A intenção norte-americana depara-se desde logo com a resistência da indústria farmacêutica, que alega que esta medida não ajuda a controlar a pandemia em qualquer horizonte temporal imediato e vai prejudicar a inovação.
Segundo um levantamento da Associated Press (AP), a primeira das questões que o processo suscita relaciona-se com o funcionamento do sistema de patentes, que, de forma simples, premeia a inovação ao impedir os concorrentes de copiarem uma descoberta de uma empresa e lançarem um produto rival.
Nos EUA, as patentes de medicamentos duram 20 anos desde que a documentação é preenchida, o que é feito quando o fabricante entende que tem um medicamento importante ou lucrativo.
Uma vez que é frequente o processo de aprovação demorar uma década para ser concluído, as empresas acabam por ficar com uma dúzia de anos para poderem vender sem concorrência, mas os fabricantes de medicamentos costumam encontrar maneira de melhorar o produto ou alargar a sua aplicação, o que lhes proporciona a extensão do seu monopólio por outra década, ou mais até.
A importância das patentes para os fabricantes de medicamentos decorre da dimensão do investimento necessário para o desenvolvimento destes. A maior parte das drogas experimentais falham em algum momento no processo de testes, que pode durar anos, decorrendo em laboratório, em animais e finalmente em humanos. Considerando o custo médio destes insucessos, o processo de levar uma droga da descoberta até à aprovação pela entidade reguladora implica gastos estimados em mais de mil milhões de dólares (830 milhões de euros).
Assim, surge a questão, a terceira tratada pela AP, de saber o que levou a Casa Branca a apoiar os esforços de levantamento das proteções das vacinas contra o novo coronavirus. Joe Biden tem estado sob intensa pressão, incluindo de muitos congressistas democratas, para contribuir para o aumento da disponibilidade de vacinas no resto do mundo. Em outubro, a Índia e a África do Sul mencionaram a possibilidade de levantamento de patentes e a ideia ganhou apoiantes em vários países, com a pandemia a agravar-se em vários locais, desde logo na Índia.
Por outro lado, a atual vontade dos EUA choca com decisões anteriores contrárias e, menciona a AP, os EUA e alguns dos outros países ricos lideram em muitas áreas de investigação e inovação, o que é particularmente verdadeiro para os medicamentos. Além do prestígio que proporcionam, as empresas farmacêuticas asseguram milhões de empregos bem pagos, pagam impostos sobre lucros e disponibilizam medicamentos que podem salvar ou melhorar a vida das pessoas.
A AP menciona ainda o facto de a indústria farmacêutica e os seus grupos organizados gastarem milhões de dólares todos os anos para pressionarem os governos a manterem o estatuto das patentes.
E a quinta questão é justamente a de saber a razão da oposição da indústria ao levantamento das patentes. Em uma palavra, a resposta é: dinheiro. Nos EUA, as farmacêuticas podem cobrar o que entenderem pelos seus medicamentos. Elas podem aumentar os preços, o que fazem tipicamente duas vezes por ano, o que leva a que aqueles dupliquem e tripliquem durante os anos de proteção dados pelas patentes.
Isto coloca os fabricantes de medicamentos, mais velhos e há mais anos estabelecidos no mercado, entre as empresas mais lucrativas. Mas uma quantidade elevada de inovação ocorre em empresas farmacêuticas e de biotecnologia recém-criadas, as designadas 'start-up'. Estas têm uma necessidade constante de financiamento da investigação, até à eventual aprovação pelo regulador, o que conseguem junto de sociedades de capital de risco e outros investidores, ou, o que é mais frequente, junto de grandes fabricantes de medicamentos já instalados, que os ajuda na pesquisa e pode comprar os direitos da droga ou a própria 'start-up'. Sem a perspetiva de uma grande saída da nova droga, seria muito mais difícil obter o financiamento crucial das etapas iniciais.
Por fim, a questão relevante: quais os efeitos práticos do levantamento das patentes das vacinas contra o novo coronavirus? A AP avança que a resposta não é clara. Contudo, os fabricantes e alguns analistas entendem que o levantamento das patentes não é um contributo decisivo para acelerar o fornecimento das vacinas aos países mais pobres.
Isto porque produzir as vacinas é muito mais complexo do que seguir uma receita, ao exigir fábricas com um equipamento especializado, trabalhadores muito qualificados e um muito apertado controlo de qualidade - fatores que não se podem reunir depressa. Ora, há pouca capacidade fabril disponível, uma vez que as empresas com a produção autorizada já subcontrataram muitos outros fabricantes de medicamentos para as ajudarem a fazer as suas vacinas. Acresce que muita da matéria-prima para fazer as vacinas, juntamente com os frascos, as rolhas e outros componentes, está com uma disponibilidade muito limitada, o que não se espera que mude em breve.
A pandemia de covid-19 provocou, pelo menos, 3.244.598 mortos no mundo, resultantes de mais de 155,1 milhões de casos de infeção, segundo um balanço feito pela agência francesa AFP.
Em Portugal, morreram 16.988 pessoas dos 838.475 casos de infeção confirmados, de acordo com o boletim mais recente da Direção-Geral da Saúde.
A doença é transmitida por um novo coronavírus detetado no final de 2019, em Wuhan, uma cidade do centro da China.
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