Diabetes é mais perigosa do que julga. Sabe o que é nefropatia diabética?

Em entrevista ao Lifestyle ao minuto, João Raposo, diretor clínico da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal, fala sobre o impacto que a doença renal diabética tem na população portuguesa.

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Ana Rita Rebelo
19/04/2023 09:10 ‧ 19/04/2023 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle

Entrevista

A doença renal crónica e a diabetes poderão causar em Portugal uma perda superior a 410 mil anos de vida saudável por incapacidade e um custo total, ao longo da vida, de aproximadamente 17 mil milhões de euros. Estas são as principais conclusões do estudo 'Evolução natural da doença renal crónica em pessoas com diabetes: custos e consequências na realidade portuguesa', recentemente apresentado pela IQVIA com o apoio da Bayer.

Face a estes dados, João Raposo, diretor clínico da Associação Protectora dos Diabéticos de Portugal (APDP), considerou, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, que é necessário criar políticas públicas de saúde que sejam capazes de responder às necessidades da população portuguesa. "Num país que quer cada vez mais colocar os cidadãos no centro da gestão da sua saúde, é importante que todas as pessoas com diabetes conheçam e exijam os exames que são necessários para avaliar as complicações da diabetes e tenham a capacidade de discutir os resultados com a sua equipa de saúde", afirma.

Geralmente, a doença renal diabética é um diagnóstico que surge em pessoas com diabetes de longa duração, ou seja, que já vivem com diabetes há mais de 10 anos

O que foi possível apurar através deste estudo?

Até agora, o impacto económico da doença renal diabética em Portugal era desconhecido e, como tal, a realização do estudo veio colmatar esta lacuna. Este estudo permitiu concluir que, ao longo da sua vida, as pessoas com doença renal diabética perderão mais de 410 mil anos de vida saudável por incapacidade e consumirão mais de 17 mil milhões de euros em recursos de saúde. Em comparação com as pessoas no estadio inicial, quem tem doença renal diabética no estadio de alto risco apresenta uma redução de 34% da esperança média de vida, uma duplicação dos anos vividos com incapacidade e um aumento dos custos totais em cerca de 81%.

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Conseguiu-se também descobrir que, entre 2015 e 2019, a probabilidade anual de morte de doentes em diálise alcançou uma média de 12,7%. As evidências demonstram que é necessário definir novas estratégias no acompanhamento das pessoas com diabetes e continuar a gerar mais evidência clínica para que, futuramente, seja possível a implementação de políticas públicas de saúde capazes de responder às necessidades da população.

Qual o real impacto da doença renal diabética na população portuguesa?

O impacto é realmente significativo, quer em termos de qualidade de vida, como económicos. Os doentes acabam por perder muitos dias de trabalho para poderem fazer o tratamento e acederem aos cuidados de saúde e tudo isto acompanhado por uma perda significativa da qualidade de vida. Além disso, os tratamentos necessários para o controlo da diabetes e da progressão da doença renal acarretam custos significativos.

Falamos de quanto?

O estudo demonstra que os custos da nefropatia diabética rondam os 17 mil milhões de euros.

O que é a nefropatia diabética? Isto é, o que é que acontece exatamente no corpo de doentes com rim diabético e como é que a diabetes causa lesão renal? 

Geralmente, a doença renal diabética é um diagnóstico que surge em pessoas com diabetes de longa duração, ou seja, que já vivem com diabetes há mais de 10 anos. Mais de um terço das pessoas que começam a fazer diálise regularmente têm em comum a nefropatia diabética, que é uma complicação grave da diabetes e a principal causa de doença renal crónica. Ao longo do tempo, a glicemia (o açúcar no sangue) elevada acaba por afetar diversos órgãos no organismo das pessoas diabéticas. Existem várias complicações da diabetes, sendo que mais comuns são os danos causados nos rins, que requerem uma atenção redobrada. Com o tempo, o que acontece é que os rins vão perdendo a capacidade de filtrar adequadamente o sangue, deixando de cumprir a sua função. À medida que a doença vai evoluindo devido à falta de controlo da glicemia, da pressão arterial e dos níveis de colesterol, a nefropatia diabética progride para um quadro de insuficiência renal crónica. Quando já estamos perante um diagnóstico de insuficiência renal, o rim deixa de cumprir a sua função de purificação, o que implica recorrer a uma substituição, quer seja através de hemodiálise, diálise peritoneal ou de transplante renal.

A grande maioria (cerca de 80%) dos doentes com doença renal crónica tem diabetes tipo 2, que é o mais comum

Quais os sinais e sintomas precoces? 

Nos estadios iniciais da doença renal, não existem sintomas conhecidos e, por isso, é fundamental que as pessoas com diabetes realizem exames regulares ao sangue e à urina para deteção de possíveis danos nos rins. Para controlar e minimizar a evolução da doença é essencial um diagnóstico e tratamento atempados.

São conhecidos sintomas tardios?

Numa fase mais avançada, quando os rins deixam de ser funcionais, o doente pode começar a sentir-se mais inchado, sobretudo nas pernas e nos pés. Outros sintomas que podem surgir são pressão arterial elevada, fraqueza constante, náuseas e vómitos frequentes, perda de apetite, alteração das capacidades mentais, sonolência excessiva e urinar muitas vezes durante a noite.

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Qual a percentagem de pessoas em hemodiálise que são diabéticas? 

As pessoas com diabetes representam 35% dos novos casos de hemodiálise e 16% da diálise peritoneal.

E atinge mais doentes com diabetes tipo 1 ou 2?

Apesar de os dois tipos de diabetes poderem resultar em nefropatia diabética, a grande maioria (cerca de 80%) dos doentes com doença renal crónica tem diabetes tipo 2, que é o mais comum.

Além da diabetes, quais os restantes fatores de risco?

São a hipertensão arterial não controlada, a obesidade, o sedentarismo, o tabagismo, o consumo de medicamentos tóxicos para os rins (como é o caso dos anti-inflamatórios não esteroides) e a predisposição familiar para doença renais e doenças genéticas hereditárias.

Como é feito o diagnóstico?

Em fases iniciais da doença pode ser feito com recurso a exames ao sangue e à urina, que detetam alterações na função de filtração do sangue e a presença de albumina na urina. Se os rins estiverem a funcionar normalmente, a urina não contém esta proteína. Contudo, pode aparecer mais tarde, à medida que o rim vai perdendo a sua capacidade de retenção. Nestes casos, quanto maior é a albumina detetada, mais avançada está a nefropatia diabética. É fundamental que as pessoas com diabetes realizem testes laboratoriais ao sangue e urina pelo menos anualmente para detetar atempadamente a existência de alterações e, consequentemente, ter um diagnóstico precoce.

Os anti-inflamatórios são contraindicados em doentes com insuficiência renal. O uso destes medicamentos deverá ser sempre discutido com o médico

Em pessoas com diabetes, a nefropatia renal pode ser classificada em cinco etapas ou estadios, de acordo com a sua progressão e gravidade. Quais são e em que consistem?

Através da medição da creatinina no sangue (uma análise laboratorial) e utilizando uma fórmula matemática é possível fazer uma estimativa da capacidade de filtração dos rins (filtrado glomerular estimado). Este é um valor que pode ir de mais de 90 mililitros (ml) por minuto (valor normal) a menos de 15 ml/minuto (valor de função muito deficitária). As cinco categorias mencionadas correspondem a categorias destes valores - desde o estádio 1 (alterações mínimas) até ao estádio 5 (o mais sério). Estes valores devem ainda ser conjugados com a informação que temos do resultado da análise da urina relativamente à presença, ou não, de albumina e em que quantidade.

Qual é a melhor forma de prevenir e reduzir o agravamento da doença?

O mais importante é assegurar o controlo metabólico da diabetes e o controlo da pressão arterial. Os doentes devem ainda evitar medicamentos tóxicos para o rim, como é o caso dos anti-inflamatórios não esteróides. 

E ao nível da alimentação, o que pode ser feito?

A alimentação tem um papel importante no controlo da diabetes e da doença renal a ela associada. É por isso que a presença de um profissional da área da nutrição na equipa multidisciplinar é frequente. Os conselhos relativos à alimentação poderão passar desde uma intervenção nutricional que promova a perda de peso, muitas vezes necessária na diabetes tipo 2, a uma dieta equilibrada (de tipo mediterrânica) ou a padrões alimentares que sejam mais restritivos relativamente ao teor de sódio, potássio e fósforo. Mas o estado nutricional da pessoa, os valores laboratoriais e o tratamento necessário para a doença renal condicionarão a escolha da alimentação adequada.

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Esta doença não tem cura. No entanto, existem opções terapêuticas que minimizam os sintomas e evitam a progressão da doença. É asssim?

Sim. E assim é possível atrasar o agravamento ou estagnar a doença. 

Os anti-inflamatórios são contraindicados em doentes com insuficiência renal. O uso destes medicamentos deverá ser sempre discutido com o médico

Quais os tratamentos atualmente disponíveis? 

O tratamento da nefropatia diabética passa pela adoção de um estilo de vida saudável, que inclui uma alimentação equilibrada, prática de atividade física, cessação tabágica e perda de peso, uma vez que, frequentemente, as pessoas com diabetes têm excesso de peso. Tendo em conta que, frequentemente, os doentes têm pressão arterial elevada, além da redução do sal na alimentação, devem ser tratadas com medicamentos anti-hipertensores do grupo dos inibidores da enzima conversora da angiotensina ou dos inibidores dos recetores da angiotensina. Existem, atualmente, novos grupos de medicamentos que se tornaram essenciais no tratamento da nefropatia diabética, nomeadamente os inibidores SGLT2 ou os antagonistas dos recetores dos mineralocorticoides.

Os anti-inflamatórios de venda livre podem ser tóxicos para os rins?

Os anti-inflamatórios não esteroides levam à redução da filtração renal, ou seja, prejudicam a capacidade dos rins em filtrar o sangue. Enquanto pessoas com rins saudáveis conseguem tolerar essa redução, quem tem insuficiência renal, em especial em fases avançadas, podem ter complicações associadas. Quando se toma anti-inflamatórios sem indicação médica, existe um grande risco de falência renal aguda nas pessoas com doença renal crónica e, muitas vezes, necessitam de hemodiálise de urgência. Por isso, os anti-inflamatórios são contraindicados em doentes com insuficiência renal. O uso destes medicamentos deverá ser sempre discutido com o médico.

Uma pessoa com diabetes pode ser submetida a transplante renal?

O facto de ter diabetes não é uma contra-indicação para transplante renal. Aliás, em Portugal, cerca de 14% dos transplantes renais são em pessoas com diabetes.

E transplante de pâncreas?

As pessoas com diabetes tipo 1 podem ser eventualmente candidatas a transplante de pâncreas e, no caso de terem doença renal significativa, podem ser candidatas a transplante duplo de rim e pâncreas. Temos em Portugal no nosso Serviço Nacional de Saúde dois centros especialmente dedicados a estes transplantes: o Hospital de Santo António e o Hospital de Curry Cabral. Em 2021, foram efetuados 20 transplantes duplos de rim e pâncreas em Portugal.

Que mensagem gostaria de deixar a estes doentes?

É fundamental que as pessoas com diabetes compreendam que é possível viver com a doença, tendo uma vida feliz e plena e, ainda assim, evitar as complicações sérias associadas ao mau controlo da glicemia e da pressão arterial. Num país que quer cada vez mais colocar os cidadãos no centro da gestão da sua saúde, é importante que todas as pessoas com diabetes conheçam e exijam os exames que são necessários para avaliar as complicações da diabetes e tenham a capacidade de discutir os resultados com a sua equipa de saúde.

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