A primeira barragem de Cabo Verde na Ribeira, que voltou a ser 'Seca'
Após três anos de seca, é desolador o cenário na barragem de Poilão, a primeira construída em Cabo Verde, que deu vida nova à Ribeira Seca, mas que agora está praticamente sem água e a fazer jus ao nome.
© Lusa
Mundo Cabo Verde
"Há três anos estamos a viver com a seca e, como se pode ver, não temos nada. Hoje fazemos parte da Ribeira Seca, sem nada", desabafou à agência Lusa o vice-presidente da Associação dos Agricultores da Barragem de Poilão, Adilson Varela, mais conhecido por Nelson.
A barragem de Poilão, situada no município de São Lourenço dos Órgãos, foi a primeira infraestrutura hidráulica do tipo construída em Cabo Verde, financiada pelo Governo da China e inaugurada há 14 anos, em 03 de julho de 2006.
A infraestrutura, que beneficia ainda diretamente o concelho de Santa Cruz, tem 153 metros de comprimento, 26 de altura e capacidade para reter 1,7 milhões de metros cúbicos de água.
Após ter começado a receber água, Nelson recorda que tudo passou a ser em abundância na região, desde produtos nos mercados, trabalho para todos os agricultores e pasto para os animais.
Após a sua inauguração, a barragem chegou a transbordar em anos seguintes, cobrindo toda a região de verde, transformando-se num ponto de atração turística e da realização de sete edições da festa do milho, em 01 de novembro, com centenas de pessoas e o comércio a fluir nas imediações.
Mas desde 2017, por causa da falta de chuva, não se realizou a tradicional festa do milho, a pouca água que havia ainda na albufeira secou e tudo começou a ficar castanho e cinzento, num cenário desolador.
A barragem beneficiava muitos agricultores a montante, mas sobretudo a jusante, na bacia hidrográfica da Ribeira Seca, que durante anos esteve molhada, mas agora está novamente a fazer jus ao seu nome, disse o vice-presidente da associação de agricultores.
E logo que se começa a falar do cenário nas imediações da barragem de Poilão, Nelson respira fundo, desvia o olhar e descrever o drama vivido nos últimos três anos por mais de 200 agricultores da Ribeira Seca.
"Agora estamos neste cenário sem nada", prosseguiu, afirmando que muitas famílias da região têm enfrentado dificuldades, mas concretamente em Lém Jorge, a zona onde mora com a família, que já faz parte do município de Santa Cruz.
Para atenuar as dificuldades, Nelson, 36 anos, não tem dúvidas que a solução seria fazer um furo na ribeira, que a associação pediu assim que a água da barragem começou a secar.
Mas até agora a procura de água no subsolo não chegou a acontecer. "Pelo menos um furo para combatermos a seca, mas agora ficámos sem nada", disse, referindo que foi feita uma perfuração com água apenas para abastecer a população.
"Agora dependemos da chuva para ver se as coisas melhoram", continuou o agricultor, apontando para os tubos que antes eram utilizados para rega gota-a-gota, mas que agora estão estendidos nas terras secas, sem escorrer um pingo de água.
Contactado via telefone pela agência Lusa, o delegado do Ministério da Agricultura e Ambiente dos municípios de São Lourenço dos Órgãos e Santa Cruz, António Andrade, começou por lamentar a situação provocada por três anos consecutivos de seca severa no país.
Segundo o responsável, a água que existia na barragem deu para regar algumas parcelas de terreno até meados de 2019, sendo que até agora está-se a usar uma perfuração mista na ribeira, tanto para rega, como para abastecimento da população.
Os agricultores reclamam mais uma perfuração para agricultura, mas o delegado esclareceu que, desde que o país vive esta situação de seca, que a prioridade primeira da pouca água é para as pessoas, seguida dos animais e só em terceiro lugar as plantas.
"Achamos que neste momento não é necessário fazer novas perfurações porque temos uma quantidade mínima de água nos lençóis freáticos. E também estamos a correr o risco de não encontrar água, pelo que não é sustentável agora", afirmou António Andrade.
O delegado disse que o que o Ministério tem feito é melhorar o furo já existente, que é bastante produtivo, mas que devido a uma avaria reduziu a sua capacidade de fornecimento de água de 200 metros cúbicos por dia, para os atuais 12 metros cúbicos por hora para rega e 10 metros cúbicos para abastecimento da população.
Devido ao consumo elevado de combustível, António Andrade adiantou que já há financiamento para equipar o furo com uma bomba com mais capacidade e instalar painéis solares, e assim reduzir os custos de combustível e levar água para rega a um reservatório de 100 metros cúbicos.
Além de Poilão, Cabo Verde conta com mais sete barragens, em Saquinho (Santa Catarina), Faveta (São Salvador do Mundo), Salineiro (Ribeira Grande), Flamengos (São Miguel), todas em Santiago, Banca Furada e Fajã (São Nicolau) e Canto de Cagarra (Santo Antão).
Em fevereiro de 2018, no primeiro ano de seca, o presidente da Agência Nacional de Água e Saneamento (ANAS), Manuel Moura, avançou que as barragens do país estavam na altura com menos de 3,6% da sua capacidade.
Em janeiro deste ano, o Governo cabo-verdiano declarou a situação de emergência hídrica em todo o país até outubro próximo, devido à seca acumulada nos últimos anos, admitindo neste período limitações temporárias ao consumo de água.
A chuva voltou a cair em julho em alguns pontos do país, enquanto os agricultores cabo-verdianos esperam mais precipitações neste e no próximo mês para evitar mais um ano de seca no arquipélago.
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