscetibilidade do mesmo para esta perturbação. Podem acontecer numa fase tão precoce como o período prénatal, devido a infecções e embriopatias relacionadas com o uso de fármacos ou químicos durante a gravidez, ou ocorrer durante o parto ou após o nascimento.

De salientar que a idade dos progenitores é relevante, sendo o risco proporcional ao aumento da idade, principalmente paterna.

Existe um mito antigo que associa o desenvolvimento do autismo com a toma de vacinas. Esta ideia tem alguma razão de ser?

Não, de todo! É importante realçar e reforçar a falta de evidência científica na associação entre o autismo e a vacina VASPR (vacina anti sarampo, papeira e rubéola) ou o timerosal, que é um composto orgânico de etilmercurio existente nesta vacina. Uma vez que a idade de administração da vacina é aos 18 meses, altura do aparecimento de alguns sintomas do autismo, esta relação foi postulada, sem no entanto qualquer validade científica.

Como é a aprendizagem das crianças com autismo?

Os dois ambientes fundamentais onde acontece a aprendizagem são a escola e a casa. Os procedimentos utilizados para a aprendizagem das crianças autistas devem ser conhecidos e compartilhados pelos pais, para que estes possam orientar e ajudar seus filhos no processo educativo. A participação da família é importante, contribuindo para o sucesso da aprendizagem. O principal objetivo da educação de uma criança autista é o de aumentar a sua independência, proporcionando mais segurança na execução das tarefas do quotidiano (incentivar a criança a vestir-se sozinha, comer, lavar), o que contribui para a melhoria da qualidade de vida da criança e de seus familiares. Este processo deve ser feito com calma, tendo em consideração que o desenvolvimento da criança com autismo é lento, lembrando sempre de elogiar cada etapa alcançada. Tendo em conta que as crianças autistas devem aprender a aceitar mudanças e estar preparadas para modificações na sua rotina, é preciso que os pais e os professores façam pequenas alterações na vida diária da criança, inicialmente uma de cada vez, sempre que possível sem fatores inesperados, muitas vezes causadores um ataque de birra, para que possa estabelecer vínculos de segurança.

As crianças autistas podem frequentar a escola regular, o lugar privilegiado de socialização. É onde elas descobrem as regras e sentem necessidade/vontade de comunicar. Devem ser criadas estratégias para que as crianças autistas consigam desenvolver as  suas capacidades e interagir com as outras crianças. Elas precisam de um ambiente estruturado, com regras claras e constantes, assim como de saberem o que se espera delas. O currículo educacional deve ser adaptado, isto é, o conteúdo do programa de uma criança autista deve estar de acordo com o seu desenvolvimento e potencial, tendo em conta a sua idade e os seus interesses. Recordo que o processo de aprendizagem de uma criança com autismo leva tempo, requerendo calma e empenho, permitindo que as crianças aprendam tanto matérias académicas como atividades do quotidiano.

As crianças até aos 6 anos de idade com frequência do ensino pré-escolar, devem ser referenciadas para o Serviço Nacional de Intervenção Precoce na Infância (SNIPI). É definido um Plano Individual elaborado por equipas multidisciplinares, que deve funcionar como um instrumento organizador para as famílias e para os profissionais envolvidos.

A partir do 1º ciclo de escolaridade, a participação dos alunos nas atividades curriculares a nível escolar com os seus pares de turma pode ser feita através do ensino estruturado.

É possível tornarem-se adultos independentes?

O autismo, embora tenha um caráter crónico, que afeta o quotidiano desde a infância até à idade adulta, não é progressivo. A evolução dos sintomas varia, dependendo da existência de deficiência intelectual concomitante ou de alguma outra condição associada, quer seja médica, genética ou psiquiátricas e do grau de gravidade, particularmente o compromisso da linguagem.

Vários estudos reportam uma melhoria da linguagem ao longo do tempo, mantendo os adultos dificuldades significativas na comunicação social. Os dois fatores que determinam um melhor desempenho na idade adulta são o nível intelectual mais elevado e conseguir dizer  frases aos seis anos de idade.

Cerca de 85% dos adultos com autismo apresentam uma dependência de terceiros, de modo total em 60% e parcial em 20%, sendo que apenas 10% irão ser independentes, com atividade laboral. Cerca de 5% são considerados 'curados', capazes de levar uma vida autónoma.

A transição para a idade adulta apresenta assim um conjunto de desafios e possibilidades, cujo sucesso depende não apenas do seu nível de funcionalidade e autonomia, mas também das estruturas existentes para o apoiar.

Como é que a doença é gerida?

É um desafio para pais, educadores e professores conviver com uma criança autista. Quando é feito o diagnóstico de autismo numa criança, há várias reações e comportamentos possíveis apresentadas pelas famílias. Uns pais querem saber tudo, questionando os médicos e pesquisando, com o intuito de conhecer e entender o que é o autismo. Outros não aceitam que o filho tenha essa perturbação, procuram 'justificação alternativa' ou arranjam desculpas para o comportamento das crianças. No entanto, é importante que a família admita esta questão, para que possa procurar ajuda, tanto apoio na família mais alargada, como por exemplo através de pessoas/grupos que tenham passado pela mesma situação, e que as poderão ajudar a sentir-se mais capazes e preparadas para enfrentar e conviver com o autismo.

A articulação dos pais com o contexto escolar e de intervenção é importante, como já foi referido, dando continuidade e consistência às regras e aprendizagens. Eles são também  promotores do convívio social. Devem fazer passeios com os seus filhos, preferencialmente em lugares públicos, onde eles possam brincar livremente e ter contacto com outras crianças. Dadas as características destas crianças, é importante que estas atividades sejam planeadas, para evitar situações imprevisíveis geradoras de alterações do comportamento  nas crianças.

Após o diagnóstico, o médico que acompanha a criança deverá ser também um suporte para os pais. Cabe ao médico estar disponível para esclarecer dúvidas, com uma postura positiva, mas realista, delinear um plano de intervenção e recrutar os apoios necessários para o implementar. Importa alertar que mesmo em tempos de pandemia, como a que vivemos agora, a equipa médica está disponível e as consultas e intervenções não devem ser interrompidas ou adiadas por receio de contágio. Saiba que as unidades de saúde aplicam protocolos e circuitos para segurança dos profissionais de saúde e doentes.

O médico é ainda responsável pela investigação etiológica para encontrar uma causa, tão ansiada pelos pais, que deverá ser adaptada e específica para cada criança/família. Os exames genéticos têm ganho uma importância crescente, particularmente se há suspeita de autismo sindromático. É de igual importância a referenciação à consulta de genética para aconselhamento genético, particularmente em pais jovens.

De que forma é feito o diagnóstico?

Não existe nenhum exame complementar capaz de comprovar este diagnóstico. Os critérios  são essencialmente clínicos, baseados na DSM. Assentam nos déficits persistentes na comunicação social e na interação social em múltiplos contextos das vida da criança, associados a padrões restritos e repetitivos do seu comportamento, interesses ou atividades. Estes alterações devem existir numa fase precoce do desenvolvimento das crianças, causando impacto significativo no funcionamento social, profissional ou em outras áreas importantes das suas vidas. É importante para a caracterização e evolução, que se especifique o grau de gravidade, aquando do diagnóstico.

Nas consultas de pediatria geral, entre os 16 e 30 meses ou se há suspeita de autismo, é recomendado o uso de um questionário de rastreio rápido e de fácil aplicação, o M-Chat. A falha em alguns items, justificam a referenciação para uma consulta de especialidade, nomeadamente neurodesenvolvimento. Para um 'olho treinado', a observação da criança nas consultas fornece pistas importantes  e reveladoras, tais como  o tipo de contacto visual que estabelece,  a forma como explora o espaço à sua volta, o manuseamento dos objetos ou brinquedos, o grau de aproximação que permite ao adulto quanto ao afeto e toque, se tem comunicação não verbal, com o apontar, partilhar atenção, imitar. Para a avaliação formal, há vários testes recomendados, de acordo com a idade e presença de oralidade. Englobam uma avaliação do desenvolvimento global e cognitivo, comportamental e testes específicos para o autismo, como o ADOS, ADI-R. Esta avaliação intelectual é importante, pois cerca de dois terços das crianças com autismo também têm deficiência mental, um dos fatores que influencia a evolução/prognóstico.

No autismo a precocidade da avaliação e diagnóstico é fundamental, para conhecer o potencial de aprendizagem da criança e ser o ponto de partida para o planeamento dos programas de intervenção.

Volto a reforçar que apesar de ser mais fácil estabelecer um diagnóstico após os 2 anos de idade, os sintomas podem já estar presentes logo no primeiro ano de vida.

Que tipos de tratamentos existem para lidar com esta doença?

O autismo não tem cura, mas com um diagnóstico precoce, uma avaliação adequada e uma intervenção atempada e intensiva, há uma franca melhoria da evolução e prognóstico.

A intervenção multidisciplinar é fundamental, com diversas especialidades envolvidas no trabalho integrado - pediatria do neurodesenvolvimento, terapia da fala, terapia ocupacional, psicologia. A intervenção deve apoiar a família e estar integrada nas rotinas e dinâmicas dos vários contextos onde a  criança está inserida. Os seus objetivos são promover a independência funcional da criança e prepará-la para a vida futura, através do desenvolvimento social e comunicativo que melhoram a sua adaptação ao mundo e das suas competências cognitivas, que são facilitadoras da aprendizagem.

A intervenção no autismo é essencialmente educacional, devendo recorrer-se a estratégias comportamentais e de comunicação. Devem ser aplicadas de acordo com a necessidade individual de cada criança. Podem ser aplicadas tanto pelos terapeutas, como pelos professores e  pais.

Numa fase precoce, as crianças devem ser intensivamente ensinadas a comunicar recorrendo a meios aumentativos e alternativos através de gestos (Makaton), imagens (PECS), construção de cadernos ou tabelas de comunicação, entre outros. Numa fase mais avançada, pode recorrer-se à comunicação facilitada, feita através do uso de um teclado de computador.

Existem terapias comportamentais (ABA) que são usadas para adequar comportamentos sociais e adquirir autonomia, reduzindo os comportamentos inadequados (birras, agitação) e aumentando os desejados por meio de reforços. As terapias educacionais podem ser baseadas numa organização específica do ambiente pedagógico com exposição das rotinas de acordo com a organização visual e estrutural (TEACCH) ou pelo ensino de um estilo de interação baseado no contacto ocular, na comunicação verbal e não verbal, no tempo de atenção interativa e na flexibilidade (Programa Son-Rise). Pode-se também recorrer à participação e orientação com colegas da escola, que são usadas como modelos para o ensino de competências funcionais. Esta técnica pode também ser aplicada em casa, com a colaboração de familiares ou vizinhos para reforçar um comportamento ou uma tarefa. Por exemplo, gravar o irmão mais velho de uma criança com autismo, a fazer a cama ou mostrar como decidir o que vestir para ir à escola.

Para as crianças em que as alterações sensoriais são muito evidentes e limitadoras, está indicada a Integração sensorial através de toques, massagens e outros equipamentos como bolas terapêuticas, baloiços,  visa integrar informações que chegam ao corpo da criança como brincadeiras que envolvem movimentos, equilíbrio e sensações.

A terapêutica farmacológica só deve ser iniciada após otimização das terapias comportamentais e educacionais. Deve ser adequada a cada criança, após a identificação de possíveis comorbilidades existentes. Está indicada para facilitar o processo de aprendizagem e diminuir os comportamentos disruptivos. De preferência deverá ser em monoterapia e com uma vigilância regular em consulta de neurodesenvolvimento. É importante discutir as opções existentes, respeitando a opinião dos pais, professores e restantes cuidadores ou terapeutas que passam tempo com as crianças.

Estão descritas múltiplas terapêuticas alternativas, procuradas pelo desejo de evitar produtos químicos -  dietas sem glúten e sem caseína,  agentes quelantes, reiki, entre outros.  No entanto, nenhuma apresenta evidência científica.

A terapia por eletrochoques (ECT) é uma opção eficaz?

A terapia por eletrochoques ou eletroconvulsivoterapia é um procedimento feito sob anestesia geral, no qual pequenas correntes elétricas passam pelo cérebro, desencadeando intencionalmente uma breve convulsão, autolimitada. Como consequência ocorrem alterações químicas cerebrais, que podem reverter os sintomas de certas doenças psiquiátricas e epilepsia. Não está indicado para o autismo.

A estimulação magnética é um tratamento que utiliza ondas eletromagnéticas para estimular a parte frontal do cérebro, causando melhoria de diversas funções cerebrais, tais como linguagem e sociabilidade. Apesar dos resultados positivos desta técnica, ainda não foi aprovado pelas comissões de ética e de controlo, sendo necessários mais estudos.

Há alguma forma de prevenir o autismo?

Como foi dito anteriormente, o autismo tem uma causa desconhecida em  85 a 90 % dos casos. Não se pode intervir  no que desconhecemos. No entanto, numa situação particular de autismo sindromático ligada a uma doença genética, o Síndrome do X Frágil, é possível realizar a prevenção, com o teste genético pré-implantacional para doenças monogênicas (PGT-M) realizado nos embriões antes da gravidez, em casos de tratamento de fertilização in vitro (FIV).

Leia Também: O médico explica: A tuberculose ainda vive entre nós. Entenda

 

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