Na semana passada, o general e comandante do Exército brasileiro, Paulo Sérgio Oliveira, decidiu não punir o também general do Exército Eduardo Pazuello, que participou num passeio de moto no Rio de Janeiro, com o Presidente da República, e até discursou em cima de um carro de som em 23 de maio.
Na terça-feira, o Exército também instituiu sigilo de 100 anos aos documentos do processo administrativo aberto para analisar este caso.
Na avaliação do ex-ministro da Defesa do Brasil, Celso Amorim, e de Paulo Ribeiro da Cunha, doutorado em Ciências Sociais e professor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), o general Pazuello - que foi ministro da Saúde no Governo Bolsonaro, mas que no evento no Rio de Janeiro ocupava novamente um cargo militar - transgrediu o Regulamento Disciplinar do Exército, que proíbe e prevê punições para militares no ativo que participem em atos políticos.
Para Amorim, o arquivamento do processo administrativo aberto pelo Exército para avaliar a conduta de Pazuello por influência de Bolsonaro configurou um "ataque à integridade das Forças Armadas cujo objetivo, indiscutivelmente, foi quebrar a espinha das Forças Armadas que vinham resistindo a várias tentativas de influência".
"Não há como esconder que foi uma transgressão do regulamento militar. Eles não estavam ali fazendo um piquenique, não estavam fazendo uma festa de São João, eles estavam falando de coisas que interessavam à população a partir de uma carreta de motocicletas de 'bolsonaristas', que chegaram a agredir as pessoas que gritavam 'fora Bolsonaro' no percurso. Não há dúvida que aquilo foi uma manifestação política", afirmou Celso Amorim.
Já Paulo Ribeiro da Cunha, autor do livro "Militares e Militância", lembrou que os membros das Forças Armadas sempre participaram do processo político brasileiro, se envolvendo ou sendo envolvidos em política ao longo da história do país.
"Entendo que há um direito deles [militares] se manifestarem na política, nas grandes causas nacionais, dentro do Estado democrático de direito, mas isto não significa partidarizar as instituições, como neste caso", explicou Ribeiro da Cunha.
"Uma coisa é o direito de se manifestar politicamente, outra coisa é partidarizar as instituições, defini-las para um determinado rumo, e com uma identidade que não seja um projeto de política de nação ou de razões de Estado e, sim, de um segmento somente, de um partido político, ou de uma liderança, como é o caso do [Governo] Bolsonaro", acrescentou.
Antes de o comandante do Exército decidir não punir Pazuello, Jair Bolsonaro agiu nos bastidores para protegê-lo e declarou publicamente que o evento no Rio de Janeiro, que contou com discursos em carro de som e palavras de ordem de dezenas de apoiantes contra rivais políticos do governante, nomeadamente o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, não teve "nenhum viés político" uma vez que ainda não está filiado em qualquer partido.
Celso Amorim criticou esta tese, que também foi apresentada por Pazuello em sua defesa no processo administrativo disciplinar e acabou aceite pelo comando do Exército.
O ex-ministro da Defesa pontuou que Jair Bolsonaro, desde o início de seu mandato, tenta influenciar as Forças Armadas a darem-lhe suporte político, ferindo a Constituição que determina que os militares se devem submeter aos interesses do Estado brasileiro e não aos de governantes eventualmente no poder.
"O objetivo ali foi mostrar que o general Pazuello, protegido pelo Presidente da República, poderia cometer uma transgressão e não ocorreria nada porque o Exército não é o Exército do Estado brasileiro, como deve ser, mas o Exército do Presidente como se ele fosse um imperador", disparou Amorim.
"Não há dúvida que o objetivo foi mostrar que o atual comandante [do Exército, Paulo Sérgio Oliveira] vai se curvar à vontade do Presidente", frisou.
Já Paulo Ribeiro da Cunha avaliou que a decisão do comandante do Exército de não punir Pazuello foi um "ato de covardia, de não respeitar a própria instituição, de não respeitar, inclusive, os anseios dos seus comandados, e de ser servil ao comandante em chefe, que atualmente é o Presidente Bolsonaro".
"As consequências disto são enormes, isto abre as portas para a quebra da hierarquia, com consequências imprevisíveis. Mais ainda, ele [comandante do Exército, Paulo Sérgio Oliveira] perdeu a autoridade no comando frente aos comandados ou de boa parte deles", completou.
O professor da Unesp avaliou, porém, que a tentativa de interferência política de Bolsonaro e a subordinação do comandante chefe do Exército não representam uma ameada à democracia brasileira.
"Nós vamos passar por muita turbulência, vai ser um período de muito aprendizado, de muita tensão, mas não necessariamente uma ameada à democracia", afirmou.
Celso Amorim, por sua vez, pensa de forma contrária e demonstrou preocupação com o Brasil, que na sua avaliação estaria trilhando um caminho perigoso que pode terminar numa ditadura.
"A democracia está ameaçada, está sendo atacada, e corre o risco de ser levada de roldão [forma repentina]", concluiu o ex-ministro da Defesa do Brasil.
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