Portugal é o terceiro país da União Europeia com a população mais envelhecida, revelam dados do Eurostat. Como tal, "em vez de tentarmos tratar cada doença crónica isoladamente, não seria mais eficaz impedir ou atrasar os processos biológicos do envelhecimento?". A hipótese é colocada por Cláudia Cavadas, professora da Faculdade de Farmácia, investigadora no Centro de Neurociências e Biologia da Universidade de Coimbra e uma das oradoras do Longevity Med Summit, em Cascais, que termina esta sexta-feira e que trouxe a Portugal alguns dos principais especialistas e investigadores na área da longevidade.
"Em quase todos os países, a proporção de pessoas com mais de 65 anos tem crescido mais rapidamente do que qualquer outro grupo etário e a previsão de que em 2050 a população sénior duplicará exige reflexão a diversos níveis", defende Cláudia Cavadas, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto. E é aí que entra em cena a medicina de longevidade.
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© Cláudia Cavadas
O que é a medicina de longevidade?
A medicina da longevidade ainda é um conceito relativamente novo, mas pretende reunir uma série de disciplinas, como gerontologia, medicina preventiva, medicina de precisão, medicina translacional, ciências farmacêuticas, etcétera.
Em que consiste exatamente?
Pode ser vista como uma forma de medicina preventiva e personalizada, com possíveis intervenções individualizadas e direcionadas para promover o envelhecimento saudável, ajudando assim as pessoas a manter a qualidade de vida à medida que os anos vão passando.
Até 2050, a população sénior deverá duplicar. Que desafios traz a longevidade ao sistema nacional de saúde?
Em quase todos os países, a proporção de pessoas com mais de 65 anos tem crescido mais rapidamente do que qualquer outro grupo etário e a previsão de que em 2050 a população sénior duplicará exige reflexão a diversos níveis. As pessoas da população sénior têm, neste momento, duas ou mais doenças crónicas, como doenças cardiovasculares, neurodegenerativas, osteoarticulares, respiratórias, renais, cancro e diabetes, e outras, que exigem cuidados de saúde. E já se sabe que o envelhecimento é o maior fator de risco dessas doenças. Por isso, é muito relevante adiar o impacto negativo do passar dos anos e o aparecimento do envelhecimento, de forma a retardar ou mesmo prevenir o aparecimento das doenças associadas à idade, adiar a dependência e a incapacidade. O objetivo deverá ser ter uma longevidade, mas com saúde. Ou seja, uma longevidade saudável. Assim, embora o passar dos anos tornem-nos mais suscetíveis a essas doenças, muitas podem ser prevenidas ou adiadas através de um estilo de vida saudável e com cuidados de saúde de prevenção. Promover o envelhecimento saudável para toda a população deverá ser um desígnio de todos nós.
A população mais velha é alvo de preconceito e discriminação pela idade
Que hábitos aumentam a longevidade?
Os hábitos que aumentam a longevidade saudável incluem uma alimentação saudável, atividade física, sono de qualidade, redução do stress, evitar tabagismo e consumo excessivo de álcool, manter relacionamentos sociais e atividades intelectuais. Além disso, os cuidados primários de saúde ao longo de toda a vida, como medicina de prevenção, são fundamentais para a longevidade saudável, e começa nos cuidados maternos e saúde infantil, e não apenas quando começamos a mostrar marcas de envelhecimento. Porque aí pode ser tarde demais. Não devemos ainda esquecer, a importância dos ambientes saudáveis, incluindo ar, solo e água.
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Portugal é um dos países mais envelhecidos do mundo e estima-se que venha a ser o segundo do ranking em 2050. Nesse sentido, como é que podemos promover a longevidade saudável?
A receita para uma longevidade saudável deverá ser adaptada a cada pessoa. Incluirá um estilo de vida saudável (alimentação saudável, a prática de exercício físico e a qualidade do sono). Mas, apesar de muitos desses hábitos dependerem de cada um de nós e de já existirem algumas medidas que podem vir a ter impacto no futuro, ainda temos um longo caminho a percorrer para promover a longevidade saudável. E sem dúvida que o acesso universal à educação e cuidados de saúde são dois fatores relevantes para a promoção da longevidade saudável para todas as pessoas. Será assim importante aumentar a literacia em saúde, de forma que todas as pessoas tenham acesso a informação e educação sobre saúde, incluindo como manter hábitos e alimentação saudáveis, e como prevenir doenças. Mas será também relevante reforçar as políticas públicas que incentivem o exercício físico, as atividades sociais e comunitárias, de forma a promover a saúde mental e emocional. A população mais velha é alvo de preconceito e discriminação pela idade (forma de idadismo) e, em 2021, a Organização das Nações Unidas estimou que uma em cada duas pessoas tem atitudes discriminatórias pela idade. E como qualquer outro tipo de discriminação, o idadismo induz stress, podendo resultar em ansiedade, depressão, insónia, pelo que tem assim potencial para acelerar o envelhecimento e o aparecimento de doenças crónicas. Como tal, políticas e atividades educacionais que promovam a redução de todas as formas de preconceito e discriminação pela idade podem também contribuir para a longevidade saudável.
É necessário mais investimento nesta área científica e médica
Além disso, o conhecimento gerado pela investigação científica pode vir a proporcionar intervenções inovadoras que auxiliem a promoção da longevidade saudável para toda a população.
Atualmente, qual é a aposta feita na área da investigação do envelhecimento em Portugal?
Sendo o processo de envelhecimento o maior fator de risco para muitas das doenças crónicas, coloca-se a hipótese de que as estratégias que consigam adiar o processo envelhecimento possam impedir que essas doenças cheguem a manifestar-se. Assim, em vez de tentarmos tratar cada doença crónica isoladamente, não seria mais eficaz impedir ou atrasar os processos biológicos do envelhecimento? A investigação científica desenvolvida nos principais centros de investigação da área biomédica, espalhados pelo mundo, incluindo na Universidade de Coimbra - em diversos grupos no Centro de Neurociências e Biologia Celular, incluindo no meu grupo (neuroendocrinologia e envelhecimento) e ainda no novo Instituto de Multidisciplinar do envelhecimento (MIA-Portugal) - tem contribuído para dar resposta a estas questões, produzindo conhecimento sobre os processos ou mecanismos de funcionamento das células e órgãos durante o envelhecimento e nas doenças crónicas associadas. O financiamento para essa investigação científica fundamental tem sido obtido pela comunidade de investigação recorrendo a agências financiadoras nacionais e internacionais, de forma competitiva. Mas, sem dúvida, que é necessário mais investimento nesta área científica e médica. O conhecimento e a promoção da longevidade saudável tem atraído a comunidade científica e médica, e que ficou bem evidente no encontro, mas esperemos que chegue a toda a população e não deixe ninguém para trás.
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