"O verdadeiro programa de estímulo para a economia, o verdadeiro plano de recuperação, é o programa de vacinas. Faz mais isso pelo regresso da economia a uma certa forma de normalidade do que qualquer estímulo orçamental ou monetário", afirmou o atual presidente da Aliança Global para as Vacinas (GAVI), salientando, porém, e perante a dimensão da atual crise, que o "esforço de ativismo orçamental e monetário" sem precedentes feito pelas maiores economias do mundo, incluindo na União Europeia (UE), é igualmente essencial para evitar uma "depressão profunda da qual seria muito mais difícil sair".
O ex-primeiro-ministro português falava durante uma iniciativa conjunta das entidades Vida Imobiliária e Confidencial Imobiliária hoje promovida através de uma plataforma 'online' sob o mote "O Futuro pós-pandemia - O Papel da Europa".
"Se conseguirmos controlar a pandemia, a fase mais aguda (...). Então pode ser que tenhamos uma recuperação, a chamada recuperação em V - não vai ser um V perfeito -, mas uma recuperação que será mais rápida do que aquela que tivemos como consequência da crise financeira de 2008 e nos anos seguintes", anteviu Durão Barroso, que desde o início deste mês assumiu a presidência da GAVI, instituição que traçou como "cenário aspiracional" controlar a pandemia da doença covid-19 até ao final de 2021.
"A análise que fazemos na GAVI, neste momento, é que será possível atingir, com toda a prudência, excetuando casos que neste momento ainda não foram detetados, mas que podem acontecer - por exemplo, variantes do vírus às quais a vacina não faça efeito ou então catástrofes grandes na aplicação - um controlo razoável desta pandemia no final do ano de 2021", prosseguiu.
Durão Barroso frisou, no entanto, que a eficácia do programa de vacinação irá passar sobretudo pela atuação dos sistemas de saúde dos países.
"Não é a GAVI, nem sequer a UNICEF, nem a Organização Mundial da Saúde (OMS), nem a UE, que vão aplicar as vacinas, são os sistemas nacionais de saúde dos países. Alguns vão fazê-los bem, outros vão fazê-los mal, outros vão fazê-los assim a assim", afirmou o representante, sem referenciar casos concretos.
Sobre a resposta da Europa perante a pandemia e a consequente crise económica, o ex-presidente da Comissão Europeia (entre 2004 e 2014) avaliou a atuação da UE como "forte" e "robusta", uma reação que, na sua opinião, "também beneficiou muito da experiência adquirida".
"Existiram tabus que foram quebrados na anterior resposta à crise que desta vez já não foi necessário quebrar", declarou Durão Barroso, indicando que o plano de recuperação económica negociado em Bruxelas, "no qual estamos a falar de dívida europeia, da mutualização da dívida", é "um grande passo em frente na integração".
"Em geral, a UE está a responder bem, mas ainda há muito coisa que falta fazer", prosseguiu, lembrando, uma vez mais, que "muitas das medidas, a maior parte aliás" terão de ser "levadas a cargo a nível nacional".
Admitindo querer ser prudente sobre o sentido da evolução pós-pandemia, Durão Barroso avançou na sua intervenção com um exercício de análise de tendências.
"Não sei se esta crise vai dar uma mudança radical de paradigma (...), mas há tendências que já se vinham a verificar e que a pandemia alargou, aprofundou e, em termos gerais, intensificou", referiu o ex-primeiro-ministro português (entre 2002 e 2004), enumerando quatro disposições que irão marcar um cenário futuro: "Desglobalização, Diversificação, Digitalização e Descarbonização".
E à luz destas tendências, Durão Barroso analisou a atuação e a evolução da UE, que considera estar a chegar "finalmente à idade adulta".
"A Europa está bem em alguns destes aspetos", disse o representante, lembrando que o bloco comunitário, mesmo antes desta crise, já tinha definido como motivos essenciais a transição verde e a transição digital.
Segundo Durão Barroso, a Europa "tem vindo a fazer uma evolução" e cada vez mais se fala em "soberania europeia", em "autonomia estratégica" e "até numa comissão mais geopolítica".
"A Europa atualmente está a ver-se mais em termos de poder. (...) Estamos a perceber que se queremos defender o projeto europeu, temos de ser às vezes duros em relação às questões que vêm de fora. (...) Temos de ter uma visão política em relação ao comércio, ao investimento, à tecnologia", concluiu.
A GAVI é uma parceria público-privada que ajuda a vacinar metade das crianças do mundo contra algumas das doenças mais mortíferas.
A organização tem um papel central na conceção da iniciativa COVAX, liderada pela OMS, que visa assegurar o acesso global e equitativo às vacinas contra a covid-19.