Moçambique: Cruz Vermelha pede segurança para regresso de investimentos

O presidente do Comité da Cruz Vermelha Internacional, Peter Maurer, "deplora" que a Total suspenda as atividades em Moçambique, mas reconhece que "terá que acontecer mais em termos de segurança" em Cabo Delgado para que os investimentos regressem.

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Lusa
28/04/2021 09:45 ‧ 28/04/2021 por Lusa

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"Todo o investidor tem opções. E quando há opções, a segurança desempenha um papel crítico", sublinhou em entrevista com a Agência Lusa o presidente da organização humanitária, esta segunda-feira, no dia em que a petrolífera francesa alegou razões de "força maior" para suspender projeto de gás natural liquefeito no norte de Moçambique até que as condições de segurança permitam que seja retomado.

Por outro lado, e numa crítica velada, Maurer sublinhou que o foco do investimento, quer entre investidores quer por parte dos governos, devia estar nas "populações que vivem na região onde este é feito" e menos em saber se "um investimento é bom ou mau".

Avaliado em 20 mil milhões de euros, o projeto da Total em Cabo Delgado é o maior investimento privado em curso em África, e no entanto, diz Peter Maurer, "vimos infelizmente demasiadas vezes no passado que os investidores consideram os seus investimentos como coisas separadas das populações das regiões nas quais estão a investir".

"Acredito que a melhor receita para se obter um investimento positivo passa mesmo pelo envolvimento com a população local, passa por se garantir que os grandes investimentos internacionais são igualmente lucrativos para as populações locais", afirmou o presidente do Comité da Cruz Vermelha Internacional (CCVI).

Para Maurer, que esteve há duas semanas em Pemba, capital de Cabo Delgado, onde diz ter passado um dia inteiro a discutir com as comunidades de deslocados, "se a população local não conseguir ver a vantagem do investimento, com frequência, infelizmente, este transforma-se em tensões, em situações de insegurança, em maior iniquidade e desigualdade".

"Penso que este é o verdeiro problema", criticou, numa descrição que encaixa na situação em Cabo Delgado, ainda que o responsável da CCVI não tivesse feito a ligação expressa.

"Portanto, por um lado, deploro quando uma grande empresa como a Total declara que está a sair de um contexto, porque potencial positivo de investimento está lá sempre. Mas, por outro lado, é também verdade que um investimento potencialmente positivo só é positivo se não for entendido e experienciado como uma exploração, mas como uma contribuição para o desenvolvimento local", reforçou Peter Maurer.

Neste contexto ainda, o presidente da CCVI "receia" que, perante "uma situação como a de hoje no norte de Moçambique, mais terá que acontecer para atrair de volta os investimentos em termos de segurança, mas também em termos dos interesses das populações locais e comunidades".

O conflito em Cabo Delgado arrasta-se e vem a ganhar a intensidade desde há cerca de três anos, mas o presidente da organização humanitária rejeita que nada tenha sido feito pela comunidade internacional e pelas organizações congéneres.

"Não diria que não foi feito nada. Aumentámos consideravelmente a nossa assistência às populações deslocadas", defende.

"Mas concordo que é difícil resolvermos as questões que estão na raiz do conflito. E penso que, tanto quando sabemos, Cabo Delgado tem sido uma província tradicionalmente mais marginalizada no contexto moçambicano. Os problemas não tiveram uma resposta adequada", acrescentou.

"Também temos consciência de que os interesses económicos entraram no jogo depois da descoberta de recursos naturais na costa de Moçambique. Tudo isto levou ao aumento da competição e da atenção à situação estratégica do norte de Moçambique", afirmou Peter Maurer.

Perante as faltas cometidas "no jogo", raras ou nenhumas foram as bandeiras levantadas até há relativamente pouco tempo, mas Maurer diz que "não se trata apenas de levantar a bandeira".

"Diria que há um ano começámos a assistir à deslocação massiva da população. Este foi o gatilho para o nosso envolvimento com o Governo moçambicano, para o aumento da nossa presença, para abrirmos mais escritórios, para prestarmos mais assistência às autoridades públicas no norte, na tentativa de responder às necessidades sanitárias, água e cuidados médicos, ajuda às populações deslocadas", explicou.

Não obstante, o presidente da CCVI concedeu que "do ponto de vista da prevenção de conflito, e da procura de soluções antes que ele cause os problemas -- como aconteceu no norte de Moçambique e em muitos outros locais -- a comunidade internacional e os Estados, realmente, não são particularmente eficientes, porque a prevenção de conflitos implica investimentos consistentes e a longo prazo".

As eventuais restrições financeiras decorrentes da suspensão do investimento e adiamento da operação da Total ameaçam colocar o governo moçambicano em novos apuros orçamentais, para além de que trazem o cenário do prolongamento do conflito.

"Estamos preocupados com a longevidade dos conflitos e com o aumento do número de conflitos esquecidos, em que desaparecem do noticiário do dia da comunidade internacional", disse Peter Maurer.

"Assistimos a esta tendência em muitos sítios em que operamos. Enquanto há duas décadas ficávamos em média nas nossos 15 maiores operações entre 10 a 15 anos, hoje mantemos uma presença entre 25 e 30 anos. Os conflitos tornaram-se mais prolongados e mais difíceis", sublinhou.

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