Distúrbios alimentares: "Espelho não é o papão, o inimigo é a mente"

Os distúrbios ou doenças do comportamento alimentar não escolhem idade, género ou classe social, têm uma base emocional e podem prolongar-se durante toda uma vida. O Lifestyle ao Minuto falou com a psiquiatra na área dos distúrbios alimentares Dulce Bouça sobre este tema, ainda incompreendido por muitos.

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Daniela Costa Teixeira
01/08/2016 09:07 ‧ 01/08/2016 por Daniela Costa Teixeira

Lifestyle

Dra. Dulce Bouça

O inimigo está na mente, na crença inabalável de que controlando o corpo se controla a vida e o insucesso. O distúrbios alimentares são muito mais do que uma dieta extrema, do que a vontade de seguir modas.

Os distúrbios ou doenças do comportamento alimentar não escolhem idade, género ou classe social, têm uma base emocional e podem prolongar-se durante toda uma vida. O Lifestyle ao Minuto falou com a psiquiatra na área dos distúrbios alimentares Dulce Bouça sobre este tema.

Fala-se muito em distúrbios alimentares, mas são poucas as pessoas que sabem o que realmente são, acabando por desvalorizar alguns sinais claros. Pode explicar-nos o que são os distúrbios alimentares, porque é que surgem e porque é que se ‘arrastam’ durante anos na vida de uma pessoa?

Distúrbios ou doenças do comportamento alimentar são perturbações do comportamento de base emocional, que se iniciam com uma dieta restritiva com o objetivo de controlar o corpo para resolver problemas de auto conceito e auto estima, com repercussão no padrão alimentar e com graves consequências somáticas e psicológicas, que nas crianças e adolescentes atrasam ou param o desenvolvimento global. Estes distúrbios prolongam-se e agravam-se quando o diagnóstico não é feito em tempo útil e o tratamento não é iniciado precocemente.

 

Quais são os sinais mais claros de um distúrbio alimentar e aqueles que podem ser mais facilmente confundidos com outros problemas de saúde, como ansiedade ou stress crónico?

Os sinais específicos de um distúrbio alimentar são a alteração do comportamento habitual face à alimentação, com rituais obsessivos de controlo da quantidade e qualidade dos alimentos, restrição alimentar continuada, eliminação dos alimentos ingeridos por vómito induzido ou exercício físico excessivo, sem perda de energia nem falta de apetite.

 

Em que medida um distúrbio alimentar pode ser altamente penoso para a saúde e qualidade de vida de uma pessoa, seja da que tem o problema como daqueles que a rodeiam?

São situações com as quais é muito difícil lidar, tanto para o próprio como para os familiares que convivem de perto com estes comportamentos, com total impotência para os reverter.

 

O espelho é o real inimigo de uma pessoa com distúrbios alimentares ou é a mente da própria pessoa?

O espelho não é o papão, muitos destes doentes até deixam de se ver ao espelho. O inimigo está na mente, na crença inabalável de que controlando o corpo se controla a vida e o insucesso, e a única maneira possível de controlar o corpo é retirar-lhe a alimentação que permite a vida.

 

Qual o papel dos pais e dos avós no impulso e no entrave deste tipo de problemas? É fácil aceitarem o problema do/a filho/a?

Não é fácil porque a alimentação é um ato familiar e os pais sentem que perderam competências e perderam o seu papel cuidador perante a recusa alimentar. Os pais sentem-se culpados e pensam que falharam, por isso esperam que com o tempo tudo volte ao normal. É fundamental que os pais procurem tratamento para o problema aos primeiros sinais de restrição e perda de peso irreversível.

 

Ao pesquisar a palavra anorexia no Google encontram-se uma série de blogues e páginas com testemunhos próprios. Esta necessidade de contar ‘ao mundo’ o que se sente pode ser o reflexo da carência de atenção ou compreensão?

Não. Trata-se de uma procura de resposta para um problema que causa grande sofrimento ao próprio doente.

 

Com a elevada quantidade de informação que existe nos dias de hoje e com as chamadas de atenção cada vez mais frequentes nos meios de comunicação, porque é que ainda vivemos num mundo de extremos, seja por excesso (obesidade) ou por defeito (anorexia nervosa)?

Porque a vida é complexa e individual. A restrição e o excesso são duas facetas do mesmo objetivo, encontrar bem estar e aceitação social. O modo de o conseguir é orientado ou escolhido pelas vivências pessoais e por todas as influências a que todos estamos sujeitos, quando os objetivos se tornam persecutórios a pessoa entra em processos de auto compensação.

 

Os distúrbios alimentares estão muitas vezes associados a um ideal de beleza. O que é que deve ser feito – em casa, nas escolas, na indústria da moda, no mundo publicitário, no marketing, etc – para que os jovens parem de desejar um corpo que não é o seu?

Os distúrbios alimentares não resultam de um ideal de beleza mas sim de uma tentativa de resolver problemas emocionais.

 

Qual o processo de tratamento mais comum para um distúrbio alimentar e qual o papel do médico em toda a fase de recuperação?

O processo correto para o tratamento de um distúrbio alimentar implica um médico psiquiatra ou pedopsiquiatra, uma orientação nutricional cuja execução fica a cargo dos pais, um psicoterapeuta que pode ser o próprio médico psiquiatra e muitas conversas terapêuticas com a família e o paciente, orientadas pelo médico, até se recuperar o equilíbrio e as autonomias individuais na família.

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