O que é um cuidador informal? E de que tipo de apoio precisa?

Falámos com Rita Marques e Isabel Lucas, autoras do livro 'Cuidar, Confortar e Recuperar', sobre o papel dos cuidadores informais, o que fazem e o tipo de apoio que precisam.

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Margarida Ribeiro
20/02/2025 08:07 ‧ ontem por Margarida Ribeiro

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Saúde

Durante os últimos meses do ano passado, o estatuto de cuidador informal sofreu alterações e, agora, no início de fevereiro, o Instituto da Segurança Social (ISS) revelou que está a simplificar o processo de reconhecimento do estatuto do cuidador informal. O que é um cuidador informal? Que tipo de ajuda oferece? E de que tipo de apoio precisa?

 

É "uma pessoa, normalmente um familiar ou alguém próximo, como um amigo, que presta cuidados a outra que se encontra numa situação de dependência, sem receber remuneração por isso", explica Rita Marques, a professora coordenadora da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa e uma das autoras do livro 'Cuidar, Confortar e Recuperar', em entrevista ao Lifestyle ao Minuto

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Explica ainda que "esse cuidador assume diversas responsabilidades, como ajudar nas atividades da vida diária (alimentação, higiene, mobilidade), administrar medicamentos, prestar apoio emocional e ainda garantir a segurança da pessoa cuidada". 

Foi a pensar nas pessoas que assumem este papel que Rita Marques se decidiu juntar a Isabel Lucas, outra professora coordenadora da Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa, e escrever o livro 'Cuidar, Confortar e Recuperar', editado em novembro do ano passado. 

Notícias ao Minuto Livro 'Cuidar, Confortar e Recuperar'© Lidel  

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Como surgiu a ideia de escrever este livro? 

Isabel Lucas (IL): A ideia de criar um guia de apoio ao cuidador informal surgiu durante a nossa prática de cuidados, especialmente na transição do internamento para o domicílio, onde a família, e em particular o cuidador principal, se veem perante grandes responsabilidades e desafios. Embora os ensinos de enfermagem em contexto de internamento ajudem, é em casa que surgem as maiores dificuldades para o cuidador. Durante a prática testemunhamos essas adversidades, com os cuidadores a expressarem receios e inseguranças sobre como cuidar e realizar atividades diárias com a pessoa dependente. Sentimos, assim, a necessidade da criação de um guia que facilitasse essa transição para o domicílio. 

Inicialmente, o projeto visava um guia para os cuidadores, mas rapidamente percebemos a importância de um documento mais completo, com linguagem acessível e com esquemas e imagens ilustrativas, o que levou à criação deste livro. Deste modo, idealizámos e concretizámos uma obra de apoio aos que, de uma forma repentina, alteram as suas vidas em prol do cuidar do outro, que merecem um olhar atento e de compromisso por parte dos enfermeiros, numa parceria de cuidados centrados no bem-estar de cada pessoa/família e das suas necessidades e interesses. 

O cuidador informal torna-se essencial para ajudar a pessoa nas suas necessidades fundamentais, desde a mobilidade, a gestão da medicação e a alimentação até à gestão de atividades do dia a dia

Qual a importância de um livro como este para um cuidador informal?

Rita Marques (RM): Este livro constitui-se como um recurso importante para o cuidador, pois oferece um apoio prático e acessível para lidar com as diversas dificuldades que surgem no dia a dia. Além disso, orienta o cuidador a cuidar de si próprio, reconhecendo sinais de sobrecarga e incentivando a comunicação com a equipa de saúde, o que é essencial para evitar o desgaste físico e emocional.

A estrutura do livro, dividida em capítulos que abordam desde a segurança até à recuperação da pessoa dependente, fornece estratégias claras e ferramentas úteis para que o cuidador se sinta mais confiante e preparado. A inclusão de um espaço para registar emoções e preocupações também é uma forma de apoiar a saúde mental do cuidador, ajudando a lidar com o impacto emocional do cuidado.

Em resumo, este livro é uma ferramenta essencial que contribui para o bem-estar tanto do cuidador informal quanto da pessoa que recebe o cuidado, ao oferecer suporte, orientação e o lembrete da importância de manter um equilíbrio entre o cuidar do outro e o cuidar de si próprio.

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Notícias ao Minuto As autoras do livro © Isabel Lucas e Rita Marques

Que tipo de condições podem obrigar alguém a precisar de um cuidador informal?

IL: Existem diversas condições de saúde que podem levar uma pessoa a necessitar de apoio de um cuidador informal. Problemas que afetam as capacidades cognitivas, motoras ou físicas podem dificultar a realização de atividades diárias, como deambular, alimentar ou realizar cuidados pessoais. A idade avançada também pode trazer limitações, que podem requerer uma ajuda constante. Nessas situações, o cuidador informal assume a responsabilidade de apoiar a pessoa no seu dia a dia, garantindo a sua segurança e bem-estar.

Além disso, as pessoas que enfrentam dificuldades em manter a autonomia, seja por limitações físicas ou mentais, ou que estão em processo de recuperação após um evento súbito, dependem de cuidados contínuos.

O cuidador informal torna-se essencial para ajudar a pessoa nas suas necessidades fundamentais, desde a mobilidade, a gestão da medicação e a alimentação até à gestão de atividades do dia a dia. Esta dependência do cuidador informal assegura que a pessoa tenha o apoio necessário para viver com dignidade e qualidade de vida, mantendo-se no conforto do seu lar e na proteção da sua família ou amigos.

Para o fazer [ser cuidador informal] é necessário amor, vontade e resistência física e psicológica.

Quais são as dúvidas mais comuns de um cuidador informal?

RM: Geralmente envolvem questões práticas e emocionais do dia a dia. Em relação às atividades de vida diárias, os cuidadores frequentemente questionam sobre como realizar tarefas práticas relacionadas com a alimentação, a higiene e a mobilidade ou a recuperação da pessoa de forma segura e eficaz, sem causar desconforto ou lesões à pessoa dependente.

Além disso, muitos revelam dúvidas e inseguranças na administração de medicamentos e ficam preocupados sobre como agir corretamente em situações de emergência ou imprevistos, como convulsões, hipoglicemias ou dificuldades respiratórias. A adaptação da casa para garantir a segurança da pessoa dependente também é uma preocupação constante e que neste livro conseguem encontrar respostas. Para cada uma das situações vivenciadas, pode-se encontrar uma resposta técnica e uma estratégia que se deve validar sempre com a equipa de saúde para conseguir adaptar-se às circunstâncias e ao momento de cada pessoa.

Outro ponto de grande incerteza é a gestão das alterações comportamentais e psicológicas, onde o cuidador pode sentir-se perdido em como lidar com a agitação ou confusão. O cuidador também pode questionar-se sobre como organizar a rotina de cuidados e garantir tempo para si mesmo, evitando o cansaço e o isolamento social. Por fim, muitos não sabem quais são os direitos e apoios disponíveis para os cuidadores informais, o que pode gerar uma sensação de falta de apoio. Essas questões refletem a complexidade da intervenção do cuidador e a necessidade de uma rede de apoio para ajudar a enfrentar os desafios diários.

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Qualquer tipo de pessoa pode ser um cuidador informal ou são precisas algumas capacidades específicas? 

IL: Para ser cuidador informal é necessário um conjunto de condições físicas e psicológicas, que nem sempre são possíveis de assegurar pela imprevisibilidade do momento. Ser cuidador implica um atestado de robustez física, mas também é importante reunir um conjunto de capacidades psicológicas que facilitem o ato de cuidar do outro. Para o fazer é necessário amor, vontade e resistência física e psicológica. É preciso entrega, esforço, empenho, boa disposição, humor, olhar positivo, gostar da pessoa e respeitá-la. 

Por outro lado, é preciso ter disponibilidade, capacidade de escuta, ser proativo, acolher, respeitar o outro, ter espírito de sacrifício e reação à frustração. É preciso ainda ser dinâmico, saber gerir o tempo, delegar e saber impor limites para conseguir cuidar de si próprio e respeitar o outro e a si mesmo, conseguindo cuidar, confortar e recuperar a pessoa, respeitando as suas necessidades e a sua autonomia.

[O cuidador informal] deve obrigar-se a ter tempo para si e para cuidar de si

Que tipo de cuidados deve ter um cuidador informal consigo próprio?

IL: O cuidador informal deve planear o seu dia a dia, integrando quer os cuidados à pessoa cuidada, quer a si próprio. Ser cuidador do outro exige cuidar simultaneamente de si e não abdicar do que mais gosta e do que lhe dá prazer.

Deve procurar integrar na sua rotina de cuidados os seus hábitos de vida e as atividades de que mais gosta, como conversar com amigos, praticar o seu culto, estudar, ler, ver televisão, passear e ir ao cabeleireiro, às compras ou à praia. Em algumas situações pode-se negociar com a pessoa cuidada, ou com outros familiares e amigos, tempos e momentos para conseguir ter tempo para si próprio ou para conseguir fazê-lo integrando a pessoa cuidada.

Importa obrigar-se a ter tempo para si e para cuidar de si. É importante alimentar-se bem, praticar atividade física, ter um hobbie e cuidar da sua saúde (ir ao médico, fazer exames), socializar, ter humor e ler os sinais de cansaço e procurar a equipa de saúde e saber pedir ajuda. É fundamental sentir-se realizado e seguro.

Durante o final do ano passado foram aprovadas alterações ao estatuto do cuidador informal. Entre as alterações uma ajudou a permitir que quem não tem laços familiares com a pessoa dependente possa ser cuidador informal principal ou não principal. É uma mudança positiva? Que outros tipos de mudanças faltam?

RM: Sim, mas ainda seria fundamental desburocratizar, simplificar mais os acessos e as acessibilidades. Ampliar os apoios, nomeadamente a substituição transitória, com o aumento das bolsas de cuidadores, e tornar o estatuto mais alcançável para cada cuidador, assim como implementar o plano de intervenção específica de cada cuidador com todos os recursos de profissionais de saúde e sociais. O descanso do cuidador ao longo da semana e o apoio das atividades ou rotinas diárias são aspetos fundamentais e que levam o cuidador à exaustão e ao limite. 

Ainda assim, falta literacia em saúde, recursos humanos nas equipas de saúde para apoiarem cada cuidador informal, investimento nas bolsas de cuidadores, como apoio presente diariamente para ser acionado sempre que necessário. Em simultâneo, faltam equipas de enfermeiros de cuidados continuados no domicílio, que apoiem as famílias de proximidade e os esclareçam e monitorizem os cuidados e as necessidades presentes e sentidas. Falta ainda incentivo monetário para as famílias cuidarem dos seus, mantendo a sua qualidade de vida e sem prejuízo das suas atividades sociais e laborais, que não lhes possibilitem ser pessoas e continuar a desenvolver-se, realizar-se e recrear-se. 

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