Ouvido na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que investiga alegadas falhas do Governo na gestão da pandemia de covid-19, Luís Miranda relatou que o Presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, desconfiava da atuação de um deputado em torno das pressões no Ministério da Saúde em favor da vacina da empresa indiana Bharat Biotech.
Após várias horas a ser pressionado por senadores que integram a CPI, para indicar o nome da pessoa citada por Bolsonaro, Luis Miranda, que integra a base de apoio do Governo, cedeu e indicou Ricardo Barros.
"O Presidente entendeu a gravidade. Olhando nos meus olhos, ele falou: 'Isso é grave'. Não me recordo do nome do parlamentar, mas ele até citou um nome para mim, dizendo: 'Isso é coisa de fulano'. E falou: 'Vou acionar o Diretor-Geral da Polícia Federal, porque, de facto, isso é muito grave'", começou por relatar Luis Miranda.
Contudo, ao final da noite, ao ser questionado pela senadora Simone Tebet, o deputado disse: "A senhora sabe que eu vou ser perseguido. (...) Eu sei o que vai acontecer comigo. A senhora [Simone Tebet] também sabe que é o Ricardo Barros que o Presidente falou. (...) Foi o Ricardo Barros", repetiu, emocionado, dizendo temer sofrer represálias.
O presidente da CPI, senador Omar Aziz, informou que pediu à Polícia Federal para providenciar proteção para a família do deputado Luis Miranda e do seu irmão, o funcionário do Ministério da Saúde Luis Ricardo Miranda, ambos responsáveis por trazerem a público alegadas irregularidades com a compra da Covaxin.
"Vocês não sabem o que eu vou passar. Apontar um Presidente da República [Bolsonaro] que todo mundo defende como uma pessoa correta, honesta. Que sabe que tem algo errado, sabe o nome e não faz nada por medo da pressão (...). Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo algo errado? De quem desvia dinheiro público das pessoas morrendo na porra desse Covid?", questionou Miranda, em lágrimas.
Na quarta-feira, o deputado federal Luis Miranda e o seu irmão Luis Ricardo Miranda, que é funcionário do Ministério da Saúde brasileiro, divulgaram a meios de comunicação social que alertaram Bolsonaro pessoalmente para supostas irregularidades no contrato de compra da Covaxin.
Segundo o jornal Estado de S.Paulo, que teve acesso a documentos do Ministério das Relações Exteriores, o Governo brasileiro comprou a Covaxin por um preço 1.000% mais caro do que, seis meses antes, era anunciado pelo fabricante.
O Governo brasileiro firmou um contrato no valor de 1,6 mil milhões de reais (cerca de 270 milhões de euros) para a aquisição de 20 milhões de doses da vacina indiana em 25 de fevereiro. Porém, os prazos previstos de entrega do produto estão atrasados e o órgão regulador do Brasil só aprovou no dia 04 de junho a sua importação com restrições.
A aquisição da Covaxin foi a única realizada pelo Governo do Brasil de forma indireta, ou seja, através de uma empresa intermediária, a Precisa Medicamentos.
Além da CPI, a revelação de indícios sobre possíveis irregularidades na aquisição da Covaxin tornou-se foco de uma investigação do Ministério Público.
Após as declarações do deputado Luis Miranda na CPI, Ricardo Barros, que foi ministro da Saúde no Governo de Michel Temer, usou a rede social Twitter para negar ser a pessoa citada por Bolsonaro e afirmou que não participou em nenhuma negociação para a compra da vacina indiana.
As suspeitas em torno do nome de Barros intensificaram-se após vários senadores recordarem uma emenda apresentada pelo próprio, numa Medida Provisória que ajudou a viabilização da eventual importação da Covaxin.
A Medida Provisória permite que o órgão regulador brasileiro conceda "autorização para a importação e distribuição de quaisquer vacinas", consumíveis ou medicamentos, sem registo na agência, desde que aprovadas pelas autoridades sanitárias noutros países, entre as quais as da Índia.
Fabricada pela Bharat Biotech, a Covaxin é negociada no Brasil pela Precisa Medicamentos, empresa que tem no quadro societário a empresa Global Gestão em Saúde S. A.
Ricardo Barros e a Global respondem numa ação de improbidade administrativa num contrato assinado em 2017 pela empresa com o Ministério da Saúde, para importar medicamentos para doenças raras.
O Brasil totaliza 511.142 mortes e mais de 18,3 milhões de casos positivos de covid-19.
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