A sessão plenária da Assembleia Popular Nacional, o mais importante evento anual na agenda política da China, começa na sexta-feira, após ter sido adiada por dois meses e meio devido à epidemia da covid-19.
Não se sabe ainda se este ano o Governo chinês vai rever a meta de crescimento económico, depois de uma contração de 6,8%, no primeiro trimestre, e face à incerteza global e às tensões entre Pequim e Washington, na sequência da pandemia, que desencadeou críticas e intensificou a competição ideológica entre a China e os Estados Unidos (EUA) e alguns países europeus.
Um analista do Centro de Estudos Carnegie-Tsinghua, no norte de Pequim, alertou para os riscos de uma batalha ideológica entre a China e os EUA, numa altura em que os dois países enfrentam uma prolongada guerra comercial.
"As acusações são mútuas e aumentam o risco de as duas sociedades se distanciarem. Existe uma barreira de comunicação que continua a crescer", advertiu Tong Zhao.
O analista apontou que a relação entre Pequim e Washington se assemelha cada vez mais à Guerra Fria e admitiu que a China não estava preparada para a acelerada mudança no ambiente externo.
"A China poderá ficar de fora das cadeias de fornecimento e do acesso à tecnologia do resto do mundo. Embora tenha feito progressos nas últimas décadas, o país ainda precisa de desenvolver muitos setores", disse.
"Pequim queria impedir esse confronto, mas agora está completamente fora do seu controlo", acrescentou.
Para Ryan Manuel, diretor do Official China Ltd, unidade de investigação com sede em Hong Kong, e ex-analista do Governo australiano para assuntos da China, o surto do novo coronavírus vai reforçar a centralização do poder na China, à medida que o ceticismo sobre os poderes locais credibiliza o modelo de governação autoritário do Presidente Xi Jinping.
"A crise mostrou mais uma vez a Xi Jinping que ele não pode confiar nos governos locais", observou.
Os primeiros casos da covid-19 surgiram na cidade de Wuhan, no centro da China, em dezembro passado.
Após uma lenta reação inicial e de ter silenciado médicos que alertavam para os perigos de uma nova doença contagiosa, o Governo chinês tomou medidas drásticas, incluindo colocar a província de Hubei, da qual Wuhan é capital, sob quarentena, que resultaram na suspensão da atividade económica do país.
Para Ryan Manuel, a crise de saúde pública reforçou a descrença de Xi no modelo de governação herdado do antecessor Hu Jintao, que se limitava a assumir o papel de "coordenador", atribuindo mais poderes e incentivos aos governos locais.
"Xi não gosta disso e a crise só vai acelerar esta tendência, de que ninguém pode fazer as coisas particularmente bem, exceto o Governo central", apontou. "E, mesmo dentro do centro, apenas os grupos de trabalho que lhe são mais próximos", acrescentou.
Nas semanas seguintes ao início do surto, os órgãos oficiais do regime dirigiram as culpas para as autoridades de Hubei. Vários altos quadros da província e de Wuhan, incluindo os respetivos secretários do Partido Comunista, foram substituídos.
Ao contrário do surto da Síndrome Respiratória Aguda Grave, ou pneumonia atípica, entre 2002 e 2003, quando a má gestão e ocultação de informações cruciais levou à queda do presidente da câmara de Pequim e do ministro da Saúde, nenhum membro do Governo central foi desta vez afastado.
"Historicamente, a tensão entre o poder central e as províncias foi sempre um conflito importante na China", explicou Ryan Manuel.
Desde que ascendeu ao poder, em 2013, Xi Jinping reforçou o caráter totalitário do regime, revertendo as normas estabelecidas por Deng Xiaoping, de acordo com observadores.
Arquiteto-chefe das reformas económicas que abriram a China ao mundo, Deng procurou basear a tomada de decisão num processo de consulta coletiva, separar o Partido do Governo e descentralizar a autoridade pelas províncias e localidades, para evitar os excessos maoistas que quase destruíram a China.
Dada à dimensão da China e consequente dificuldade em controlar cada município, cidade vila ou aldeia, o analista apontou que Xi vai continuar a "alterar as regras internas de disciplina do Partido Comunista Chinês para obrigar todos os seus membros a seguirem certas diretrizes".
"Para garantir a sua autoridade, Xi certificou-se que controla todos os os órgãos disciplinares", explicou.
Durante a sessão anual, os quase três mil deputados do órgão máximo legislativo da China estão encarregados de aprovar projetos de lei, o relatório do Governo ou o orçamento de Estado.
Estes deputados são oriundos de todo o país e eleitos por cinco anos, pelas assembleias das diferentes províncias, regiões autónomas, municípios, regiões administrativas especiais e forças armadas chinesas.