É conhecida como a 'doença das pernas gordas' e afeta sobretudo as mulheres. Muitos acabam por confundir com obesidade ou outro tipo de patologias, mas a verdade é que na grande maioria dos casos tem uma forte componente genética.
Joana de Carvalho é médica especialista em cirurgia vascular e lançou um livro sobre esta condição, 'Lipedema - Como tratar a 'doença das pernas gordas'', editado pela Contraponto.
Em entrevista o Lifestyle ao Minuto, no âmbito da rubrica O Médico Explica, abordou alguns dos estigmas que estão associados a esta condição, bem como os sintomas, os tratamentos e os cuidados a ter.
"Não há nenhum exame que faça o diagnóstico de lipedema. Pode, contudo, ser importante realizar exames complementares para excluir outras causas para as queixas, como é o caso da doença venosa", começa por dizer.
Devido ao facto de alterar por completo a imagem física de uma mulher, tornam-se importantes também os cuidados com a saúde mental. "Existem muitas estratégias para cuidar da saúde mental e devem ser aplicadas de forma individual e personalizada, muitas vezes passando mesmo por acompanhamento especializado."
Joana de Carvalho é médica especialista em cirurgia vascular e autora deste novo livro© Contraponto
Qual a importância de um livro como este, de falar sobre esta doença?
Espero que este livro venha a ajudar na divulgação da doença, junto da população geral, entre os profissionais de saúde particularmente, e a criar ‘awareness’ para este problema que é tão prevalente.
Como podemos definir o lipedema?
É uma doença crónica do tecido conjuntivo, o tecido que se encontra sob a pele, e que se caracteriza por uma acumulação desproporcional de gordura nos membros, predominantemente os membros inferiores, acompanhando-se de um conjunto de sintomas que prejudicam muito a qualidade de vida.
Dor, hipersensibilidade e sensação de peso nas pernas são alguns dos sintomasQuais são os sintomas a ter em conta?
Dor, hipersensibilidade, sensação de peso nas pernas e aparecimento de equimoses (nódoas negras e 'pisaduras’) fáceis. Muitas pacientes referem ainda sensação constante de arrefecimento das pernas e dificuldade em as bronzear.
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Quais são as causas mais comuns?
A causa não está completamente esclarecida parecendo ser multifactorial, ou seja, com diversos factores envolvidos. Sabe-se, contudo, que há uma importante componente genética. Cerca de 65% das pacientes tem alguma familiar com a doença. O factor hormonal é também determinante, afetando de forma quase exclusiva as mulheres. A obesidade é também um factor de risco para o desenvolvimento da doença e das suas complicações.
Existem pessoas que estão mais em risco? Pode acontecer a qualquer uma?
As mulheres são quase exclusivamente afetadas, predominantemente as que têm familiares com lipedema.
Existe alguma forma de prevenção?
Não é possível alterar a nossa genética que se acredita ser o factor de risco determinante. Contudo, manter um peso adequado, ter uma alimentação cuidada e praticar exercício físico regular e frequente são algumas das medidas que podem evitar o desenvolvimento da doença e a sua progressão.
Que hábitos podem levar ao aparecimento?
O aumento de peso será um dos factores que poderá contribuir mais para o desenvolvimento da doença. Muitas das pacientes notam o aparecimento da doença após um grande ganho ponderal, por exemplo durante a gravidez. Quando perdem peso, sentem que tal ocorre de forma desproporcional e que as pernas não retornam ao volume inicial.
Como é feito o diagnóstico?
O diagnóstico é essencialmente clínico, ou seja, feito com base no que a paciente conta e descreve e o que o médico observa e examina em consulta. Não há nenhum exame que faça o diagnóstico de lipedema. Pode, contudo, ser importante realizar exames complementares para excluir outras causas para as queixas, como é o caso da doença venosa, que também se faz acompanhar de dor e inchaço nos membros inferiores.
Não existe cura definitiva por se tratar de uma doença crónica, mas existe tratamento e esta mensagem é importante que fique claraQue cuidados devem ser mantidos?
Cuidados alimentares, prática regular e frequente de exercício físico e medidas de drenagem são cruciais para controlar a doença, diminuindo os sintomas e evitando o desenvolvimento de complicações.
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Existem tratamentos? Em que consistem?
Não existe cura definitiva por se tratar de uma doença crónica, mas existe tratamento e esta mensagem é importante que fique clara. O tratamento de primeira linha, dito conservador, consiste num plano alimentar anti-inflamatório que deverá ser personalizado, prática de exercício físico, plano de fisioterapia que envolve drenagens manuais linfáticas e outros recursos aplicados de forma individualizada e terapêutica farmacológica de acordo com cada caso. Quando o tratamento conservador não teve o resultado pretendido em termos de diminuição de sintomas ou de satisfação com a imagem corporal poder-se-á ponderar a realização de cirurgia de redução de lipedema. Esta é feita por meio de lipoaspiração com técnicas específicas para a doença. Os estudos até ao momento mostram que os resultados da cirurgia se mantêm pelo menos durante 12 anos após a intervenção, com ausência de dor, diminuição da necessidade de realização de drenagens e satisfação com a imagem corporal.
Os tratamentos conseguem deixar a pessoa como antes? Quanto tempo podem durar?
É uma doença crónica e, como tal, a continuidade do tratamento é necessária. Os cuidados alimentares, assim como a prática de exercício devem ser sempre mantidos. Aliás, é algo válido também para a população geral. Com o tratamento conservador estima-se que se poderá assistir a uma melhoria da imagem corporal de 20 a 30%. O tratamento cirúrgico, por via de lipoaspiração específica para a doença, tem o objectivo de, além de remover a gordura doente, permitir o desenho de perna ambicionado. Os estudos publicados até ao momento mostram que os resultados da cirurgia se mantêm pelo menos durante 12 anos após a intervenção, este é o 'follow up' mais longo publicado até à data. No entanto, há quem defenda que a cirurgia é curativa.
Muitas mulheres, arrastam consigo um peso grande durante anos, sem diagnóstico, sem tratamento e com uma sensação de culpabilização grandeMuitas pessoas acabam por confundir com linfedema. Quais são as principais diferenças?
São doenças completamente diferentes, apesar da semelhança na sonoridade das palavras. O linfedema é uma doença dos vasos linfáticos, habitualmente secundária a um traumatismo, infecção ou tratamentos, como remoção cirúrgica de gânglios linfáticos. Raramente o linfedema pode também ter uma origem genética, estando presente desde o nascimento, mas habitualmente com uma clínica que se vai instalando mais tarde na vida. O linfedema habitualmente é unilateral e atinge o membro de baixo para cima – envolvendo as extremidades, os pés ou mãos. Pelo contrário, o lipedema é bilateral, tendencialmente simétrico e não envolve os pés nem as mãos, sendo evidente um 'degrau' ou 'sinal de garrote' ao nível do tornozelo ou punho, sinal este que é característico da doença.
A imagem fica bastante afetada. A saúde mental também é algo que deve ser trabalhada nestes casos?
A saúde mental é crucial para todos nós e muitas vezes está fragilizada nas pacientes de lipedema. Arrastam consigo um peso grande durante anos, sem diagnóstico, sem tratamento, com uma sensação de culpabilização grande e vergonha com consequente limitação de atividades diversas. Por isso, quando recebem o diagnóstico sentem um grande alívio por terem um nome para o seu problema e um plano de tratamento que lhes devolve alguma esperança. Há muitas estratégias para cuidar da saúde mental e devem ser aplicadas de forma individual e personalizada, muitas vezes passando mesmo por acompanhamento especializado.
O que é que os familiares e amigos podem fazer para ajudar alguém com lipedema?
Uma das maiores dificuldades com que as pacientes se deparam é ter que introduzir a doença na sua rotina. Os cuidados alimentares que muitas vezes condicionam refeições em família e convívios sociais, a prática de exercício, o auto cuidado e as sessões de drenagem, que implicam tempo e disciplina. Tudo isto implica um grande empenho, dedicação e resiliência. É importante haver apoio de quem rodeia as pacientes para facilitar todo o processo, dando o ânimo necessário para continuarem a sua jornada.
Ainda é uma doença com bastante estigma associado?
Muito mesmo. Frequentemente confundida com obesidade, as pacientes são rotuladas como descuidadas com a sua saúde e a falta de resposta é atribuída a falta desforço, má alimentação e falta de actividade.
O facto de também ser conhecida como 'doença das pernas gordas' pode não ajudar neste estigma que se cria?
Como a acumulação de gordura desproporcional nas pernas é uma das características, acaba por se generalizar. A verdade é que a gordura de lipedema é uma gordura bem diferente da habitual gordura da obesidade. É uma gordura resistente à maioria das dietas hipocalóricas e ao exercício físico. Tal gera uma grande ansiedade e frustração entre as pacientes, sentimentos estes que carregam consigo, na maioria dos casos, durante anos.
O livro é editado pela Contraponto (17,70€)© Contraponto
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