Creme para pele seca, creme para pele oleosa, creme para pele mista. Creme para pele sensível, creme para pele irritada, creme para pele alérgica. Creme para acne, creme para rugas, creme para manchas. Creme protetor, creme hidratante, creme nutritivo. Creme com cor, creme sem cor. Creme com perfume, creme sem perfume. Creme suave, creme denso. Creme natural. Creme vegan.
A oferta de cremes dermocosméticos - isto é, que aliam à cosmética tradicional alguns agentes farmacológicos com o objetivo de cuidar da pele de dentro para fora - é cada vez maior e mais complexa e as fórmulas criadas em laboratório visam não só satisfazer as necessidades básicas da saúde cutânea, como pretendem também adaptar-se às novas necessidades e aos novos problemas de pele que aparecem sorrateiramente e que muitas vezes são mesmo desvalorizados por completo.
"Há uns anos só se falava dos filtros para a proteção solar, hoje fala-se dos filtros de proteção para a luz azul dos computadores. Isto da dermocosmética é uma evolução constante e os produtos dermocosméticos estão sempre associados ao dia a dia do consumidor. Os [cremes] anti-poluição também estão muito em voga, porque deixam alguns filtros à superfície da pele para a proteger contra a poluição. Os [cremes] anti-poluição e os da luz azul são as tendências atuais".
A explicação é-nos dada pela professora Helena Oliveira, da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, que, ao telefone com o Lifestyle ao Minuto, destaca a importância da tecnologia na emancipação da dermocosmética e, claro, na criação das fórmulas cosméticas que irão satisfazer as necessidades atuais, mas sempre com as necessidades do futuro em mente. "O papel da tecnologia é importantíssimo. É como eu digo: é o cozinheiro na culinária. Sem tecnologia não há produto, é a maneira de fazer o produto".
E a tecnologia é mesmo a base de toda a ciência que a dermocosmética esconde. Para Julia Lacambra, diretora ibérica da Nuxe, "a tecnologia já faz parte do presente e do futuro [da dermocosmética], nesta área, a investigação constante à procura de novos produtos, fórmulas e métodos é essencial".
A beleza que dá (mais) saúde à pele
Criar um creme é muito mais do que olhar para a química que todo o processo envolve. É preciso avaliar o estilo de vida dos potenciais clientes, as suas necessidades mais básicas e, claro, as suas necessidades cutâneas mais específicas. Criar um creme envolve anos a fio de estudo, de probabilidade e de contratempos.
"O maior desafio é olhar para a beleza numa perspetiva de saúde da pele". João Roma, à data da entrevista ainda gestor de produto da La Roche-Posay em Portugal, refere que, nos dias que correm, "temos a necessidade de dar cada vez mais resposta a pessoas que não podem entrar em contacto com determinados ativos ou moléculas porque são alérgicos ou intolerantes. Isso é também um desafio para nós, tentar atenuar esta situação e ter cada vez mais informação disponível, faz todo o sentido, neste momento, a pessoa saber cada vez mais. A pessoa, assim, pode ter um papel decisivo na sua pele e saúde".
E por falar em informação, a descodificação de um rótulo é um dos desafios mais atuais desta indústria que move milhões de euros todos os anos. Em conversa com o Lifestyle ao Minuto, o antigo representante da La Roche-Posay defende que ajudar o consumidor a decifrar um rótulo "é cada vez mais a nossa aposta e na era digital é cada vez mais a nossa obrigação disponibilizar o máximo de informação possível de uma maneira compreensível. Não é despejar um monte de informação online, mas sim ter a informação trabalhada e de maneira a que seja percetível pelo consumidor, explicar os ativos e o que está lá e o que é que não está, especialmente no que diz respeito a alergénicos".
Também a professora Helena Oliveira - que, em parceria com os Laboratórios EDOL, criou o creme ATL, que passou de uso exclusivamente hospitalar para a casa dos portugueses - garante que o principal desafio na área da dermocosmética é aclarar a leitura de um rótulo, mas não só. Diz a especialista que um outro desafio atual é "colocar no mercado produtos seguros, isto é, que não façam mal à saúde e que sejam eficazes, porque a imagem é tão importante no meio social que o equilíbrio na dualidade segurança-eficácia (comprovada) é difícil".
Quando questionada sobre o que tem sido feito para ultrapassar este último desafio, a docente da Faculdade de Farmácia de Lisboa não hesita em dizer que a solução "passa muito pelo desenvolvimento de dois tipos de atuação. Do nosso lado, o da investigação, passa muito pelo desenvolvimento de novos ingredientes, de novas substâncias, de novas moléculas, mas também pelo desenvolvimento de formulações cada vez mais com melhores características para o consumidor mas que, por sua vez, façam com que o produto seja mais agradável, fácil de espalhar e tanha mais eficácia".
Na mesma de linha de ideias, o médico dermatologista Miguel Trincheiras destaca que "o grande desafio da dermocosmética atual é conseguir fazer chegar as moléculas bioativas ao local onde elas são necessárias e, em termos de envelhecimento cutâneo, conseguimos atuar relativamente bem a nível da epiderme, da hidratação do extrato córneo, de algum rejuvenescimento da epiderme, reorganização de células epidérmicas. Agora, a nível de derme, já temos mais dificuldade, uma vez que a permeabilidade da barreira cutânea é muito elevada e conseguir fazer chegar moléculas de tamanho superior às camadas intermédias e mais profundas da pele é praticamente impossível se recorrermos a cremes, só com produtos ou técnicas mais invasivas, como a mesoterapia. Penso mesmo que o grande desafio é conseguir arranjar veículos que façam penetrar moléculas de tamanho cada vez maior nas camadas mais profundas da pele e na derme".
Estará a dermocosmética preparada para fazer frente a este desafio atual num curto espaço de tempo? "Penso que sim", diz-nos, otimista, Miguel Trincheiras. Segundo o médico, que se dedica à dermatologia cirúrgica, lasers e dermocosmetologia, "todos os anos há um aparecimento de veículos e moléculas que facilitam a permeabilidade de outras moléculas, mas só entendo bem toda a composição e fisiologia cutânea é que poderemos ter moléculas que consigam penetrar na pele, se bem que a pele é um órgão muito complexo, que nos defende muito das agressões exteriores e da penetração transcutânea de elementos, quer sejam eles terapêuticos ou não".
Nome de código: Dermocompatibilidade
"Acho que, neste momento, a dermocosmética está a avançar para uma fase em que as pessoas têm diferentes preocupações com a saúde da sua pele, já não falamos apenas da dermocosmética numa ordem de beleza, as pessoas aperceberam-se de que a beleza começa na saúde da sua pele e a saúde da sua pele, por sua vez, não começa apenas por produtos que vão arquitetar patologias ou que vão corrigir situações, mas também por prevenir", destaca João Roma, que enaltece ainda que "a dermocosmética avança nessa ótica, em que todos os produtos têm, por um lado, de não ser agressivos para a pele, mas também, por outro lado, de prevenir as agressões de fatores externos. Depois dessa prevenção - todos os produtos têm de ter essa nuance de prevenir e de não serem eles agressivos - é que podemos partir para uma fase de correção de algumas situações e depois de beleza".
Parte da prevenção de que João Roma fala diz respeito aos cuidados que temos em geral com corpo, com particular destaque para a alimentação. Nos dias de hoje, está mais do que provado que cuidar daquele que é o maior órgão do corpo humano depende de uma série de cuidados com o corpo, com o organismo e até mesmo com a mente. Tudo isso fica a cargo da pessoa, mas a 'cereja no topo do bolo' pede algo mais científico... e é aqui que entra o futuro da dermocosmética e os novos avanços na formulação de produtos de cuidado dermatológico.
Na La Roche-Posay, conta João Roma, "temos um grande avanço nos nossos produtos e que implica um grande trabalho científico de pesquisa na área dos abióticos". Na prática, a marca dá as boas-vindas à "introdução de lisados bacterianos que são cultivados na nossa água termal e que nós chamamos de aquaposay filiformes", mas também a "uma tecnologia nos prébioticos, na introdução nos nossos produtos de elementos que são lisados de seres vivos e que vão ajudar no equilíbrio do microbioma da pele das pessoas. Neste momento temos já esses ativos na linha de hidratantes corporais Lipikar Baume AP+ e vamos introduzir na gama da acne".
"O que é interessante", frisa João Roma, "é que introduzimos prébioticos que vão intervir no equilíbrio natural da pele da pessoa. São produtos que dão para muitas pessoas, mas que têm uma resposta específica em cada tipo de pessoa. Descobrimos, com os nossos avanços científicos, que esse equilibrar natural é uma adição ótima [aos produtos dermocosméticos]. Há muito tempo falava-se dos desequilíbrios intestinais e neste momento estamos a avançar nesse sentido, mas na saúde da pele. O primeiro ato é combater este desequilíbrio e é nesse sentido que estamos a avançar. Aqui, chamamos de avanços de microbioma da pele, é o nosso standard a longo prazo".
De uma forma ainda mais detalhada, a professora Helena Oliveira fala de "três ou quatro linhas orientadoras" no futuro da dermocosmética. Na mesma linha de pensamento - e investigação - da La Roche-Posay, a especialista começa por dizer que "uma das linhas orientadoras tem a ver com microbioma e o microbiota, isto é, como é que a aplicação do produto pode interferir com a nossa flora. Temos bactérias e fungos ao princípio da pele, que vivem connosco e que são bons e que, com alguns produtos ou na forma como nos lavamos, podemos estar a alterar isso". Deste modo, "uma das linhas de investigação é saber como se podem criar produtos em que essas alterações sejam mínimas quando a pele está normal ou corrigidas quando a pele tem alterações".
A segunda linha de orientação refere-se à importância de fazer chegar às farmácias e lojas especializadas "um produto individualizado, adequado a cada pessoa, é como a medicina personalizada", algo que faz também parte das orientações já delineadas pela Nuxe. Julia Lacambra defende que o futuro da dermocosmética passa tanto pela individualização, como também pela generalidade: "Teremos as duas opções, em casos de patologias na pele será sempre necessário soluções específicas. Depois terá de haver sempre uma adaptação ao tipo, estado e idade da pele".
"Sabemos que neste momento existem imensas marcas no mercado e que cada uma delas oferece soluções cada vez mais específicas e essa é também a nossa missão, ter gamas cada vez mais diferenciadas para chegar às pessoas certas. Vamos sempre avançando, mas há sempre mais a descobrir. Vamos conseguir que um produto dê uma resposta específica a várias pessoas ao mesmo tempo", diz João Roma.
Mas é também preciso adaptar a indústria ao maior conhecimento e à maior exigência do público: "Em tempos falava-se de pele oleosa e acneia e desenvolviam-se produtos de ataque, neste momento, dentro deste tipo de produtos, temos já a opção com cor, com proteção solar, etc. Muitas opções diferenças por causa da exigência do consumidor", afirma João Roma.
Uma vez que a indústria da dermocosmética não tem apenas impacto direto na pele, a professora Helena Oliveira coloca como terceira linha orientadora para o futuro o "fim da cadeia", mais concretamente "o sustentável, o usar ingredientes e materiais de embalagem que não danifiquem tanto o ambiente".
Além da necessidade de alcançar a compatibilidade com o maior número de pessoas através de um único produto, a dermatologista Pucci Romano - que esteve à conversa com o Lifestyle ao Minuto sobre a importância de conhecer e respeitar a pele que nos veste -, vai mais longe defende que um dos mais importantes caminhos a seguir é o da ecodermocompatibilidade, isto é, a compatibilidade entre a boa saúde da pele de todos e a boa saúde do planeta.
"Existem muitos estudos científicos que provam que tudo o que faz mal à pele, faz mal ao ambiente e vice-versa". Segundo a especialista, "com um cosmético sustentável e ético" não só conseguimos "respeitar a pele", como também "podemos acautelar a qualidade do ambiente". "Creio que este é um objetivo standardizado", diz-nos.
Na Nuxe, esta aliança entre a pele e o planeta é já uma realidade e permanecerá como um dos principais pilares do futuro. "A proteção ambiental e a preocupação com o bem-estar estão enraizados na sociedade atual, olhamos cada vez mais para o que comemos, vestimos e usamos com uma perspetiva responsável para com o planeta e para com o nosso corpo. Na Nuxe conjugamos as duas propostas de valor: investigamos e desenvolvemos produtos que respeitam a nossa pele, com fórmulas maioritariamente naturais e não invasivas e temos desde sempre uma preocupação com o meio ambiente – impressão com tintas vegetais, os produtos que são retirados com água são facilmente biodegradáveis, criamos um boião exclusivo eco-design, o papel vem de florestas controladas, estes são alguns exemplos", esclarece a diretora ibérica da marca, Julia Lacambra.
Por fim, mas não menos importante nesta previsão sobre o futuro da dermocosmética, está "o digital, o fazer com que as tecnologias digitais levem os consumidores a saberem quais os melhores produtos", diz Helena Oliveira, que destaca a importância de informar mais e melhor como a quarta linha orientadora a seguir na indústria.
"As pessoas estão cada vez mais atentas, curiosas e isso é bom. Quando comecei há 40 anos havia mais ignorância, agora sabe-se mais, há mais marcas. É importante que o consumidor saiba ler bem a rotulagem", explica a professora.
Já para a Nuxe, conclui a representante ibérica da marca, "o futuro não será tanto fidelizar o consumidor senão criar afinidade com ele". Na prática, o objeitvo passa por informar e, com isso, "conectar com o mais profundo das suas emoções, e para conectar emocionalmente dispomos de ferramentas muito poderosas como as redes sociais e o mundo online. Trata-se de intercâmbios com o consumidor final e perceber como se sente para poder direcionar o melhor produto e o conselho mais adequado".