Moçambique: Deslocados enganam a fome com folhas de feijão e sal
As folhas de feijão que crescem junto à casa precária em Pemba enganam a fome da família de 30 pessoas de Virgílio Chimuemue, 61 anos, deslocados da guerra em Cabo Delgado, norte de Moçambique.
© Lusa
Mundo Ataques/Moçambique
"Sem ajuda, fico muitos dias com sacrifício, só com essas folhas aí. Sempre cozinhamos e damos com sal. E as crianças comem assim mesmo. Folhas de feijão que eles sempre recolhem e comem", descreve à Lusa.
Não há comida que chegue, "mas as crianças dormem melhor. As crianças podem brincar", longe do som das armas dos grupos insurgentes que atacam a província há três anos e meio.
O preço da segurança é a fome, porque Virgílio teve de largar as terras férteis de Muidumbe, onde sempre viveu a "culimar a machamba", a arte de trabalhar a horta.
"Poupamos [os donativos] a comer uma vez por dia", reservando sacos de farinha de milho para os mais novos, netos de Virgílio.
"Verificamos as crianças e quando estão pior é quando vamos preparar", diz, ao apontar para os sacos sob um abrigo de estacas e lonas onde tachos e panelas estão espalhados pelo chão arenoso.
Hoje é um dos dias em que os sorrisos se abrem para receber um apoio reforçado da Cáritas.
"Nestes sacos há feijão-nhembe, que coze mais rápido, porque sabemos que não têm carvão", explica Betinha Ribeiro, da equipa de apoio humanitário que calcorreia numa viatura de caixa-aberta os caminhos impróprios do bairro Expansão.
Caminhos com tantas valas escavadas pela chuva que deixam longe um bairro colado à cidade.
Açúcar, esparguete, óleo, são luxos desta doação.
Lá está também o arroz que vai logo ao lume num tacho que servirá para todos.
"Aqui eu não tenho emprego, fico assim, sempre, um deslocado", queixa-se Virgílio, sem dinheiro "para comprar comida".
Outra associação religiosa, a Arco-Íris, também traz alimentos ocasionalmente à família, sem mais respostas de apoio, apesar de estar identificada.
"Só vêm aí, escrevem os nossos nomes, mas não trazem nada. Utilizam os nossos nomes de refugiados", queixa-se Virgílio, sem conseguir perceber o que falha.
Do que tem a certeza, é que não pode voltar atrás.
"Andámos duas semanas no mato, sem comer", durante a fuga de Muidumbe, em 2020, e essa é a pior das memórias.
Os sacos estão contados, o poço de onde a família se abastece com água potável está verificado e é hora de a equipa de apoio humanitário voltar a Pemba.
Há mais deslocados para receber, oriundos de Palma, alvo do mais recente ataque terrorista, a precisar de apoio alimentar que escasseia para responder a uma crise humanitária crescente em Cabo Delgado.
Leia Também: Moçambique. Missão de apoio da UE "vai chegar a bom porto"
Descarregue a nossa App gratuita.
Oitavo ano consecutivo Escolha do Consumidor para Imprensa Online e eleito o produto do ano 2024.
* Estudo da e Netsonda, nov. e dez. 2023 produtodoano- pt.com