A enxaqueca merece destaque por ser uma patologia que afeta cerca de 12 a 15% da população mundial. Merece destaque por ser a segunda causa de anos vividos com incapacidade em todo o mundo (incapacidade funcional para as atividades do dia-a-dia, para as atividades em família, para as atividades profissionais). Merece destaque porque, apesar de afetar sobretudo a faixa etária entre 30 e 49 anos, afeta também crianças e pessoas com mais idade; afeta mulheres (uma em cada 5) e homens (um em cada 16); afeta-nos a todos ou por sofrermos ou por conhecermos quem dela padece.
1- Como se manifesta uma enxaqueca?
Comecemos por aprofundar o conceito de enxaqueca: a enxaqueca é uma dor de cabeça (cefaleia) primária. Tal significa que é uma cefaleia que não é causada por outra doença. Tipicamente, é uma dor de um lado da cabeça, pulsátil/latejante, moderada a intensa, associada a enjoos e a intolerância à luz, barulhos e, por vezes, odores. Dura até 72 horas, se não tratada ou se for ineficazmente tratada. Por vezes, é precedida ou acompanhada por sintomas neurológicos (aura), mais comummente alterações visuais. Antes da dor de cabeça, durante e após a sua resolução, muitos doentes relatam horas a dias de fadiga, apetência para alimentos específicos, lentificação do pensamento, desconforto no pescoço, entre outros sintomas.
Andreia Costa© DR
2- Precisamos de muitos exames para fazer o diagnóstico da enxaqueca?
Não, o diagnóstico da enxaqueca é clínico. Tal significa, que deve ser realizado por um médico com competência na área, após colheita de uma história clínica e realização de um exame geral e neurológico. Os exames complementares de diagnóstico poderão ser necessários em alguns doentes, essencialmente, para exclusão de outras doenças.
3- A enxaqueca vai passar?
Na maior parte dos casos, não vai passar completamente. Apesar de ser uma doença persistente ao longo da vida, para a qual não existe cura, existem tratamentos eficazes que podem minimizar as queixas e melhorar, de um modo muito significativo, a qualidade de vida. No início da dor de cabeça, o doente pode recorrer a um medicamento para alívio agudo da cefaleia que permitirá encurtar a duração dos sintomas. Exemplos destas terapêuticas são o paracetamol, os anti-inflamatórios não esteróides (ibuprofeno, naproxeno, diclofenac...), os triptanos (zolmitriptano, eletriptano, naratriptano...) e os gepants (ainda não disponíveis em Portugal). Com tratamento eficaz é possível que a panóplia de sintomas da enxaqueca seja encurtada para uma a duas horas.
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4- Mas é possível reduzir os dias com enxaqueca?
Quando a enxaqueca é frequente e/ou muito incapacitante (por exemplo, levando o doente ao serviço de urgência), podem usar-se medicamentos preventivos de diferentes tipos. Na enxaqueca crónica, quando a cefaleia ocorre em pelo menos metade do mês, a toxina botulínica é também uma ferramenta terapêutica muito útil e eficaz. Estas terapêuticas permitirão reduzir o número de dias que o doente padece de enxaqueca e, eventualmente a intensidade dos sintomas.
Por se tratar de uma doença tão prevalente e incapacitante, a comunidade científica tem realizado muitos esforços no sentido de desenvolver fármacos mais eficazes e com menos efeitos laterais. Assim, no ano 2021 foram aprovados em Portugal, novos fármacos preventivos cujo alvo (CGRP) é um neurotransmissor que se encontra elevado na enxaqueca – anticorpos anti-CGRP ou anti-recetor do CGRP. Este promissor grupo de fármacos, mais seletivo, acarreta menos efeitos laterais e provavelmente maior benefício no controlo da enxaqueca, diminuindo o número de dias com cefaleia, mas também, nalguns casos, diminuindo a intensidade da dor e o seu impacto na qualidade de vida dos doentes.
O tratamento da enxaqueca não se esgota nestes fármacos sendo importante, caso a caso, complementar com outras terapêuticas (incluindo exercício físico, mas também modalidades de relaxamento...) e corrigir fatores exacerbantes como por exemplo alterações do sono, do humor, entre outras.
Percebemos agora que a enxaqueca é muito mais que uma simples dor de cabeça! Muitas vezes são vários dias por mês de incapacidade para 'ser e estar', com afeção global marcada da vida do doente. Infelizmente, o doente com enxaqueca é frequentemente incompreendido e discriminado - quantos não terão ouvido 'outra vez com dor de cabeça?', 'já tomaste alguma coisa?', 'vais faltar outra vez?'.
O acompanhamento destes doentes por profissionais especializados e diferenciados na área é fundamental. Nesse sentido, para este dia e para os próximos, deixo um apelo: valorize a sua enxaqueca! Valorize a enxaqueca dos outros! Procure ajuda médica especializada.
*Artigo assinado por Andreia Costa, neurologista no Hospital CUF Porto
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