Mundial'2022. Lesões no ombro dos guarda redes? Como prevenir

Quem responde é Carlos Maia Dias, ortopedista na unidade de Medicina Desportiva e Performance CUF e coordenador da unidade do Ombro e Cotovelo dos hospitais CUF Tejo e CUF Santarém.

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Notícias ao Minuto
15/12/2022 19:41 ‧ 15/12/2022 por Notícias ao Minuto

Lifestyle

Artigo de opinião

No futebol não haverá maior frustração para um jogador do que uma lesão. Sendo o futebol um desporto essencialmente jogado com os membros inferiores, onde o contacto, rotações, acelerações e desacelerações fazem parte do jogo, este risco é evidente, inclusivamente para os guarda-redes.  

Na preparação para competições, como por exemplo o Mundial de Futebol, acresce a preocupação dos  jogadores, treinadores e staff médico, para que a prática desportiva seja feita em máxima segurança. Afinal, ninguém quer um jogador virtuoso, que decide jogos, em risco de jogar em pleno no Mundial ou no seu clube. Em resposta a esta preocupação muito tem sido feito, evidenciando-se uma clara aposta em estratégias de prevenção de lesões, adoptadas por atletas de alta competição e pelos seus clubes e que podem e devem ajustar-se a qualquer futebolista.

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Anatomia funcional  

Sendo a 'articulação' mais móvel do corpo humano, o complexo articular do ombro é composto,  na realidade, por cinco articulações distintas. A sua estabilidade está dependente não só dos  ligamentos como especialmente dos músculos e tendões presentes, que para manter a  estabilidade articular agem de forma sinérgica e sincronizada quando o cérebro dá ordem de  ação. De todos os músculos presentes no complexo articular do ombro é à coifa dos rotadores  (conjunto de 4 músculos da articulação entre o braço e a omoplata) que cabe a mais importante  tarefa de manter a cabeça umeral centrada na omoplata durante o movimento do ombro, bem  como de aumentar a força de aceleração (lançar a bola) e controlar a força de desaceleração do  ombro (embate do remate ou controlo de queda), tudo de forma muito rápida e em diferentes  planos!

O que nos diz a estatística?  

Num trabalho recente de 2018 em que os registos de mais de 100 serviços de urgência foram  incluídos, foram avaliados mais de 1,2 milhões de lesões secundárias à prática de futebol, 20,4%  ocorridas no membro superior. Entre 2-13 % aconteceram no ombro e, preocupantemente, cerca de 1/3 foram consideradas graves, obrigando a uma paragem superior a 28 dias. Estas lesões aparentam ser mais frequentes em jogadores não profissionais, o que  revela a importância de programas de prevenção de lesões especialmente em desportistas amadores.

A maior gravidade destas lesões prender-se-á, provavelmente com o mecanismo lesional,  maioritariamente decorrente de quedas da própria altura ou da altura de salto, muitas vezes de  forma descontrolada e desamparada, mais prováveis atletas com lesões prévias no ombro. Se para os jogadores de campo, esse risco existe (e o minuto 72 deste jogo é um exemplo) para os guarda-redes, jogadores de reflexo felinos que tanto voam como um super-homem para a fotografia,  como se lançam na lama para uma defesa  impossível, os ombros são uma região anatómica especialmente massacrada, sendo as lesões desta região anatómica mais prováveis nestes atletas do que nos seus companheiros.

Na realidade, para além dos traumatismos decorrentes das quedas, aos guarda-redes é-lhes pedido que defendam bolas de 450 gramas disparadas a mais 100 km/h (alguns livres,  como o de Ronny do Sporting Clube de Portugal em 2006, ultrapassaram os 200 Km/h) , o que implica que o ombro sofra uma força de  mais de 1000 Kgf (kilogramas-força) no momento do embate da bola na mão.

Acresce que a  estes salvadores de jogos e campeonatos (alguém se esquece das defesas de Rui Patrício no  Euro 2016 aos remates de Griezmann ou de Giroud?), é-lhes ainda exigido que lancem as  mesmas bolas que defendem, da forma mais certeira possível para longe, de modo a  desencadear contra-ataques rápidos que resultem em golo. Estes gestos exactos, súbitos e repetitivos,  podem originar lesões de sobreuso, embora menos frequentes que as lesões traumáticas.

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Quais as lesões mais comuns  

Num trabalho recente foi demonstrado que 64% das lesões ocorre no decorrer de jogos de  competição, provavelmente devido à intensidade e agressividade do próprio jogo em si.

A zona de inserção ligamentar (labrum), a coifa dos rotadores e os ligamentos entre a clavícula e  a omoplata (acrómio-claviculares e coraco claviculares), são as estruturas mais afetadas, frequentemente no contexto  de luxações (articulação deslocada).  

Infelizmente, devido à elevada energia envolvida, numa percentagem não desprezível dos casos,  as lesões carecem de cirurgia, nem sempre urgente ou durante a época desportiva, mas que pela  persistência de queixas de dor ou limitação funcional, comprometem a performance desportiva  e por isso, carecem de tratamento adicional para além do repouso e reabilitação. No que toca às fracturas, a maioria delas são na clavícula, podendo ser tratadas cirúrgica ou conservadoramente, dependendo da gravidade e timing da época desportiva.

Como prevenir lesões  

Considerando que a maioria das lesões é ligamentar e muscular, grande parte da prevenção deve  ser feita no treino, não só com o ensino da queda, criando mecanismos cerebrais automatizados  para que o guarda-redes consiga cair e enrolar sobre o ombro sem bater directamente com as  zonas mais frágeis no chão, como também promovendo um adequado e constante  fortalecimento da coifa dos rotadores e dos estabilizadores da omoplata.

Este treino não deve ser apenas focalizado, mas integrado no movimento do membro superior e  do core, sendo ainda importante o treino do gesto desportivo, de modo a promover um adequado controlo motor do ombro durante os movimentos requeridos no jogo. Com vista à redução das lesões no ombro em atletas de alta competição de futebol, e especialmente para os guarda-redes, recentemente, surgiu um programa composto por um conjunto de exercícios, denominado FIFA 11+S que pode ser consultado aqui.

Com programas similares dedicados ao membro inferior, o número de lesões diminuiu  significativamente, pelo que, acreditamos, que nos próximos tempos vamos ver o mesmo acontecer no que toca às lesões dos ombros dos guarda-redes.

*Texto assinado por Carlos Maia Dias, ortopedista na unidade de Medicina Desportiva e Performance CUF e coordenador da unidade do Ombro e Cotovelo dos hospitais CUF Tejo e CUF Santarém

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