Com o fim primeiro período letivo, muitas crianças e jovens trazem da escola resmas de trabalhos para casa (TPC), mas pouca ou nenhuma vontade para fazê-los. E, no entender do neuropsicólogo Paulo Dias, têm motivos para se sentirem assim, uma vez que, como admite ao Lifestyle ao Minuto, é apologista da ideia de que "as férias devem ser um espaço para as crianças saírem da rotina extenuante da escola e dedicarem-se a algo igualmente importante: ser criança".
"Não digo que a aprendizagem deva parar, mas precisa de outro formato", afirma, justificando que o estímulo cognitivo deve ser feito por outras vias. "As férias não devem ser uma extensão do tempo de aulas", insiste.
Leia Também: "Necessidade de limitar uso de telemóveis no ensino básico é inequívoca"
Desaconselha, ainda assim, a total ausência de rotinas e regras na pausa escolar. "Pode ser caótica", alerta, salvaguardando que "a chave está no equilíbrio".
Paulo Dias disse ainda sentir-se "aliviado" por saber que algumas escolas aboliram os TPC obrigatórios, como é o caso do Agrupamento de Escolas de Carcavelos, no concelho de Cascais. Até porque, "em muitos casos, ultrapassam o limite do razoável", faz questão de frisar.
Neuropsicólogo Paulo Dias© Clínicas Dr. Alberto Lopes
Enquanto especialista, é a favor dos trabalhos para casa nas férias?
De uma forma geral, sou defensor de que as férias devem ser um espaço para as crianças saírem da rotina extenuante da escola e dedicarem-se a algo igualmente importante: ser criança. Não digo que a aprendizagem deva parar, mas precisa de outro formato. O que as crianças precisam nas férias não é de repetir exercícios, mas sim viver experiências.
Portanto, quer com isso dizer que deve haver uma quebra das rotinas durante os períodos de interrupção escolar?
Sim! Não há mal nenhum em fugir ao rigor dos horários escolares, pelo contrário. Quebrar as rotinas é essencial para aliviar o stress acumulado e deixar que as crianças explorem o mundo à sua maneira, sem o peso do calendário ou do despertador. Ainda assim, sou cauteloso ao defender que tudo deve ser desconstruído, porque algumas rotinas básicas, como manter horários regulares para comer ou dormir, proporcionam um certo equilíbrio e segurança emocional.
E a falta delas?
A ausência de regras pode ser caótica. Por isso, a chave está no equilíbrio entre o respeitar as necessidades sem aprisioná-las no tempo escolar.
Rever o modelo tradicional dos TPC não é uma afronta à educação, mas sim um ato de coragem
Tendo isso em conta, que outros 'trabalhos' sugere que as crianças possam fazer?
Nas férias, é possível estimular a aprendizagem e o desenvolvimento de forma natural, sem o peso das obrigações escolares, através de jogos de tabuleiro que desafiam a lógica, livros que transportam para outros mundos, caminhadas na natureza que instigam a curiosidade sobre plantas e animais... Tudo isso é mais eficaz do que qualquer folha de exercícios. A aprendizagem pode e deve ser leve.
No fim, o que importa é que as crianças continuem a ser estimuladas ao nível cognitivo de uma forma criativa. Se há algo que as férias não devem ser é um período de passividade. Isso não é sinónimo de encher as crianças de tarefas, mas sim oferecer estas alternativas enriquecedoras ao mundo digital que tantas vezes domina os dias delas. Não podemos deixar que os ecrãs sejam a única companhia das crianças e jovens. Precisamos de encorajá-las a explorar, criar e interagir. As crianças devem ser felizes e as férias, mais do que qualquer outra altura, são a oportunidade perfeita para isso.
E havendo TPC, devem ser diferentes daqueles que são os trabalhos de casa durante o período de aulas?
Se, por acaso, for inevitável atribuir tarefas para as férias, que elas tenham outra cara e não sejam para repetir exercícios de gramática ou resolver problemas matemáticos sem fim. As férias não devem ser uma extensão do tempo de aulas. Por isso, os trabalhos para casa devem priorizar a qualidade sobre a quantidade, evitando repetir as mesmas dinâmicas do período letivo.
Há quem defenda que os TPC são em excesso e algumas escolas até já decretaram o seu fim. Concorda com esta medida?
Confesso que fico aliviado ao saber que algumas escolas já aboliram os trabalhos para casa. Em muitos casos, ultrapassam o limite do razoável. Rever o modelo tradicional dos TPC não é uma afronta à educação, mas sim um ato de coragem. Aliás, há já estudos que mostram que o excesso de tarefas pode sobrecarregar as crianças, causando stress, ansiedade e, ironicamente, afasta-as do gosto pela aprendizagem. As crianças têm direito ao seu tempo livre e às brincadeiras sem propósito. É nesses momentos que elas mais crescem, que aprendem sobre si mesmas e o mundo.
Leia Também: Os pais precisam de férias dos filhos? Questionámos um especialista