"Não adianta um arquiteto criar uma cidade simplesmente pensando no betão, sem vida. Isso não valeria de nada. A arquitetura é para a vida. Ela dimensiona onde as pessoas vão ficar, o modo de vida das pessoas. Agora, com a pandemia, isto ficou mais evidente. Qual foi a primeira frase que gritaram? 'Fiquem em casa'. Que casa?", ponderou a especialista, que participará num debate do Congresso Mundial de Arquitetos, com o arquiteto colombiano Edgar Maza, na terça-feira.
A quarta semana aberta do 27.º Congresso Mundial de Arquitetos, no Rio de Janeiro, dedicada ao impacto dos fluxos migratórios nas cidades, tem início hoje, com um debate sobre "migrações e diásporas". Na terça-feira, o tema em discussão será "novas práticas na Arquitetura".
Carmen Silva, descrita como uma "arquiteta na prática", é uma das líderes do Movimento dos Sem Teto do Centro (MSTC), de São Paulo, que procura garantir o direito à habitação de milhares de pessoas, ocupando e requalificando prédios que foram abandonados pelos donos, e permanecem vazios.
O centro de São Paulo tem milhares de imóveis nestas condições, a maioria deles inutilizados porque os seus proprietários têm problemas financeiros, judiciais ou dívidas tributárias muito elevadas.
O MSTC já foi responsável pela inclusão social de quase três mil pessoas que moravam nas ruas ou em habitações muito precárias.
"Temos [em São Paulo], infelizmente, territórios que têm um grande adensamento que provoca a falta da habitação, que é uma porta de entrada para outros direitos", defendeu a arquiteta, em declarações à Lusa.
"Quando nós ocupamos estes espaços que estão abandonados, fazemos uma transformação. Não é simplesmente ocupar por ocupar, mas sim para morar. Morar é participar na vida do território. Esta transformação vai desde questões sanitárias, de renovação dos espaços, a também criar um ambiente que atua em conjunto com outros setores", acrescentou.
Carmen Silva contou que reconfigurar edifícios abandonados com o MTSC, é tornar espaços sem função social em lugares onde as pessoas podem morar e a partir dos quais podem inserir-se na realidade territorial da cidade.
"Temos uma ocupação na região central onde mantemos um trabalho em rede com a saúde, com a educação. Temos uma horta urbana. Estamos pegando estes espaços que estavam sem nenhuma função e 'ressignificando-os'. Criando uma nova forma de morar", contou à Lusa.
"Nós ocupamos prédios abandonados com propósito de transformar aquele lugar não num espaço de habitação provisória, mas num lugar de habitação permanente (...). O que queremos é transformar um espaço que estava abandonado, cheio de lixo, num espaço de habitação definitiva", acrescentou.
Questionada sobre expectativas ante a sua participação no 27.º Congresso Mundial de Arquitetos, Carmen Silva disse esperar "que os movimentos sociais tenham voz e que, através deste seminário, que é tão importante, com a participação de muitos arquitetos, possamos fazer esta troca de conhecimento e ter o entendimento de que os movimentos têm um papel fundamental de intermediação entre a comunidade e o poder público, e também com a cidade".
A brasileira considerou que o conceito de transitoriedade, um dos eixos temáticos da quarta semana aberta do congresso, é pertinente em relação ao seu trabalho: "Vivemos num espaço, no espacial, vivemos também querendo ter um 'pertencimento' nos territórios que habitamos".
"Como acontece este 'pertencimento'? Participando efetivamente na vida do território, na vida do bairro, tendo uma participação efetiva em tudo que o território nos propõe para não chegarmos como um elemento distante da realidade destes territórios. Quando ocupamos um espaço, temos sempre a intenção de ser inseridos naquele local, na vida pública e socioeconómica", concluiu.
Marcado inicialmente para julho de 2020, o 27.º Congresso Mundial de Arquitetos teve de ser adiado para o presente ano devido à pandemia de covid-19.
O evento é organizado pela primeira vez no Rio de Janeiro, mas decorrendo de forma totalmente virtual, com mesas de debates, palestras e outras atividades que acontecem desde março, até julho.
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