"Obesidade é muito mais do que o clássico coma menos, mexa mais"
Para assinalar o Dia Mundial da Obesidade, o Lifestyle ao Minuto falou com Paula Freitas, médica endocrinologista e a atual presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo, sobre esta doença crónica, as suas causas e os tratamentos.
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Lifestyle Dia Mundial da Obesidade
Esta segunda-feira - 4 de março - assinala-se o Dia Mundial da Obesidade. Trata-se de uma doença crónica, considerada "o problema de saúde mais prevalente em todo o mundo", sublinha Paula Freitas, médica endocrinologista e a atual presidente da SPEDM (Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo), em conversa com o Lifestyle ao Minuto.
A Organização Mundial de Saúde (OMS) define obesidade como um acúmulo anormal ou excessivo de gordura corporal que pode atingir graus capazes de afetar a saúde. Dados da mesma entidade referem ainda que todos os anos morrem no mundo 2,8 milhões de pessoas como resultado do excesso de peso.
Leia abaixo a entrevista a Paula Freitas.
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Múltiplos especialistas classificam a obesidade como a epidemia do século XXI. Porquê?
É uma epidemia à escala global com múltiplas comorbilidades associadas e tornou-se, rapidamente, o problema de saúde mais prevalente em todo o mundo, com estimativas de que mais de metade dos adultos europeus vivem com pré-obesidade ou obesidade.
Estima-se que a prevalência global da obesidade tenha triplicado desde 1975, afetando 650 milhões de adultos em 2016, o que nos leva a pensar que nos últimos 50 anos houve uma 'colisão' entre os nossos genes e o ambiente obesogénico. A obesidade é a única doença que tem aumentado em todos os países do mundo, quer nos desenvolvidos, quer nos em vias de desenvolvimento.
É a atual presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo© Paula Freitas
O que justifica este fenómeno?
É uma doença crónica, complexa e recidivante, e em que múltiplos fatores podem atuar de forma sinérgica na sua génese. A obesidade vai muito para além dos fatores individuais, em que a ingestão energética é muito superior ao dispêndio energético (ou seja, má prática alimentar associada ao sedentarismo). Obesidade é muito mais do que o clássico 'coma menos, mexa mais'.
De um ponto de vista mais global, a obesidade está associada a problemas genéticos, psicológicos, à toma de determinados fármacos, a disruptores endócrinos, sendo ainda influenciada por problemas da atual sociedade (disponibilidade alimentar, publicidade, arquitetura e segurança das cidades), políticas de saúde, entre muitos outros.
Há que sublinhar que cerca de 5 a 10 % das situações de obesidade podem ter uma causa genética ou endócrina e que 70% do nosso peso é determinado pelos nossos genes.
A inépcia de não tratar a obesidade, resulta numa sociedade mais doente, mais vulnerável e mais pobre, e isto preocupa-nos muito
É um problema que deve preocupar os portugueses?
Na população adulta portuguesa, a prevalência de obesidade é de 22,3% e a de pré-obesidade 34,8%, o que significa que cerca de 60% da nossa população tem excesso de peso. Esta prevalência não tem parado de aumentar, cresce com o avançar da idade e, também, é mais prevalente nas classes sociais mais desfavorecidas.
E o facto de os fármacos para o tratamento da obesidade não serem comparticipados resulta numa inacessibilidade ao tratamento, sobretudo nas classes socais mais desfavorecidas. A inépcia de não tratar a obesidade, resulta numa sociedade mais doente, mais vulnerável e mais pobre, e isto preocupa-nos muito.
O estudo 'Custo e carga da Obesidade em Portugal' mostrou que o custo direto do excesso de peso e obesidade foi estimado em cerca de 1,2 mil milhões de euros, aproximadamente 0,6% do PIB e 6% das despesas de saúde em Portugal". Mas não tratar a obesidade tem custos ainda maiores no futuro.
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É considerada uma doença crónica. Quais são os impactos mais significativos que tem na saúde e no dia a dia?
É uma doença muito prevalente e a causa de múltiplas outras doenças: mais de 229 e existe evidência científica robusta que associa a obesidade a mais de 13 cancros.
Habitualmente falamos nos quatro 'Ms' das comorbilidades - Metabólicas (diabetes, dislipidemia, hipertensão, doença cardiovascular e cancro; Mecânicas (osteoartrite, apneia do sono, incontinência urinária, refluxo gastroesofágico e varizes); Mentais (ansiedade e depressão) e Monetárias.
Tudo isto tem um enorme impacto social e económico. A obesidade pode, ainda, ter outras consequências que afetam os resultados económicos como, por exemplo, a estigmatização e discriminação social com impacto, entre outros, na procura de emprego. Mas, não tratar a obesidade resulta, ainda, em maiores gastos em saúde, nomeadamente no tratamento das mais de 200 comorbilidades associadas à obesidade.
O impacto dos fármacos no peso é apenas um parâmetro intermédio, porque os fármacos não só reduzem o peso, como melhoram as comorbilidades e doenças associadas à obesidade, melhoram a qualidade de vida e aumentam a esperança de vida
Como têm evoluído os tratamentos para esta doença crónica ao longo dos anos?
Nos últimos anos, têm surgido novos fármacos para o tratamento da obesidade. O primeiro foi o orlistato, que atua apenas no tubo digestivo e promove a eliminação (pelas fezes) de cerca de 30 % da gordura dos alimentos. O segundo foi o liraglutido 3.0 mg, que atua no sistema nervoso central, onde reduz o apetite e aumenta a saciedade e promove atraso do esvaziamento gastrointestinal. O terceiro a associação fixa naltrexona/bupropiom que atua, também, no sistema nervoso central e reduz a compulsão, os 'cravings' e a fome emocional.
O impacto dos fármacos no peso é apenas um parâmetro intermédio, porque os fármacos não só reduzem o peso, como melhoram as comorbilidades e doenças associadas à obesidade, melhoram a qualidade de vida e aumentam a esperança de vida.
Nos casos mais graves, com IMC (Índice de Massa Corporal) superior a 40 kg/m2 ou 35 Kg/m2 com doenças associadas, ou no caso de diabetes de difícil controlo, mesmo com IMC inferior a 35 Kg/m2 é de considerar a possibilidade do tratamento cirúrgico da obesidade, a denominada cirurgia bariátrica ou metabólica.
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Que tipo de tratamentos e ajudas estão disponíveis para indivíduos obesos? São eficazes? Precisam de melhorias?
O tratamento da obesidade assenta em três pilares fundamentais que são: modificação comportamental, terapêutica farmacológica e cirúrgica. O tratamento farmacológico depende de dois conceitos fundamentais: eficácia e segurança.
Neste momento, só existem três fármacos aprovados para o tratamento da obesidade em Portugal. Estes fármacos são o orlistato, o liraglutido 3.0 mg e a combinação naltrexona/bupropiom. Estes fármacos demonstraram, simultaneamente, ser eficazes e seguros no tratamento da obesidade. Adicionalmente, associaram-se à reversão de algumas das comorbilidades associadas à obesidade como, por exemplo, a diabetes, a dislipidemia e a apneia do sono, entre outras.
Tal como todos os fármacos, estes têm as suas indicações, contraindicações e efeitos secundários e, por isso, a sua prescrição é médica. Uma barreira à terapêutica médica é a falta de comparticipação dos fármacos aprovados para o tratamento da obesidade, o que limita a acessibilidade dos doentes, particularmente daqueles de classes socioeconómicas mais desfavorecidas, onde a prevalência da obesidade é mais elevada.
Num futuro próximo, esperamos que entrem no mercado o semaglutido 2.4 mg e a tirzapatida.
Muitos outros novos fármacos ainda em diferentes fases de desenvolvimento, terão certamente o potencial de expandir de uma forma muito vasta as novas opções terapêuticas anti-obesidade de forma a melhorar as opções de tratamento e fazer uma abordagem personalizada.
O atual sistema de saúde foca-se nas consequências da obesidade e não nas causas e em tratar o peso, o que não é tratar a doença. Há que tratar a doença e as suas causas
Hoje em dia, em todo o mundo, os fármacos com semaglutido são cada vez mais usados como uma ferramenta para emagrecer. É uma solução eficaz? Tem consequências a longo prazo? Pode vir a fazer parte dos tratamentos prescritos em Portugal?
O semaglutido pertence à classe dos agonistas do receptor do GLP-1 e esta classe tem demonstrado ser eficaz e segura no tratamento da obesidade. O semaglutido é um agonista do receptor do GLP-1 que na dose de 2,4 mg está aprovado pela EMA.
Em alguns países europeus já existe o semaglutido 2.4 mg. O programa STEP avaliou o tratamento da obesidade com semaglutido 2.4 mg em várias populações - doentes com e sem diabetes mellitus tipo 2, doentes com e sem doença cardiovascular e diferentes populações quer a nível global como regional e, ainda, em crianças e adolescentes.
O SELECT (Semaglutide for Cardiovascular Event Reduction in People with Overweight or Obesity) demonstrou uma redução de 20% do risco de eventos cardiovasculares (doença coronária e acidente vascular cerebral) em doentes com obesidade ou excesso ponderal. Estes resultados seguramente impactarão as futuras recomendações de tratamento das pessoas com obesidade e doença cardiovascular já estabelecida.
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Que tipo de mudanças deviam ser implementadas para evitar os números desastrosos que estão previstos para o futuro?
É necessário promover uma abordagem holística e digna no tratamento da obesidade - do ónus individual é urgente passar para uma visão partilhada de saúde pública, no qual todos têm um papel a desempenhar.
Consideramos que existem cinco pilares fundamentais em que é necessário agir:
- O atual sistema de saúde foca-se nas consequências da obesidade e não nas causas e em tratar o peso, o que não é tratar a doença. Há que tratar a doença e as suas causas;
- É necessário maior treino dos profissionais de saúde para o tratamento da obesidade e mobilizar recursos para garantir a formação especializada dos profissionais de saúde;
- É necessário implementar, rapidamente, as consultas de obesidade nos cuidados primários;
- É urgente a comparticipação dos fármacos para o tratamento da obesidade, para combater a desigualdade e garantir a equidade de acesso ao tratamento farmacológico;
- É necessário implementar medidas de combate ao estigma e discriminação da pessoa com obesidade quer entre os profissionais de saúde e no publico em geral.
É ainda necessário dar cumprimento efetivo às medidas previstas nos Programas de Saúde Prioritários da 'Promoção da Alimentação Saudável' e da 'Promoção da Atividade Física'; implementação da Estratégia do Combate à Obesidade com medidas preventivas, direcionadas às causas da obesidade nos cuidados primários; desenvolver o acesso ao tratamento do doente com obesidade na rede hospitalar pública; implementar as medidas para que novos fármacos atualmente utilizados e autorizados pelo INFARMED, no combate à obesidade, sejam comparticipados pelo SNS, criando um subgrupo farmacológico para tratamento da obesidade e procedendo à sua comparticipação.
A melhor dieta de todas é aquela que a pessoa cumpre por um longo período. A promoção de estilos de vida saudáveis não é um tratamento é uma missão para todos
Que mitos sobre a obesidade devem ser esclarecidos?
Na minha opinião, o mito mais frequente é doentes e profissionais de saúde pensarem que é da responsabilidade individual do doente 'resolver' a sua obesidade. Outro mito é que é necessário atingir o 'peso ideal' ou que são necessárias perdas de peso médias de 16 a 17% para definir sucesso na perda ponderal. Na realidade, pequenas ou modestas perdas de peso, na ordem dos 5 a 10%, já podem ter inúmeras vantagens para a saúde. Mesmo que mais tarde uma pessoa reganhe algum peso, também tem de se pensar que os anos em que manteve a perda de peso, esteve a diminuir a sua 'carga de doença'.
Outro mito, é pensarem que o tratamento é curto no tempo. Ora, se a obesidade é uma doença crónica, obviamente que o seu tratamento tem de ser crónico e qualquer que seja a abordagem terapêutica (dietética, atividade física, comportamental, farmacológica ou cirúrgica), requer alterações no estilo de vida de forma contínua e prolongada no tempo, durante anos e anos.
Adicionalmente, outro grande mito é em relação às dietas. A melhor dieta de todas é aquela que a pessoa cumpre por um longo período. A promoção de estilos de vida saudáveis não é um tratamento é uma missão para todos.
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