Durante os últimos anos, alguns temas como a autodeterminação de género têm estado em destaque, em todo o mundo e em múltiplos contextos, incluindo, recentemente, na campanha para as próximas eleições legislativas nacionais, marcadas para 10 de março. Trata-se de um assunto que causa opiniões díspares e alguma discórdia.
Para falar sobre este tipo de temas, ajuda esclarecer alguns conceitos relacionados como a disforia de género. Por isso, o Lifestyle ao Minuto falou com Catarina Lucas, psicóloga e diretora do Centro Catarina Lucas, em Lisboa.
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O que é a disforia de género?
Ocorre quando uma pessoa experiencia desconforto ou angústia significativa devido à disparidade entre o sexo com que nasceu e o género com que se identifica, que pode ser masculino, feminino, ambos, nenhum ou qualquer outra identidade de género.
Por exemplo, uma pessoa designada como do sexo masculino ao nascer pode identificar-se e sentir-se como uma mulher. Esta disparidade entre o sexo com que se nasceu e a identidade de género pode causar desconforto psicológico significativo, o que é conhecido como disforia de género.
É considerada uma doença ou distúrbio?
Não é classificada como uma doença mental, mas sim como uma condição médica ou psicológica. A Organização Mundial da Saúde (OMS) e outras organizações de saúde reconhecem a disforia de género como uma questão de saúde que requer atenção e cuidados específicos, mas não a consideram uma doença mental.
É importante entender que a disforia de género não é causada por um distúrbio mental, mas sim pela incongruência entre o sexo de nascença e a identidade de género de uma pessoa.
É considerada uma condição médica ou psicológica porque pode causar angústia significativa e impactar a saúde mental e o bem-estar emocional das pessoas que a experimentam.
É diretora do Centro Catarina Lucas © Catarina Lucas
Tem um impacto direto na saúde mental? Quais as consequências?
Sim, a disforia de género pode ter impactos significativos na saúde mental e algumas das consequências incluem ansiedade e depressão; isolamento social; risco de suicídio; disfunção sexual.
É importante reconhecer esses impactos na saúde mental e oferecer apoio adequado, incluindo acesso a profissionais de saúde mental sensíveis à questão de género, a psicoterapia e a redes de apoio comunitário. O tratamento adequado pode ajudar a aliviar o desconforto e melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivenciam essa condição.
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É mais comum em alguma faixa etária?
Disforia de género pode manifestar-se em pessoas de todas as idades, desde a infância até a idade adulta. No entanto, é comum que os sinais de disforia de género se tornem mais aparentes durante certos períodos de desenvolvimento, como na infância, adolescência e início da idade adulta.
Existe a ideia de que as soluções para esta condição envolvem sempre a mudança de sexo? Confirma-se?
Não, as soluções para lidar com a disforia de género não envolvem necessariamente a mudança de sexo. O tratamento para a disforia de género é individualizado e pode incluir uma variedade de opções, dependendo das necessidades e desejos da pessoa, nomeadamente psicoterapia, terapia hormonal, cirurgias que mudam determinadas características físicas, mas não mudam o sexo, e suporte social e comunitário.
Quais são as principais manifestações deste problema?
Durante a infância, os sinais de disforia de género podem manifestar-se através de comportamentos e expressões de género que não se alinham com as expetativas sociais associadas ao sexo de nascença.
Por exemplo, uma criança designada como do sexo masculino ao nascer pode expressar consistentemente o desejo de ser tratada como uma menina, preferir brinquedos e roupas associadas ao género feminino, e expressar desconforto com seu corpo masculino.
Já na adolescência e início da idade adulta, os sentimentos de disforia de género podem intensificar-se à medida que a pessoa se torna mais consciente da sua identidade de género e enfrenta pressões sociais para se conformar às expetativas de género. Muitas vezes, é durante essa fase que as pessoas procuram apoio e intervenção médica para lidar com sua disforia de género.
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Quais os mitos associados a disforia de género em que não devemos acreditar?
Há vários mitos e equívocos comuns associados à disforia de género que é importante esclarecer. Como:
- Disforia de género é uma escolha ou fase passageira;
- Disforia de género é apenas uma questão psicológica;
- Todas as pessoas com disforia de género desejam fazer cirurgia de redesignação sexual;
- Disforia de género é uma fase da infância que a maioria das crianças ultrapassa
Como é que os mais próximos - família e amigos - conseguem ajudar uma pessoa que sofre deste problema?
Apoiar uma pessoa que está a lidar com a disforia de género requer empatia, compreensão e apoio emocional. Os mais próximos podem escutar e validar; educar-se e informar-se; respeitar pronomes e identidade; oferecer apoio prático; promover um ambiente inclusivo; respeitar o processo da pessoa; procurar apoio para si próprio se necessário.
Ao oferecer apoio de maneira respeitosa, compreensiva e solidária, os familiares e amigos podem desempenhar um papel significativo no bem-estar emocional e na aceitação da pessoa com disforia de género.
Que tipo de ajuda deve procurar alguém que tem disforia de género?
É importante ressaltar que o tratamento para disforia de género deve ser personalizado e baseado nas necessidades e desejos individuais da pessoa. Nem todas as pessoas com disforia de género optam por todas as opções de tratamento disponíveis, e a abordagem de tratamento pode variar de acordo com a idade, saúde física, saúde mental e outros fatores individuais. O objetivo do tratamento é ajudar a pessoa a viver uma vida mais autêntica e satisfatória, alinhada com sua identidade de género.
O tratamento da disforia de género geralmente envolve abordagens multidisciplinares e pode ser tratada com uma variedade de abordagens terapêuticas, incluindo psicoterapia, terapia hormonal e, em alguns casos, cirurgia de redesignação sexual. O objetivo do é ajudar a pessoa a aliviar o desconforto associado à disforia de género e a viver de forma mais autêntica de acordo com sua identidade de género.
É importante notar que a disforia de género pode persistir ao longo da vida de uma pessoa se não for adequadamente abordada. O momento em que uma pessoa procura ajuda pode variar significativamente com base em fatores individuais, como acesso a serviços de saúde mental e apoio social, aceitação familiar, e compreensão da identidade de género por parte da própria pessoa.
É importante informar o público geral sobre assuntos deste género? Tem impacto na vida dos afetados?
É importante desafiar mitos e equívocos, educar e sensibilizar de modo a promover uma compreensão mais precisa e respeitosa da disforia de género e apoiar adequadamente as pessoas que vivenciam esta condição. A educação e a conscientização sobre questões de identidade de género são fundamentais para combater estigmas e preconceitos. Fará toda a diferença na vida de quem sente disforia de género.
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