No Brasil, país com grandes diferenças geográficas e desigualdades socioeconómicas, a volta gradual dos estudantes às salas de aulas divide a população.
Muitas famílias temem que o ensino presencial provoque um aumento de casos de covid-19 no país, que contabiliza mais de 240 mil mortes e pelo menos 9,8 milhões de infetados pelo novo coronavírus.
Mas outra corrente numerosa alega que prefere ver os filhos nas escolas, porque teme os efeitos negativos do isolamento social entre jovens e crianças ou porque não têm condições de prover alimentos ou acesso contínuo e adequado às aulas remotas.
Especialistas e autoridades governamentais também se dividem, no entanto há um número maior de pessoas a defender o regresso das atividades presenciais, face ao aumento do abandono escolar e o aumento da desigualdade social no país no último ano.
Em São Paulo, as aulas retornaram com a adoção de modelo híbrido, ou seja, conciliando ensino à distância e presencial, nas escolas públicas e privadas.
No Rio de Janeiro, as atividades também começaram em algumas escolas, mas na rede pública estadual o retorno acontecerá em 01 de março, com ensino presencial e remoto.
Outros estados como o Ceará, Espírito Santo, Goiás e Maranhão, Paraná, Pernambuco, Piauí e Rio Grande do Norte também permitiram o retorno das aulas presenciais entre janeiro e fevereiro, num modelo que combina com o ensino à distância.
Marcelo Otsuka, médico e vice-presidente do Departamento de Infetologia da Sociedade de Pediatria de São Paulo, disse à Lusa que é favorável ao retorno presencial dos alunos às escolas.
"Sabemos que as crianças costumam ter um quadro mais tranquilo quando infetadas pelo novo coronavírus, o que não significa que não possam desenvolver problemas graves. Em comparação com outras doenças, porém, sabemos que a gravidade da covid-19 não é tão elevada e a maioria dos casos são assintomáticos", defendeu o médico.
"A população com idade abaixo de 19 anos no Brasil representa 25% de toda a população brasileira. O número de casos de pessoas que precisaram de atendimento médico abaixo de 19 anos representa 2,46% do total de casos que temos no país. A taxa de mortalidade abaixo de 19 anos representa 0,6% de todos os óbitos", acrescentou.
O pediatra avaliou que o impacto da transmissão da covid-19 por crianças para terceiros tem-se revelado baixo e frisou que frequentar escolas é fundamental para o desenvolvimento e a saúde mental de jovens e crianças.
"Toda a parte de sociabilização de desenvolvimento neuropsicólogo tem sido extremamente prejudicado. O desenvolvimento intelectual, objetivo primário da educação, também tem sido muito prejudicado e este prejuízo pode se tornar irreversível. As crianças precisam retornar à escola por causa disto", defendeu.
Katia Soveral, portuguesa que possui cidadania brasileira, é mãe de Maria, de 16 anos, também nascida em Portugal, e vai permitir o retorno da filha às aulas presenciais em São Paulo, na próxima semana.
"Se você for pensar, os adolescentes, de um modo geral, ficaram um ano sem ter contacto físico com outros adolescentes. Não sei o que é pior, prender e não deixar ela retornar para a escola ou ela cair em uma depressão profunda", contou.
"Vejo a felicidade dela com a volta às aulas. É muito difícil você como mãe negar. Estou com um medo enorme, mas a Maria já tem consciência do que pode ou não fazer (...) Este primeiro mês eu vou deixar e vamos ver o que acontece. Ela está muito empolgada, a mochila com as coisas da escola já está pronta há mais de uma semana", acrescentou.
Katia Soveral contou que a escola onde a filha estuda é pública, mas as salas são grandes e ventiladas. No retorno das aulas presenciais, as turmas foram divididas em grupos de 12 alunos, que deverão comparecer uma semana por mês.
No entanto, a mãe reconheceu que estas condições não se repetem em todas as escolas do país e frisou que a sociedade e os governos deveriam discutir mais como será o regresso dos alunos às salas de aula.
"Em muitas escolas públicas não há nem papel higiénico. Temos de lutar para que exista alguma forma de testarem os alunos para verificar se contraíram ou não o vírus e melhorar a estrutura para as aulas voltarem", frisou.
Dados do último Censo Escolar realizado em 2018 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que 26% das escolas do país não têm acesso a elementos básicos como abastecimento de água e quase metade (49%) não tem acesso à rede pública de esgoto.
Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) alertaram, num relatório de agosto do ano passado, que 39% das escolas do Brasil não dispõe de estrutura para os alunos lavarem as mãos, ato de higiene essencial no combate à covid-19.
Diante deste quadro, professores e funcionários de escolas, principalmente da rede pública, mostram-se reticentes ou contrários à volta das aulas presenciais.
O Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), que tem a maior rede pública de ensino do país com 151.721 docentes e 5.100 escolas, convocou uma greve contra o regresso das atividades presenciais.
"Não somos contra a reabertura das escolas por ser contra. Somos contra pelo quadro da pandemia no país e no estado de São Paulo. Somado a isto há a questão estrutural, como estão as estruturas das escolas públicas. Temos salas de aula, mais de mil delas, que são improvisadas e não tem arejamento [ventilação]", contou.
"Neste momento de pandemia não há um ambiente favorável para voltar 35% dos alunos às aulas presenciais [como determinou o governo regional de São Paulo]", acrescentou.
A representante dos professores também advogou uma reorganização do plano de vacinação para incluir os profissionais da educação na lista de prioridades.
Para monitorar o número de pessoas contagiadas que estiveram na rede de ensino no estado, a Apeoesp criou uma lista no seu 'site' onde atualiza informações com nome de escolas.
Segundo o sindicato, até 15 de fevereiro foram registados 340 casos de covid-19 de pessoas que trabalham ou estudam em 194 escolas públicas do estado.
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