Cimeira Rússia/EUA terminou sem animosidade e sem conciliação
As divergências entre os Estados Unidos e a Rússia não se evaporaram no lago de Genebra, no final da cimeira entre Joe Biden e Vladimir Putin, que terminou sem animosidade, mas também sem conciliação, dizem analistas.
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Mundo Rússia/EUA
"A retórica contida e até conciliatória entre a Rússia e os Estados Unidos é uma espécie de instrumento diplomático, sem o qual é impossível chegar a compromissos nas negociações. Tendo em conta a atmosfera negativa geral das relações, o grau de desconfiança e as duras posições opostas dos dois países, eu diria que é um atributo necessário para as partes interessadas, desde logo, para obter resultados concretos", disse à Lusa Pavel Slunkin, investigador do Fórum Carnegie Europe.
Para este analista, o confronto entre Biden e Putin foi um bem preparado jogo de sombras, com uma muito ensaiada estratégia pragmática.
De resto, ainda antes da cimeira em Genebra, no passado dia 16, Biden e Putin já tinham dito que iriam colocar de lado quaisquer questões pessoais, concentrando-se em obter resultados que fossem positivos para cada um dos seus países.
Por outro lado, diz Ana Isabel Xavier, professora de Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa, "o que os separa é muito mais do que o que os aproxima e, por isso, não houve cedências nem subjugações de nenhuma das partes".
Ainda assim, para esta investigadora, "a declaração final da cimeira aponta mais para uma retórica sem animosidades declaradas do que propriamente para a conciliação".
"Já era esperado que o tom das conversas fosse relativamente cordial, pois são ambos políticos com experiência internacional de longos anos -- desde os tempos da guerra fria, no caso de Biden e Putin -- antigo membro do KGB e líder russo desde 1999", explicou à Lusa Nuno Gouveia, especialista em política norte-americana.
Por isso, Gouveia considera que esta cimeira "foi também um regresso à normalidade diplomática entre os dois países, sobretudo depois dos anos Trump, em que este deixava os diplomatas americanos em estado de nervos, devido à sua postura irregular e, por vezes, até humilhante para os interesses dos EUA".
Pavel Slunkin, que estuda a relação entre os Estados Unidos e a Rússia há vários anos, tem uma atitude de algum ceticismo, relativamente à terminologia utilizada pela Casa Branca e pelo Kremlin, no final do encontro de Genebra.
"Se falarmos sobre se essa retórica levará a algo mais sério, aqui ficarei cético. As razões para a discórdia nas relações residem no facto de os Estados Unidos e a Rússia terem interesses opostos em muitas questões", conclui o investigador do Carnegie Europe.
De qualquer forma, Slunkin concorda com Gouveia e com Xavier sobre o nível de pragmatismo que existiu nessa cimeira, argumentando que "as partes decidiram tentar cooperar pelo menos naqueles temas em que há um interesse comum e objetivos semelhantes".
Até porque, conclui, "mesmo que haja um movimento positivo ao longo dessas trilhas, a atmosfera geral de confronto não conduzirá a lugar nenhum", abrindo espaço à necessidade de uma 'real politik' que favoreça o interesse de ambos os lados.
Ana Isabel Xavier prefere esperar um pouco, para observar o resultado efetivo desta tentativa de aproximação.
"Só nas próximas semanas poderemos comprovar se existirão avanços substantivos no diálogo em matéria de cibersegurança, por exemplo, mas não tendo existido nenhum compromisso explícito em termos de estrutura, metodologia ou prazos torna-se difícil para já encarar este encontro como algo mais do que uma dilatação diplomática em que ambos saíram vencedores: Putin porque sentiu-se reconhecido como líder de uma grande potência com cartas válidas a jogar no sistema internacional; Biden porque conseguiu abertura para relação estável e previsível com a Rússia para se focar na ameaça da China", concluiu a investigadora.
Mas Slunkin recorda que, no passado, este tipo de abordagem foi muito pouco eficaz.
"A médio prazo, veremos o retorno da retórica hostil novamente. Deve-se notar que processos semelhantes já ocorreram nas relações entre a Rússia e os Estados Unidos. Tanto sob George W. Bush, quanto sob Obama. Biden não será exceção", acrescentou
Nuno Gouveia acentua esta posição de ceticismo, dizendo que "esta cimeira serviu sobretudo para reabrir os canais diplomáticos entre os dois países e repor uma certa normalidade nesta nova Guerra Fria, mas sem grandes avanços".
"Putin manteve a sua posição em todos os todos dossiês mais polémicos, como a Ucrânia, a repressão dos opositores russos como Alexei Navalny ou sobre os ciberataques russos. O que se pode dizer é que Biden e Putin concordaram que os dois países vão continuar a discordar e a disputar esferas de interesses divergentes", resumiu Nuno Gouveia.
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