A entrada das forças talibãs em Cabul, no domingo, tem implicações para todo o país, mas há uma faixa da população que fica particularmente vulnerável: as mulheres e as meninas, que, assim como aconteceu na primeira ocupação do movimento radical, serão colocadas estritamente ao serviço da família (do homem) e impedidas de ter acesso à educação.
Uma residente em Cabul, estudante, escreveu um artigo para o Guardian, onde descreveu os acontecimentos de domingo, apanhada de surpresa à ida para a faculdade. Foi avisada para fugir, porque os talibãs estavam já na cidade e iriam bater em mulheres sem burqa (cobertura facial).
"Queríamos ir para casa, mas não podíamos usar os transportes públicos. Os motoristas não nos deixavam entrar nos carros, porque não queriam a responsabilidade de transportar uma mulher", explicou a mulher, que não foi identificada.
Enquanto tentava fugir, alguns homens riam do desespero das mulheres: "Corre e põe o chadari [burqa]"; "São os vossos últimos dias nas ruas"; "Um dia, ainda me caso com quatro de vocês".
Kabul preparing for life under taliban rule, white washing women out, I hope that we see the same uprising of opinion against this as we have other issues. pic.twitter.com/oRWUEpyj52
— Phil Lowe (@phillowe1) August 16, 2021
A mulher replica, também, as palavras da irmã, que trabalhava num escritório. "Desliguei o computador com o qual ajudei o meu povo e comunidade durante quatro anos com muita dor. Deixei a secretária com lágrimas nos olhos e disse adeus às minhas colegas. Percebi que foi o último dia no meu trabalho".
Com "dois cursos a ser tirados em simultâneo nas duas melhores universidades do Afeganistão", a mulher indica que naquele domingo acabou tudo. "Trabalhei dia e noite para me tornar na pessoa que sou hoje, e esta manhã, quando cheguei a casa, a primeira coisa que eu e as minhas irmãs fizemos foi esconder os nossos bilhetes de identidade, diplomas e certificados. Foi devastador".
"Agora, terei de queimar tudo o que consegui nos últimos 24 anos da minha vida. Ter bilhete de identidade ou prémios da universidade americana é arriscado, agora", disse, acrescentando que deixaram de haver empregos para mulheres no Afeganistão.
"Nunca esperei que ficássemos privadas dos nossos direitos básicos de novo e que regredíssemos 20 anos", escreveu.
Recorde-se que, no domingo, depois de o presidente Ashraf Ghani ter abandonado o Afeganistão, os talibãs entraram em Cabul e colocaram fim a uma campanha militar de duas décadas em que os Estados Unidos e aliados, incluindo Portugal, tentaram transformar o país, sem êxito. As forças de segurança afegãs, treinadas pelos militares estrangeiros, colapsaram.
Milhares de afegãos, em Cabul, tentam fugir do país e muitos dirigiram-se para o aeroporto internacional onde a situação é caótica.
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