A cabeça dela continua em Infulene, nos arredores da cidade, a pensar nas crianças órfãs de que cuida há 15 anos.
"Não estou lá para ajudar as minhas crianças e elas estão a sentir a saudade da vovó", lamenta a educadora à Lusa, num esforço para se expressar e dependente de uma máquina para respirar, no centro de isolamento do hospital, um dos que serve Maputo.
A capital continua a ser a zona do país com maior registo de casos e mortes.
Mas já nenhuma região do país escapa: Lúcia está entre as 18.329 pessoas que testaram positivo nos primeiros 15 dias de julho em Moçambique, números considerados alarmantes nesta terceira vaga maioritariamente dominada pela variante delta, que é "muito mais infecciosa", segundo as autoridades.
Só em metade de julho morreram quase tantas pessoas (179) como em todo o mês de fevereiro, pico da segunda vaga.
Deitada numa cama do centro de isolamento, Lúcia Fabião agarra-se às memórias das 21 crianças órfãs de que cuida num pequeno centro de acolhimento de menores.
"Eu tenho seis filhos e netos. Quando eu olho para estas crianças órfãs, vejo os meus próprios netos", conta a educadora, acrescentando que o seu maior desejo agora é superar a doença e voltar ao trabalho.
O número de pacientes em estado crítico no quarto de Lúcia é prova de que os alertas das autoridades sobre o aumento de internamentos são para levar a sério, com o hospital atualmente a receber, em média, 20 pessoas por dia, quase o dobro do registado no pico das vagas anteriores.
Na sala ao lado, Fernando Magaia, 66 anos, explica à Lusa que também foi internado em estado crítico, lamentando o facto de a doença o ter separado dos seus três filhos e esposa.
Magaia requer o dobro da atenção pelo facto de os médicos lhe terem detetado outras patologias: "Dizem que também tenho diabetes".
"Sinto que estou a melhorar, não é como os dias em que cheguei aqui", acrescenta o paciente, que, no entanto, ainda precisa de uma máquina de oxigénio para respirar.
O aumento do número de óbitos, infeções e internamentos por covid-19 no país ameaça pressionar o sistema de saúde e o Hospital Geral da Polana Caniço já começa a sentir os efeitos.
"Estamos mesmo a chegar ao limite", declara à Lusa Natália Soares, médica internista.
O maior medo está num tema pouco debatido no país: a possibilidade de os profissionais de saúde da linha da frente também estarem a chegar a um ponto de saturação.
"Receio que entremos em esgotamento, tendo em conta que agora estamos numa fase de aumento de atividade", frisa a médica.
Não muito longe do Polana Caniço estão as tendas do Hospital Geral de Mavalane.
Foram montadas para pacientes suspeitos, mas hoje uma delas já está totalmente ocupada por pessoas que testaram positivo, um sinal preocupante para os profissionais de saúde face à lotação daquela unidade.
"Cada doente tem as suas necessidades e um paciente com covid-19 é diferente", diz à Lusa Otelinda Camacho, médica de clínica geral do Hospital de Mavalene.
Moçambique regista mais de mil mortes e cerca de 95 mil casos de covid-19, 79% dos quais recuperados.
Na quinta-feira, o Presidente moçambicano, Filipe Nyusi, anunciou um agravamento das restrições para prevenção da doença, devido ao avançar da terceira vaga.
As medidas anunciadas para vigorar durante 30 dias a partir de sábado incluem a proibição de todos os eventos sociais, mesmo os privados, redução significativa de horários do comércio, suspensão do ensino pré-escolar em todo o país e das aulas presenciais nos restantes níveis de ensino em Maputo (área metropolitana), Xai Xai, Inhambane, Beira, Chimoio, Tete e Dondo.
O início do recolher obrigatório noturno recua das 22:00 para as 21:00 (20:00 em Lisboa) e aplica-se a todas as cidades e vilas.