Poucas horas depois de a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro anular a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância, o juiz responsável pela execução da pena ordenou a libertação do antigo presidente do Brasil, aceitando assim o pedido da defesa.
Foi com euforia e emoção que as centenas de pessoas que se concentraram ao longo do dia nas proximidades da Polícia Federal, em Curitiba, receberam Lula da Silva, preso há 580 dias. O ex-presidente do Brasil, detido em abril de 2018, é agora novamente um homem livre.
À saída da prisão, Lula fez um discurso, onde cumprimentou vários dos seus "companheiros" e apresentou os seus advogados, a filha, o neto e a nova namorada, com quem irá casar.
"Além de continuar a lutar para melhorar a vida do povo brasileiro [...] Quero dizer alto e bom som [...] que o lado mentiroso da Polícia Federal que fez este inquérito contra mim, do Ministério Público e o Moro, eles têm que saber: Eles não prenderam um homem, eles tentaram matar uma ideia. Uma ideia não se mata, uma ideia não desaparece. Quero lutar para provar que, se existe uma quadrilha neste país, é isto que eles fizeram", considerou Lula.
Lula da Silva foi libertado após 580 dias © Reuters
"Eu não tenho mágoa da Polícia Federal, eu não tenho mágoa dos carcereiros, eu não tenho mágoa de ninguém. Tenho é vontade de provar que este país pode ser muito melhor na hora que tiver um governante que não minta tanto pelo Twitter como o [presidente Jair] Bolsonaro mente", disparou.
O ex-presidente também disse que saía da prisão sem ódio e que no seu coração só havia "espaço para o amor porque o amor vai vencer neste país." "A porta do Brasil estará aberta para que eu possa percorrer este país", referiu ainda. "Do fundo do coração obrigado. Serei eternamente grato e fiel", gritou aos manifestantes.
Histórico líder do PT foi recebido euforicamente pelos seus apoiantes© Reuters
Já no carro, e acompanhado da namorada, Lula da Silva divulgou um vídeo no Facebook para deixar uma palavra de gratidão a todos quantos o apoiaram e uma promessa de luta "até à vitória final".
"Acabei de sair da Polícia Federal depois de 580 dias e passei na vigília para agradecer. É uma dívida de gratidão que tenho com eles. Essas pessoas estão aí por consciência política porque acreditam que um outro Brasil é possível construir, porque acreditam na luta que fizeram comigo neste país e ajudaram a melhorar a vida do povo", disse.
O ex-presidente sublinhou que os dados da economia do país dão conta que "o brasileiro está mais desempregado, está a ganhar menos, está a viver pior. É muito triste". E garantiu: "saio com vontade de lutar. Quero falar bem do povo brasileiro e das coisas que é possível fazer neste país"
Da Argentina a Cuba, passando por Portugal, o mundo reage
Após a libertação de Lula, multiplicaram-se as reações. A ex-presidente Dilma Rousseff contou que falou com o seu antecessor pelo telefone pouco depois de este ter saído da prisão. "Ele percebe que tem pela frente um caminho muito importante contra a perda de direitos no Brasil. Ele está muito disposto a ir a todos os lugares do Brasil e ter uma posição de clara resistência. Está muito consciente da sua importância e do seu desafio como o grande representante da esperança no Brasil", disse.
Fora das fronteiras do país, políticos da esquerda europeia também assinalaram o momento da libertação de Lula. "A prisão do ex-presidente Lula foi injusta e errada. Fico feliz que Lula esteja agora livre e que possa retomar o seu trabalho como um socialista comprometido, e líder do Partido dos Trabalhadores. O Brasil precisa do tipo de mudança real com a qual Lula sempre se comprometeu. Lula Livre", escreveu o líder do Partido Trabalhista do Reino Unido, Jeremy Corbyn.
Do lado francês, Hollande diz acreditar que Lula usará a sua liberdade para servir o Brasil. "O lugar de Lula não era na prisão. A liberdade foi-lhe restaurada, sei que ele a colocará a serviço do Brasil", declarou o ex-chefe de Estado francês.
Por Portugal, PCP e Bloco de Esquerda saudaram a libertação do histórico líder do PT. Para os comunistas, tratou-se de uma "vitória contra a injustiça". Bloquistas dizem que libertação é "um ato de justiça e demcracia".
O Presidente da Argentina, Alberto Fernández, e a sua vice-presidente, Cristina Kirchner, também celebraram a saída da prisão do antigo chefe de Estado brasileiro, encarceramento que classificaram de "aberração" e "perseguição".
Por sua vez, o deputado federal Eduardo Bolsonaro comentou a decisão do Supremo falando num "dia triste para o Brasil honesto". Recorrendo ao Twitter, o filho do atual presidente disse: "Chega de impunidade, o Brasil não aguenta mais". "Além de Lula, Zé Dirceu e outros quadrilheiros, milhares de criminosos serão soltos no país, fazendo com que você fique à mercê de seus atos malignos. É isso que você quer para seu futuro? Lutaremos até o fim contra isso", frisou.
CHEGA DE IMPUNIDADE, O BRASIL NÃO AGUENTA MAIS!Além de Lula, Zé Dirceu e outros quadrilheiros, milhares de criminosos serão soltos no país, fazendo com que você fique à mercê de seus atos malignos.É isso que você quer para seu futuro? Lutaremos até o fim contra isso. pic.twitter.com/KmQupiXxQc
— Eduardo Bolsonaro (@BolsonaroSP) November 9, 2019
Jair Bolsonaro ainda não se manifestou sobre o assunto.
Recorde-se que juiz Danilo Pereira Júnior, da 12ª Vara Criminal Federal de Curitiba, autorizou a saída imediata de Lula da Silva da prisão. Luiz Inácio Lula da Silva, que governou o Brasil entre 2003 e 2010, viu a sua libertação decidida por um juiz em menos de 24 horas.
Em causa está a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) brasileiro, que anulou, na quinta-feira, a possibilidade de prisão de condenados em segunda instância, alterando um entendimento adotado desde 2016. Sérgio Moro, atual ministro da Justiça, afirmou respeitar a decisão de proibir execução da pena após condenação em segunda instância, mas sublinhou que o Congresso pode reverter a jurisprudência firmada pelo STF.
Com a decisão, réus condenados só poderão ser presos após o trânsito em julgado, ou seja, depois de esgotados todos os recursos, com exceção para casos de prisão preventiva decretada.
O histórico líder do Partido dos Trabalhadores (PT) foi preso após ter sido condenado em segunda instância pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4), num processo sobre a posse de um apartamento, que os procuradores alegam ter-lhe sido dado como suborno em troca de vantagens em contratos com a estatal petrolífera Petrobras pela construtora OAS.