Deficiências visuais não param de aumentar. Eis os erros que cometemos
A médica oftalmologista Ana Magriço, secretária-geral da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, explica quais as doenças oculares que estão a ameaçar a visão dos portugueses e partilha algumas recomendações.
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Lifestyle Entrevista
Dados do Relatório Mundial sobre a Visão, publicado em 2019, demonstram que globalmente, pelo menos, 2,2 mil milhões de pessoas têm uma deficiência visual. Contudo, um milhar de milhões de casos poderiam ter sido evitados ou estão ainda por tratar.
Em Portugal, os números são alarmantes. Existem cerca de 35 mil pessoas com cegueira e quase 590 mil com perda de visão parcial. "Estima-se que a necessidade global de atendimento oftalmológico aumente drasticamente nas próximas décadas, devido ao crescimento populacional, envelhecimento e mudanças no estilo de vida", vaticina a médica oftalmologista Ana Magriço, secretária-geral da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto. E, admite, esse é um "desafio considerável" para os sistemas de saúde, sobretudo porque somos "o segundo país no mundo com população mais envelhecida".
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Em todo o mundo, existem, pelo menos, 2,2 mil milhões de pessoas com deficiência visual. Que fatia desse número cabe a Portugal?
Em Portugal, estima-se que existem cerca de 35 mil cegos e quase 590 mil pessoas com perda de visão parcial (baixa visão).
Os portugueses preocupam-se com a saúde da visão, mas muitos não cumprem as avaliações recomendadas pelo médico oftalmologista
Corremos o risco deste número aumentar?
Sim. Estima-se que a necessidade global de atendimento oftalmológico aumente drasticamente nas próximas décadas, devido ao crescimento populacional, envelhecimento e mudanças no estilo de vida, o que representa um desafio considerável para os sistemas de saúde. Apesar de terem sido feitos esforços nos últimos 30 anos, persistem ainda desafios significativos nesta área. Portugal não é exceção, uma vez que é o segundo país no mundo com população mais envelhecida.
A saúde visual é uma prioridade no país?
A visão é um sentido precioso e desempenha uma papel crucial em todas as fases das nossas vidas. Todos temos consciência de como ver é fundamental, pois permite-nos interagir com o mundo que nos rodeia de uma forma muito diferente do que quando ver não é possível. Os portugueses preocupam-se com a saúde da visão, mas muitos não cumprem as avaliações recomendadas pelo médico oftalmologista para uma boa saúde ocular. Em causa pode estar o facto de se sentirem bem e também porque quando não se sentem, o acesso aos cuidados de saúde poder ser difícil.
Ou seja, a saúde visual, que deveria ser uma prioridade, acaba por ficar para segundo plano...
Sim. Muitas pessoas limitam-se a comprar óculos, perdendo a oportunidade do diagnóstico atempado de muitas doenças oculares. É importante alertar a população para o facto de que ter uns bons óculos graduados e até uma boa visão nem sempre significa ter uma boa saúde ocular. A deficiência visual pode ter consequências graves para as pessoas ao longo da vida. Muitas dessas consequências podem ser mitigadas pela avaliação atempada da saúde ocular e pela iniciação do tratamento adequado.
É fundamental rastrear todos os doentes com diagnóstico de diabetes e acompanhar os doentes com retinopatia de forma a evitar perdas irreversíveis de visão
Quais os principais problemas oculares no país?
Existem vários. Nas crianças destacamos a ambliopia, vulgarmente conhecida como 'olho preguiçoso'. Esta doença pode surgir se a necessidade do uso de óculos não for diagnosticada atempadamente. A partir dos 40 anos, as patologias mais comuns são o glaucoma e a retinopatia diabética, duas das principais causas de cegueira evitável quando diagnosticadas e tratadas precocemente. Quando falamos em doenças evitáveis, referimo-nos àquelas em que é possível prevenir a progressão, evitando que cheguem a um estado avançado e, muitas vezes, irreversível.
Em que consistem e quais os sintomas?
A retinopatia diabética é uma manifestação ocular da diabetes, que muitas vezes não dá sintomas até uma fase muito avançada da doença. Nesse sentido, é fundamental rastrear todos os doentes com diagnóstico de diabetes e acompanhar os doentes com retinopatia de forma a evitar perdas irreversíveis de visão. Já o glaucoma, provoca a morte acelerada das células do nervo ótico e também não apresenta sintomas detetáveis até uma fase muito avançada da doença, sendo diagnosticado apenas em consulta com um médico oftalmologista que avalia as alterações suspeitas do nervo ótico, do olho e a pressão intraocular.
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A partir dos 60 anos, é fundamental estar atento aos sinais e sintomas da degenerescência macular da idade, que causa uma alteração da visão central, que fica desfocada e distorcida. O tratamento atempado pode envolver injeções dentro do olho e é fundamental para otimizar o resultado visual. A catarata é a opacidade de uma lente que nasce connosco e é transparente - o cristalino -, o que provoca uma diminuição da visão inicialmente para longe. Trata-se através de uma cirurgia em que se substitui o cristalino opaco por uma lente transparente. Duas doenças oculares relacionadas com o envelhecimento e que também podem levar à cegueira num estadio avançado.
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Quais os tratamentos mais frequentes?
Atualmente, estão disponíveis intervenções eficazes para reduzir o risco de desenvolver uma doença ocular ou deficiência visual, bem como mitigar o seu impacto. O leque de doenças oculares é diverso e cada uma requer uma intervenção individualizada, que só é possível se for diagnosticada atempadamente. O tratamento visa prevenir ou abrandar a progressão das doenças oculares em direção à deficiência visual. Em casos de catarata ou de erro refrativo, que são duas das principais causas de deficiência visual, o tratamento pode ser a chave para corrigir a deficiência e restaurá-la. Já noutras doenças oculares, o tratamento pode ser mais desafiador, com o acompanhamento a longo prazo a apresentar-se como fundamental para retardar a progressão da doença. Aqui falamos, por exemplo, da prevenção de deficiência visual por retinopatia diabética, glaucoma ou degenerescência macular relacionada com a idade, que requerem um diagnóstico precoce, muito antes do doente apresentar sintomas. Isto envolve a realização de avaliações de rotina com o médico oftalmologista para detetar a doença no seu estadio inicial e programar o/os tratamentos indicados para reduzir a probabilidade de progressão e, se conseguir, manter uma boa visão.
Quais os mais comuns para doentes com retinopatia diabética e glaucoma, por exemplo?
Na retinopatia diabética o tratamento pode passar por laser, injeções dentro do olho ou cirurgia. No caso de doentes com glaucoma, é necessária uma gestão contínua para reduzir o risco de progressão adicional através de várias intervenções possíveis, como um regime terapêutico de colírios, terapia a laser, cirurgia ou uma combinação de todas estas. Hoje em dia, também estão disponíveis intervenções terapêuticas eficazes para algumas formas da degenerescência macular da idade, nomeadamente injeções intraoculares administradas de forma contínua ou intermitente.
Os problemas de visão mais comuns são as doenças refrativas, como a miopia, a hipermetropia, o astigmatismo e a catarata
Quais os sinais de alerta que indicam que precisamos mesmo de procurar ajuda?
É importante alertar a população para a importância de não desvalorizar os sinais e sintomas de falta de visão, bem como consultar um médico oftalmologista periodicamente, mesmo sem apresentar qualquer sinal ou sintoma. Nos casos de alterações da visão, a consulta com o seu médico oftalmologista é fundamental para serem realizados os diagnósticos e tratamentos adequados para cuidar da sua visão e da sua saúde ocular. Alguns dos sinais a que devemos estar atentos são ter uma visão desfocada, quer ao longe quer ao perto, uma perda mais ou menos súbita de visão, visão dupla (diploplia), ou seja, quando as pessoas olham para um objeto e observam dois, uma sensação de intolerância à luz (fotofobia), ver manchas ou pontos no seu campo de visão, sensação de olhos irritados, dores de cabeça frequentes, alteração frequente da graduação dos óculos (a graduação costuma ser estável num período de dois ou três anos, quando tal não acontece é importante ser avaliado por um médico oftalmologista), aparecimento súbito ou progressivo dos olhos tortos e dor ocular.
O que é um problema refrativo?
Os problemas de visão mais comuns são as doenças refrativas, como a miopia, a hipermetropia, o astigmatismo e a catarata. O denominador comum neste conjunto de alterações da acuidade visual é uma focagem inadequada das imagens na retina. Geralmente, são problemas corrigidos com o uso de óculos ou lentes de contacto e, em casos mais raros, pode ser indicada a cirurgia. Ainda assim, determinados efeitos refrativos podem ser causados por outras doenças, o que não deve dispensar uma avaliação por parte de um médico oftalmologista. Em Portugal, as doenças refrativas afetam metade da população adulta e 20% das crianças. É importante ir às consultas de oftalmologia, pelo menos, uma vez por ano, para prevenir o agravamento de qualquer uma destas doenças.
O que são olhos secos?
A sensação de olhos secos ocorre quando não há lubrificação adequada do olho, o que causa desconforto e, por vezes, diminuição da visão. As temperaturas mais baixas e uma redução da humidade do ar são fatores que favorecem a ocorrência deste problema. Porém, a sensação de olhos secos também pode ser causada por outros fatores, tais como o ar condicionado.
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Como aliviar essa sensação?
Existem alguns cuidados que podem ajudar na prevenção e no alívio dos sintomas de olhos secos, tais como:
1- Piscar os olhos, pelo menos, a cada sete segundos: se passa muito tempo em frente ao computador ou outros dispositivos (tablet, telemóvel e televisão), muitas vezes, está tão concentrado que acaba por passar muito tempo sem piscar os olhos, o que impede a normal distribuição da lágrima essencial também para uma boa focagem. Sempre que possível, deve fazer uma pausa e desviar os olhos do ecrã. Recomenda-se uma pausa de 20 segundos a cada 20 minutos;
2- Usar lágrimas artificiais: o seu uso completa a hidratação ocular podendo ajudar a prevenir inflamações e infeções;
3- Evitar iluminação em excesso: é importante reduzir o brilho dos ecrãs do telemóvel, tablet ou computador, principalmente quando vamos utilizá-los por um longo período de tempo. Também é recomendado equilibrar o ambiente que tenha muita luz natural com cortinas ou persianas;
4- Beber água: hidratar o nosso corpo alivia os olhos secos e previne outras doenças que podem ser causadas pela desidratação do organismo;
5- Humidificar o ambiente: reduzir o uso do ar condicionado vai ajudar a aumentar a humidade do ambiente e a reduzir a sensação de olhos secos;
6- Fazer a higiene correta, caso utilize lentes de contacto: as pessoas que usam lentes de contacto devem fazer a lubrificação dos olhos de acordo com os colírios indicados pelo seu médico oftalmologista. Além disso, é importante respeitar o limite de tempo de uso da lente. É recomendado não ultrapassar as oito horas de uso diário.
Além de consultas regulares com o médico oftalmologista, que cuidados diários devemos ter?
Há vários hábitos que devemos todos ter para manter uma boa saúde visual e prevenir o agravamento ou desenvolvimento de doenças, tais como:
1- Dormir no mínimo oito horas por dia: o sono e o cansaço influenciam quer o nosso corpo, quer os nossos olhos. Dormir menos horas do que as necessárias pode causar olho vermelho, seco, prurido e diminuição da visão;
2- Evitar o consumo de bebidas alcoólicas: as bebidas alcoólicas produzem resíduos tóxicos que favorecem o envelhecimento precoce das células oculares. Além disso, o álcool causa desidratação, afetando também os olhos;
3- Ter uma alimentação rica em vegetais e frutas: a ingestão de vegetais verdes escuros é indicada, uma vez que estes fornecem vitaminas benéficas para a retina;
4- Proteger os olhos da radiação UV: é importante utilizar óculos com 100% de proteção UV para prevenir o envelhecimento precoce das células da retina e diminuir o risco de desenvolvimento de doenças degenerativas da retina, catarata, ou mesmo tumores palpebrais e oculares;
5- Usar colírios lubrificantes, comummente designados por 'lágrimas artificiais': a hidratação dos nossos olhos é fundamental para evitar irritação, ardor e hiperémia ocular;
6- Se precisar de óculos graduados, deve usá-los como indicado pelo médico oftalmologista: as pessoas devem usar corretamente os óculos graduados para melhorar a qualidade da visão e para prevenir sintomas que podem afetar a sua qualidade de vida, como dores de cabeça e cansaço ocular;
7- Ir regularmente às consultas de oftalmologia: o médico oftalmologista irá avaliar a qualidade da visão e a saúde ocular, além de atualizar os óculos, quando necessário.
Que comportamentos podem afetar a saúde visual?
Há hábitos que prejudicam a visão e devem ser modificados para garantir uma boa saúde ocular, tais como:
1- Ficar muitas horas à frente de um ecrã: é importante posicionar-se numa distância de conforto, ficando a 50 cm do ecrã. O ecrã deve estar ao nível dos seus olhos ou a 15-20 graus abaixo. É recomendado fazer uma pausa de 20 segundos a cada 20 minutos;
2- Não piscar os olhos com frequência: em média, piscamos 15 a 20 vezes por minuto. Porém, este valor reduz para seis a oito vezes, quando olhamos para um dispositivo eletrónico. Nestes casos, recomenda-se o uso de lubrificante ocular;
3- Ler em ambientes desadequados: quando se lê em movimento, às escuras ou com pouca luz, o sistema de foco dos nossos olhos vai fazer um esforço maior, o que acaba por gerar maior cansaço;
4- Esfregar os olhos: as veias em redor dos olhos podem romper quando os esfregamos, podendo provocar hemorragias, erosões da superfície do globo ocular e o risco de conjuntivite infecciosa;
5- Não consultar um médico oftalmologista periodicamente: a melhor forma de evitar problemas oculares é consultar um médico oftalmologista, pelo menos, uma vez por ano;
6- Não usar óculos de sol: a exposição intensiva aos raios UV pode aumentar o risco de doenças como a degeneração macular, cataratas, entre outras;
7- Alimentação hipercalórica e pouco variada: é importante seguir uma dieta rica em vitaminas e antioxidantes, sobretudo quando há antecedentes de doença degenerativa da mácula. No caso de doentes diabéticos, uma má alimentação aumenta o risco de progressão para retinopatia diabética.
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