"Já se antecipava que esta cimeira da SADC não iria ser capaz de adotar medidas concretas, devido à divisão de opiniões que existe no seio da SADC e também à falta de meios e de efetivos que se possam oferecer para uma intervenção em Cabo Delgado", disse Andre Thomashausen, em declarações à Lusa, no final da cimeira de Defesa e Segurança da SACC, que juntou seis chefes de Estado da região na capital moçambicana, Maputo.
Os líderes de Moçambique, Botsuana, Maláui, África do Sul, Zimbabué e Tanzânia condenaram, em comunicado, no final da Cimeira Extraordinária da Dupla Troika da SADC, que integra os países das 'troikas' do Órgão de Defesa e Segurança e da Troika da SADC, os "atos de terrorismo contra civis inocentes" na região norte do país vizinho, manifestando "solidariedade para com o Governo e o povo de Moçambique".
De acordo com o comunicado, os seis líderes regionais indicaram também que vão "enviar imediatamente uma equipa técnica para Moçambique" e realizar "uma reunião ministerial de emergência em 28 de abril de 2021 que apresentará um relatório à Cimeira Extraordinária do Órgão da Troika da SADC em 29 de abril".
"Assim, é pouco, manifesta uma solidariedade, mas é interessante por aquilo que não diz, não apela à comunidade internacional para intervir, não apela à União Africana para intervir, não apela a países amigos que já têm oferecido assistência militar, entre eles Portugal, mas também os Estados Unidos", sublinhou à Lusa Andre Thomashausen.
Na ótica deste analista, "não tendo reagido a essas ofertas, a SADC claramente indicou que prefere tratar desta crise ao nível regional e africano, e sem interferência estrangeira".
"A razão bastante evidente para isso, é que aqui na região SADC não há quem sinta uma admiração pelas atuações antiterroristas da União Europeia e dos Estados Unidos em vários países em crise, nomeadamente no Mali, na Somália, na Síria, na Líbia, entre outros, porque as intervenções antiterroristas do Ocidente têm sempre resultado em campos de batalha com terra queimada, destruição das instituições e criação de instabilidade ou mesmo anarquia e ausência da administração do Estado nesses países afetados, e aqui na região ninguém deseja que isso aconteça no norte de Moçambique", frisou.
Thomashausen salientou que os países da região Austral do continente "continuam assim a apostar na sua própria iniciativa, no seu próprio empenhamento", considerando que "haverá certamente cooperação" regional, nomeadamente do Governo de Pretória.
"A África do Sul, que já tem um muito pequeno e muito discreto destacamento em Cabo de Delegado, vai continuar a prestar apoio, nomeadamente ao nível da recolha de informações dos serviços de inteligência para melhor entender quem são esses insurgentes e como se poderá tentar dialogar e definir as suas reivindicações e o mal-estar que existe em Cabo Delgado, porque esta insurgência já se está a tornar numa revolta popular", afirmou.
Todavia, este académico adiantou que "é claro que nem a SADC, nem Moçambique, convida seja quem for para fazer uma intervenção militar, o que não exclui que certos países ou determinadas capacidades sejam bem-vindas para assistir".
"Na recolha de informações, na formação de pessoal especializado, no reequipamento das Forças de Defesa e Segurança moçambicanas, que é o que a União Europeia tem vindo a oferecer e que Portugal está em vias de implementar, numa missão de formação especializada", adiantou.
"Mas creio que não vai haver uma intervenção militar nem humanitária porque também existe essa categoria de Estados a assumirem a responsabilidade para assistir, e creio que Moçambique não tem intenções de autorizar uma tal interferência", salientou o jurista e académico sul-africano.
A violência desencadeada há mais de três anos na província de Cabo Delgado ganhou uma nova escalada há cerca de duas semanas, quando grupos armados atacaram pela primeira vez a vila de Palma, que está a cerca de seis quilómetros dos multimilionários projetos de gás natural.
Os ataques provocaram dezenas de mortos e obrigaram à fuga de milhares de residentes de Palma, agravando uma crise humanitária que atinge cerca de 700 mil pessoas na província, desde o início do conflito, de acordo com dados das Nações Unidas.
O movimento terrorista Estado Islâmico reivindicou na segunda-feira o controlo da vila de Palma, junto à fronteira com a Tanzânia, mas as Forças de Defesa e Segurança (FDS) moçambicanas reassumiram completamente o controlo da vila, anunciou na segunda-feira o porta-voz do Teatro Operacional Norte, Chongo Vidigal, uma informação reiterada esta quarta-feira pelo Presidente moçambicano.
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