Viver com uma doença rara: "É um grande desafio e uma missão para a vida"

O Dia Mundial das Doenças Raras assinala-se esta segunda-feira, dia 28 de fevereiro. E o Lifestyle ao Minuto falou com um portador de distrofia muscular de Duchenne e com a mãe de um jovem de 25 anos, diagnosticado com síndrome de Dravet.

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Ana Rita Rebelo
28/02/2022 08:23 ‧ 28/02/2022 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Doenças raras

Estão, atualmente, identificadas mais de sete mil doenças raras em todo o mundo, 80% das quais de origem genética. A nível mundial, mais de 320 milhões de pessoas são afetadas. Metade dos casos são diagnosticados em crianças e cerca de 30% acabam por morrer antes dos cinco anos. 

Em Portugal, estima-se que existam cerca de 600 mil a 800 mil pessoas portadoras de patologias raras, segundo dados do Serviço Nacional de Saúde.

José Brites entra para estas contas. Nasceu saudável e nada fazia antever o diagnóstico que o esperava. Mas, por volta dos cinco anos, os pais aperceberam-se de um pormenor: faltava-lhe o fôlego para subir escadas e andar de bicicleta como as outras crianças. "Não conseguia acompanhar", explica José. O cansaço acumulava-se tanto que virava exaustão. 

Notícias ao Minuto José Brites© DR

As idas ao médico eram inconclusivas até que, um ano depois, quando receberam os resultados da biópsia, os pais foram confrontados com uma realidade para a qual não estavam preparados. Era grave. O menino tinha distrofia muscular de Duchenne, uma doença rara e genética, incluída no grupo das patologias neuromusculares, em que os doentes afetados perdem progressivamente a força nos músculos.

Seguiram-se dias difíceis. O choque inicial foi muito forte. A mãe despediu-se e os projetos de vida alteraram-se. "A família acaba por ser quem mais sofre. O diagnóstico leva a uma procura incessante de respostas, científicas ou não", diz José. "Não me apercebi bem o que estava a passar, mas os meus pais nunca me esconderam nada." Com o passar dos anos, "fui aprendendo a viver com as limitações". 

 "Ter uma doença rara não significa ser 'coitadinho' e ter de ficar isolado"

A fisioterapia é seguida à risca para manter a mobilidade. Os tratamentos são assegurados pelo Serviço Nacional de Saúde, mas, neste momento, não há vaga para José. "A minha rotina requer a ajuda de outras pessoas, principalmente dos meus pais, para tarefas que parecem simples, como a transferência para a cadeira de rodas, a higiene, o vestir e o virar durante a noite. Na ausência dos meus pais, torna-se complicado encontrar pessoas com as competências e formação para dar o apoio necessário", conta.

Viver (bem) com uma condição rara em Portugal

José descarta rótulos. Empenhado em viver e com uma força de vontade a toda a prova, sublinha: "Ter uma doença rara não significa ser 'coitadinho' e ter de ficar isolado. É possível, em casos como o meu, ter uma vida minimamente 'normal'. Fazer um percurso escolar, lado a lado com as pessoas ditas 'normais', e ingressar no mercado de trabalho, desde que as empresas e instituições tenham abertura para tal. Tenho apenas uma limitação física".

Porém, à conta da pandemia, a sua vida também foi impactada. "Estou a maior parte do tempo em casa", sempre acompanhado por alguém, normalmente a minha mãe. Atualmente com 30 anos, trabalha como 'software developer' a partir de casa, das nove às 17 horas, e considera-se integrado na sociedade. "Em Portugal, cada vez mais é possível levar uma vida 'normal', mas penso que é necessário alertar para a existência destas doenças, para que a sociedade consiga aceitar e acolher melhor pessoas com qualquer tipo de limitações", e, por outro lado, "compete ao estado dar às pessoas com deficiência todos os apoios a que elas têm direito por lei". É que na sua opinião,  "por vezes, o que falta é informação".

Em Portugal, "há ainda muito a fazer pela integração das pessoas com deficiência"

Com a médica e atual presidente da associação Dravet Portugal, Sara Prates, o cenário não é muito diferente. Comparando com o que vai percebendo através dos contactos com famílias Dravet de outros países, "em Portugal temos uma boa assistência médica". Deixa, no entanto, alguns recados: "O acesso a terapêuticas inovadoras e a ensaios clínicos é muitas vezes difícil. O acesso a apoio escolar e a outras terapias também não é o ideal. Há ainda muito a fazer pela integração das pessoas com deficiência".

Notícias ao Minuto Sara Prates© DR

Sara, de 56 anos, é mãe de dois jovens. Um nasceu perfeitamente saudável, o outro, que hoje tem 25 anos, foi diagnosticado com síndrome de Dravet, uma doença progressiva e incapacitante, que se caracteriza por vários tipos de convulsões resistentes a fármacos. A gestação decorreu sem complicações. Mas, aos cinco meses e meio, a doença evoluiu e as convulsões tornaram-se uma constante na vida de Tomás. O primeiro 'susto' deixou-o preso a uma cama nos Cuidados Intensivos. A partir daí, as idas à urgência foram sendo cada vez mais frequentes.

Por volta dos 15 meses, deu-se o segundo internamento e os sintomas fizeram a médica que o acompanhava no Hospital Dona Estefânia, em Lisboa, suspeitar de que poderia ser algo grave. Os pais também. "Sabíamos que era uma epilepsia difícil de controlar, mas não tínhamos diagnóstico."

Os anos passaram e a suspeita permaneceu. "Havia a hipótese de ser síndrome de Dravet, mas a neurologista tinha dúvidas. Foram tentados muitos esquemas de tratamento com diversos medicamentos diferentes", lembra a mãe. Na fase pré-escolar, começaram a notar-se os primeiros problemas no desenvolvimento psicomotor, que se tornaram mais evidentes durante a escola primária. 

Aos nove anos, o teste genético - hoje em dia, disponível no primeiro ou segundo ano de vida - trouxe o diagnóstico que nenhuma família quer receber: o de doença rara. O resto, já Sara sabia mais ou menos como é que iria ser. Ou achava que sabia. "Quando tivemos a confirmação já vivíamos com esta realidade há tantos anos que, na verdade, não sentimos grande impacto imediato."

As perspetivas de vida foram-se alterando progressivamente. "A partir das primeiras manifestações de doença, fomos fazendo uma aprendizagem, desenvolvendo as nossas rotinas e cuidados diários e foi havendo uma reformulação progressiva das expectativas para o futuro. Há fases mais complicadas, com muitas crises, e outras mais tranquilas, mas, lá no fundo, estamos sempre com o receio de uma crise convulsiva, porque acontece a qualquer momento, sem aviso", confessa. 

Passamos por momentos difíceis mas também aprendemos a valorizar as pequenas vitórias e momentos felizes

"Uma grande vantagem de termos tido, finalmente, o diagnóstico confirmado, foi o recurso a um esquema de tratamento mais recomendado para esta doença e com um claro benefício em termos de melhoria das crises." Além disso, "não me canso de referir, o facto de ter um diagnóstico fez com que passássemos a pertencer a uma comunidade de pessoas com a mesma vivência e as mesmas lutas", diz. Este encontro com outras famílias Dravet - a 'grande família Dravet', como se autointitulam - foi uma enorme mudança para todos. "Até então, por maior que fosse o apoio da família, não conhecíamos ninguém que tivesse que lidar com os problemas, medos e dificuldades que iam enfrentando."

"Ter um filho com doença rara é um grande desafio e uma missão para a vida. Passamos por momentos difíceis mas também aprendemos a valorizar as pequenas vitórias e momentos felizes, se calhar com mais intensidade do que as pessoas que não vivem com esta realidade", considera.

Sara escolheu não assumir o papel de cuidadora a tempo inteiro. "O meu dia a dia não será muito diferente do da maioria das mulheres em Portugal", repartido entre os cuidados à família e as exigências colocadas pela profissão. "A diferença é que tenho um filho que, embora já tenha 25 anos, não é independente e continua a precisar de muita atenção, apoio e acompanhamento em muitos aspetos do seu dia a dia", partilha. 

Hoje em dia, o jovem frequenta a Fundação AFID Diferença, onde desenvolve várias atividades e tem oportunidade de criar relações de amizade com outros jovens com necessidades especiais. "Ter uma doença rara não tem que significar estar só ou isolado."

Leia Também: Não vai adivinhar quantas doenças raras foram 'descobertas' em Portugal

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