Manifestações no Chile são "princípio do fim" do neoliberalismo

O antigo embaixador do Chile em Portugal Fernando Ayala afirmou hoje que as manifestações no seu país são "o princípio do fim" do modelo económico neoliberal, que criou uma grande desigualdade social e é agora contestado pela população.

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Lusa
01/11/2019 16:22 ‧ 01/11/2019 por Lusa

Mundo

Chile

 

"Estas manifestações são o princípio do fim deste modelo económico neoliberal" que está implementado no Chile, declarou, numa entrevista telefónica à Lusa desde Santiago, o antigo embaixador chileno em Portugal.

"As pessoas já não aceitam, já não querem um modelo que permite a concentração da riqueza, a grande desigualdade que existe na sociedade chilena, na educação, na saúde, entre as pessoas", disse Ayala, atualmente consultor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO).

O país vive há duas semanas uma onda de grandes protestos - que já causaram pelo menos 20 mortos, centenas de feridos e detidos - que se iniciou devido ao aumento do preço dos bilhetes do metropolitano em Santiago.

O presidente do Chile, Sebastian Piñera (centro-direita), suspendeu entretanto o aumento na tarifa do metro, suspendeu também o estado de emergência decretado a 18 de outubro e trocou ministros, mas os protestos prosseguem em diversas cidades do país.

Fernando Ayala declarou que "aquilo que se passa no Chile é um fenómeno que não está isolado de outros lugares no mundo, pois passa-se também em várias grandes cidades", representando "o fim de uma época".

De acordo com o consultor da FAO, no Chile "é o fim de um processo iniciado em 1973, quando a ditadura militar de Augusto Pinochet (1973-1990) impôs um modelo económico baseado e implementado por economistas formados pela Universidade de Chicago ('Escola de Chicago' - associada ao liberalismo económico e a rejeição da regulamentação dos negócios)".

"A estrutura económica tradicional do Chile foi completamente transformada, tendo sido introduzida a privatização das grandes empresas do Estado, em processos bastante obscuros", indicou ainda.

Ayala referiu que houve ainda a privatização da educação, com as universidade privadas, e da saúde, que permitiu o surgimento de grandes empresas neste setor.

"O golpe final foi a privatização do sistema de pensões (reformas), tendo sido o Chile também o primeiro país a introduzi-la", sublinhou.

"Este modelo neoliberal acelerou o crescimento económico. No entanto, também como se passou em outros lugares do mundo, com a livre circulação financeira internacional, o livre fluxo de capitais, de recursos económicos, tudo isso criou um processo mundial de concentração da riqueza", afirmou.

Fernando Ayala lembrou que na lista da revista Forbes de 2019 sobre as maiores fortunas do mundo estão 11 chilenos, entre os quais o Presidente da República.

Sebastián Piñera -- que teve um primeiro mandato entre 2010 e 2014 e está à frente da Presidência chilena pela segunda vez desde março de 2018 - tem uma fortuna avaliada pela Forbes em 2.888 milhões de dólares, sendo a quinta pessoa mais rica do Chile.

O antigo embaixador chileno em Portugal disse ainda que é fundamental ser elaborada uma nova Constituição, mais democrática, pois a que está em vigor ainda é do tempo da ditadura militar e esta foi elaborada para servir o modelo económico neoliberal ainda em vigor.

O antigo embaixador alertou ainda que, "em explosões sociais como as que se verificam, surgem vários tipos de grupos, como os antissistema e, no Chile, há grupos anarquistas".

"Junto a uma manifestação massiva de milhões de pessoas que saíram e saem às ruas para manifestar pacificamente, também há grupos pequenos e organizados que, ao que parece, respondem à lógica anarquista, grupos anarquistas que procuram a violência, que querem destruir. Isto já está controlado e também já está a ser investigado" no Chile, disse Ayala.

Segundo o consultor da FAO, "são grupos anarquistas", visto que nos últimos 20 anos estes grupos têm colocado bombas em bancos, em locais públicos no Chile.

Fernando Ayala destacou ainda a elevada importância das redes sociais no Chile na organização das manifestações pacíficas e mesmo a sua influência na coordenação dos grupos mais radicais.

O antigo embaixador referiu ainda que "era inevitável" o cancelamento da cimeira da Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC) e da cimeira da ONU sobre mudanças climáticas (COP 25), que iriam ocorrer no Chile entre novembro e dezembro, devido aos problemas de segurança.

O presidente do Chile anunciou na quarta-feira que o país desistiu de organizar a conferência mundial sobre o clima da ONU (COP 25) e a cimeira do fórum de Cooperação Económica Ásia-Pacífico (APEC) devido aos protestos que abalam o país.

Fernando Ayala considerou que as manifestações devem continuar ainda no país, mas talvez não tão massivas e não tão violentas.

 

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