"Nesta crise económica devido à pandemia do coronavírus, o Governo quer ficar com todos os dólares que há na economia e não usar mais nenhuma reserva para pagar dívida até o final do ano. Isso é 'default' seletivo com credores locais, mas, em última instância, é 'default' da dívida pública porque altera os termos dos contratos com os credores", disse à Lusa o economista Martín Tetaz.
Segundo uma nota do Ministério da Economia argentino, "determina-se o adiamento dos pagamentos dos serviços de juros e de amortizações de capital da dívida pública nacional instrumentada através de títulos denominados em dólares norte-americanos emitidos sob lei argentina até 31 de Dezembro de 2021 ou até data anterior que o Ministério da Economia determinar, considerando o grau de avanço e de execução do processo de restauração da sustentabilidade da dívida pública".
Com esta medida, o Governo argentino decide adiar de forma unilateral cerca de 3,3 mil milhões de dólares (3 mil milhões de euros) dos 8,4 mil milhões de dólares (7,7 mil milhões de euros) emitidos sob as leis argentinas que vencem neste ano. A diferença é a dívida dentro do setor público que fica excluída do decreto, que será hoje publicado.
Ficam excluídos também os credores privados sob legislação estrangeira com os quais o Governo pretende iniciar uma negociação da dívida para uma reestruturação de 68.842 milhões de dólares (63.672 milhões de euros) da dívida total de 323.177 (milhões de dólares 298.910 milhões de euros).
Além dos credores privados, a Argentina também tem de reestruturar 44.000 milhões de dólares com o Fundo Monetário Internacional.
Com a medida, o Governo prioriza as negociações externas, mas contradiz as próprias afirmações do ministro da Economia, Martín Guzmán, que na semana passada disse que "os títulos públicos sob legislação argentina teriam o mesmo tratamento do que aqueles sob legislação estrangeira".
O ministro Guzmán deve anunciar, nos próximos dias, a proposta argentina aos credores privados externos numa negociação que vem atrasada. O Governo tinha estabelecido o dia 31 de março como a data limite para uma renegociação.
No texto do decreto o Governo argentino indica que "a pandemia do coronavírus alterou os prazos previstos oportunamente" e que "a dinâmica e o impacto do coronavírus sobre a saúde pública somados à situação económica e social imperante tornam impossível continuar com o processo ordinário para a sansão de leis".
Como a decisão de adiar os pagamentos da dívida em mãos de credores argentinos, o Governo ganha mais prazo para lidar com os credores externos privados. A medida pode ser lida como uma vontade de evitar um "default" total da dívida, mas a leitura dos mercados, no entanto, pode complicar a situação com esses credores estrangeiros porque emite o sinal de uma negociação agressiva.
"A Argentina tem de fechar rápido um acordo e com fortes reduções de capital e de juros, mas dificilmente as duas coisas são possíveis", afirmou à Lusa o economista Fausto Spotorno.
Antes da pandemia da covid-19, a Argentina combinava elevada inflação anual (53,8% em 2019) com forte recessão (quedas de 2,5% em 2018 e de 2,1% em 2019). Sem coronavirus, o governo calculava uma nova contração de 1,5% em 2020. Com coronavirus, os economistas privados, calculam que a queda seja de 4%, podendo chegar a 7%. Antes do coronavirus, o governo calculava um défice fiscal de até 1,5% do PIB. Segundo consultoras privadas, deve ficar agora em 3%.
Em paralelo ao aumento de contágios, a taxa de risco-país da Argentina superou os 4.000 pontos e os títulos públicos passaram a valer entre 25% e 30% do seu valor facial, indicando que o país está, aos olhos dos credores, à beira de um novo default.