O mais frequente nas crianças e adolescentes jovens diz respeito ao excesso de peso e sedentarismo, este alimentado pela utilização excessiva das redes sociais, ou filmes e séries disponibilizados na Internet de fácil acesso e, muitas vezes, sem supervisão dos pais.
Na vida atribulada das famílias, é desvalorizado o tempo passado às refeições, à mesa, com a família reunida, partilhando experiências e aprendendo a comer saudável. Os bons hábitos alimentares adquirem-se na família e na regularidade com que são implementados, os maus hábitos também.
As Doenças do Comportamento Alimentar refletem a confluência de determinantes biológicos socioculturais e psicológicos, tanto na vulnerabilidade ou predisposição para o seu desenvolvimento como nos factores precipitantes e, ainda, nas condições que perpetuam a sua manutenção, uma vez estabelecidas. Assim, é necessário que sejam analisadas num modelo de compreensão que integre os diferentes níveis de análise, para ser posto em marcha um plano coerente e eficaz de tratamento, definindo a sequência de intervenções ou a sua combinação e adaptá-las a cada doente - no seu contexto e na sua particularidade.
No conturbado tempo em que vivemos, sujeitos a uma pandemia que alterou todos os hábitos das nossas vidas e instalada a incerteza de quando retomaremos a vida tal como a conhecíamos, as Doenças do Comportamento Alimentar têm tido um aumento de incidência em todas as idades mas particularmente nas crianças e adolescentes, que se vêem privados da relação com os seus pares e confinados ao ambiente familiar na maioria das vezes com os pais em teletrabalho, a tentarem conciliar trabalho e acompanhamento aos filhos.
Dulce Bouça© DR
Esta mudança radical de vida dos jovens leva-os a vivenciar sentimentos de solidão e abandono que os remete para perda de auto confiança e autoestima, levando uns a restringir a alimentação para perderem peso, outros por desinvestimento começam a comer em excesso para encontrarem acalmia para um sentimento de vazio, outros receando perder o controlo sobre o seu corpo privado de actividades lúdicas, entram em comportamentos auto agressivos, outros, ainda, tornam-se dependentes da Internet, numa alienação para ocupar o tempo sem rotinas.
O confinamento e a ausência de contactos com os amigos tem feito aumentar as perturbações do comportamento alimentar, nomeadamente a Anorexia Nervosa, a Bulimia Nervosa e a Alimentação compulsiva.
A experiência indica que para a Anorexia Nervosa, a planificação do tratamento a propor depende da avaliação do risco a curto e médio prazo, que envolve a condição física (tal como, densidade óssea, problemas gastro intestinais, cardíacos) e capacidade psicológica para a aceitação e consentimento do tratamento. Um elevado risco somático é frequentemente associado a uma diminuição da capacidade para aceitar o tratamento, dado que a desnutrição pode levar a um quadro confusional que limita a capacidade de integrar a informação. A comorbilidade psiquiátrica associada, também interfere na credibilidade que o doente dará à opinião externa sobre o seu estado e na confiança à informação médica que lhe é fornecida, podendo, por exemplo, coexistir com a Doença do Comportamento Alimentar uma Depressão, uma Perturbação de Pânico, uma Perturbação Obsessiva, ou outras patologias físicas, como, por exemplo: diabetes; patologia da Tiróide.
A avaliação do risco a longo prazo deve dirigir-se ao índice de massa corporal atingido e à duração da sua instalação nos limites de risco somático. Um factor importante é a idade de início e a duração da doença até à procura de tratamento, dado que evoluções de longa duração dificilmente recuperam na totalidade.
A estrutura familiar e o empenhamento da família no processo, são também factores importantes a avaliar na planificação do tratamento mais adequado.
O tratamento da Anorexia Nervosa implica sempre uma abordagem multidisciplinar, conduzida por um médico psiquiatra e com a colaboração da família em todo o processo. O tratamento médico é dirigido à recuperação física e nutricional, mas acompanhado ao mesmo tempo de estabilização emocional, redução da resistência à mudança e reequilíbrio psicológico, dado que a vida mental e emocional estão focalizadas no medo e na desconfiança. A intervenção psicológica deve ser articulada com o plano proposto pelo médico e acordado com a família.
Para a Bulimia Nervosa e Perturbação da Ingestão Compulsiva o tratamento deve incluir a abordagem psicológica e a modificação dos comportamentos alimentares e relacionais. Nestas patologias, que normalmente têm um longo período de evolução antes da procura de tratamento, coexiste uma desregulação do humor e um elevado nível de ansiedade, que se foram agravando com a evolução do comportamento alimentar, necessitando de uma medicação para diminuir e controlar os níveis de stress.
Também nestas patologias e particularmente em idades jovens é muito importante introduzir a família no processo de tratamento, como um aliado da intervenção global.
O Internamento para Doenças do Comportamento Alimentar deve reservar-se às situações de marcada gravidade somática que não respondam ao tratamento ambulatório e deve ser tão curto quanto possível para que seja retomada a vida social e familiar sem longas interrupções.
Há alguns grupos de doentes que apresentam um risco acrescido e a ser considerado na decisão de qual o melhor tratamento para uma doença do comportamento alimentar, são os doentes com tentativas de suicídio ou comportamento para-suicidários decorrentes das variações de peso ou de ingestão alimentar caótica; doentes grávidas com risco de interferência da doença do comportamento alimentar na vinculação da mãe ao bebé; doentes com diabetes tipo 1 associada a Bulimia Nervosa, dado que as duas doenças interferem com o peso e ambas necessitam de cuidados alimentares que podem cumulativamente exacerbar a má relação com o corpo, a psicopatologia e a condição somática.
Em qualquer das situações, ambulatório ou internamento,o tratamento das Doenças do Comportamento Alimentar deve ser orientado numa perspectiva multidimensional, acionando uma matriz multidisciplinar que ponha em diálogo e colaboração as diversas disciplinas necessárias para fazer face à perturbação, nas suas vertentes bio psico social.
Se se revê em alguma destas situações ou se suspeita que o seu filho ou filha podem estar a viver situações desta natureza, não adie procura de esclarecimento e orientação junto do seu médico, não deixe evoluir qualquer situação que o preocupe.
Com pouco tempo de evolução tudo é mais fácil de ultrapassar.