Comunistas chineses celebram 100 anos entre a tradição e a evolução
O Partido Comunista Chinês celebra quinta-feira o seu centenário, procurando o equilíbrio entre a tradição e a evolução, enfrentando as dores de crescimento rápido da economia e a necessidade de renovação de quadros, dizem analistas.
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Na quinta-feira, o Partido Comunista Chinês (PCC) celebra o seu centenário, mas ninguém tem a certeza de que o dia 01 de julho seja mesmo a data de origem do movimento político que há um século domina a política na China.
Na versão dos historiadores, na verdade, ninguém, nem mesmo o emblemático Mao Zedong, se lembrava da data exata do início do partido, sabendo-se apenas que teria sido em julho, pelo que o congresso acabou por determinar que o dia 01 desse mês passaria a constituir o marco de início de percurso.
"Esta estória diz muito sobre o Partido Comunista Chinês: o mais importante são os símbolos e a forma como eles controlam o pensamento do povo chinês, mesmo que os factos sejam adulterados", explicou à Lusa Mary Graff, investigadora associada de Cultura Oriental da Universidade de Cambridge.
Graff considera que o poder simbólico do partido é uma das chaves do sucesso do partido, que sob a liderança de Xi Jiping ganhou um poder talvez nunca antes alcançado, estendendo a sua influência dentro e fora de fronteiras, no momento em que a estratégia da Nova Rota da Seda estende a hegemonia económica da China.
"Isso é verdade. Mas também nunca como agora os desafios do partido foram tão complexos e tão desafiantes", acrescentou George Magnus, economista e investigador do Centro Chinês da Universidade de Oxford.
Magnus dá o exemplo da pandemia de covid-19, que teve a sua origem em Wuhan, em circunstâncias que ainda hoje não estão totalmente esclarecidas, com o Partido Comunista Chinês a ser acusado de má gestão da crise sanitária nas suas primeiras semanas, permitindo a saída de milhares de pessoas da cidade que foi o berço do novo coronavírus, mas tudo ocultando, em nome de um prestígio que a organização não se pode dar ao luxo de perder.
"Há muitos anos que a China tem procurado ganhar influência junto da Organização Mundial de Saúde (OMS), da mesma maneira que procura controlar várias entidades internacionais, como a Organização Mundial do Trabalho (OMT), que lhe permitam estender a sua forma de controlo autoritário fora de fronteiras", explicou George Magnus.
Internamente, diz Mary Graff, o maior desafio é estabilizar e sossegar a nova classe média, que começa a enfrentar problemas de crescimento, num país que sente dificuldades de acesso a matérias-primas essenciais para a evolução de uma economia que cresceu ao ritmo de dois dígitos, mas que sente agora um preocupante arrefecimento.
Para esta investigadora, que conhece bem o funcionamento interno da cúpula do PCC, este é o tema que tem dominado muitas das conversas entre os principais líderes, que começam finalmente a questionar a estratégia do Presidente e secretário-geral, Xi Jinping, até agora uma figura intocável.
Algumas das soluções de Xi Jinping, que o PCC sempre foi validando, estão agora sob enorme tensão, apesar da sua eficácia recente - como sejam a aposta na distribuição de riqueza, o combate à corrupção, melhoria na segurança social, mais ajuda na maternidade e forte impulso à habitação social -- explicou George Magnus.
"A nova classe média -- uma novidade das últimas décadas - composta por muitas dezenas de milhões de pessoas, começa a chegar à idade da reforma. E o PCC não encontrou ainda uma solução para financiar os seus planos de pensões. E isso preocupa muito alguns dos mais influentes líderes do partido e este será um tema central para o centenário do PCC", conclui Mary Graff.
Esta investigadora salienta o facto de muitos destes problemas terem sido criados por uma das mais populares recentes decisões do PCC: permitir às famílias terem até três filhos, depois da política draconiana de filho único.
"Foi a resposta à necessidade de equilibrar um problema demográfico. Mas quem está atento às redes sociais locais começa a ver muitas críticas ao partido pela ausência de políticas eficazes para apoiar a educação das crianças ou para financiar o apoio aos idosos", explicou Graff.
Para compensar estas deficiências, o PCC tem pressionado o Governo a fazer uma aposta em planos de desenvolvimento das zonas rurais, procurando disseminar a população pelo largo território nacional e evitando a sobrelotação das grandes metrópoles, que começam a ser um quebra-cabeças em termos de gestão urbanística.
George Magnus explica que estas dificuldades, até agora, foram colmatadas pelo sucesso da política de exportação, que permitiu um forte desenvolvimento económico, levando o PCC de Xi Jinping a apostar na Nova Rota da Seda, como forma de encontrar no exterior soluções para problemas de crescimento interno.
Mas essa tendência está a inverter-se e o PCC parece querer apostar no consumo interno e numa estratégia diplomática mais pacificadora, para evitar atritos com outras potências económicas, como os EUA, o que ajuda a compreender por que o partido se revela tão preocupado com a guerra comercial iniciada no mandato do ex-Presidente dos EUA Donald Trump, conclui Mary Graff.
Outro grande desafio para o centenário do PCC é a renovação dos seus quadros, depois de ter procedido a uma "limpeza ética" através de um doloroso processo de combate à corrupção, que levou ao afastamento de várias figuras de relevo, disse Graff.
Com cerca de 92 milhões de membros inscritos, o PCC tem um congresso nacional composto por 2.200 delegados, que instruem um comité central de 370 pessoas, com um nível etário elevado e a precisar de uma nova geração, que acompanhe as recentes reformas instituídas por Xi Jinping, que ganhou mesmo o mérito de ficar com o seu nome inscrito na Constituição, pela influência das suas medidas.
O 'Politburo', de 25 pessoas, está encarregado dessa renovação, mas tem tido dificuldades em apresentar soluções rápidas e capazes de garantir a estabilidade de que o PCC sempre precisou, para assegurar o equilíbrio entre a tradição e a evolução, explicou George Magnus.
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