Líder de grupos armados é simbiose de "brutalidade e justiceiro"

O investigador moçambicano João Feijó descreve Bonomade Machude Omar, líder dos grupos armados que atuam em Cabo Delgado, como uma simbiose entre "brutalidade e justiceiro", apontando a miséria e o desespero social como favoráveis à busca de "supostos messias".

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Lusa
17/08/2021 08:53 ‧ 17/08/2021 por Lusa

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Moçambique/Ataques

 

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"O que se diz dele [Bonomade Machude Omar], com base em vários testemunhos, é de alguém sinistro, que é uma mistura de brutalidade e que se arroga ter senso de justiça", afirmou João Feijó, com vários trabalhos sobre a violência em Cabo Delgado.

Outro traço de personalidade que ressalta de depoimentos disponíveis são de uma personagem com carisma, seguida por muitas pessoas, quer voluntariamente, quer por coação.

João Feijó vê em Bonomade Machude Omar um produto de uma radicalização islâmica gradual, através de estudos corânicos em madraças com uma doutrina mais extremista e da experiência com uma realidade social pontuada pela exclusão social, pobreza e opressão.

"São vários fatores que produzem esse tipo de líderes: a radicalização através de estudos em madraças, revolta com a experiência concreta da pobreza e marginalização e até o oportunismo, que se aproveita do desespero das comunidades para a obtenção de vantagens, incluindo vantagens materiais", destacou.

Feijó assinalou que o sentimento de marginalização e opressão social tornam as comunidades mais propensas à busca de supostos "messias" e esse não é um fenómeno exclusivo de Moçambique.

"Faço um paralelo com Afonso Dhlakama [o defunto líder da Resistência Nacional Moçambicana, principal partido da oposição]. Foi protagonista de uma guerra civil dilacerante para o país, mas atraía multidões e era muito popular. O que explica isso, se não a busca de um 'messias' por uma população desesperada?", questionou.

Outro fenómeno em Moçambique que mostra a vulnerabilidade das populações a promessas populistas de uma vida melhor é o sucesso de seitas religiosas novas com um discurso de rutura com a narrativa das igrejas tradicionais, observou Feijó.

Para o investigador, ligado ao Observatório do Meio Rural (OMR), a emergência de figuras como Bonomade Machude Omar torna legítima a necessidade de o conflito em Cabo Delgado incluir soluções que resolvam as necessidades básicas das comunidades.

"Não sou contra soluções no plano da defesa e segurança, mas essa abordagem deve ser acompanhada de criação de empregos para os jovens, provisão de serviços sociais básicos, respeito pelos direitos humanos e incentivos à participação democrática das comunidades na vida política e económica do país", notou.

João Feijó também defendeu a criação de benefícios para as comunidades pelos grandes projetos de exploração de recursos naturais em Cabo Delgado, nomeadamente o gás natural.

Feijó é autor do trabalho "Caracterização e organização social dos 'machababos' [insurgentes] a partir dos discursos de mulheres raptadas", entre outros, sobre o conflito em Cabo Delgado e divulga regularmente análises sobre este teatro de guerra na publicação "Destaque Rural" da OMR.

Na semana passada, os Estados Unidos da América descreveram Bonomade Machude Omar, também conhecido como Abu Sulayfa Muhammad e Ibn Omar, como líder dos departamentos de Assuntos Militares e Externos do ISIS-Moçambique e comandante sénior e coordenador principal de todos os ataques realizados pelo grupo no norte do país.

No comunicado emitido pelo gabinete do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, Omar é ainda apontado como facilitador principal e canal de comunicação para o grupo.

Além de Bonomade Machude Omar, o Departamento de Estado norte-americano aponta os nomes de Sidan ag Hitta, Salem ould Breihmatt, Ali Mohamed Rage e Abdikadir Mohamed Abdikadir, que designa como "Terroristas Globais Especialmente Designados (SDGT)".

"Durante o ataque de março de 2021 a Palma, [Bonomade Machude] Omar liderou um grupo de combatentes, enquanto Abu Yasir Hassan, líder do ISIS-Moçambique, liderou outro grupo de combatentes", afirma o Departamento de Estado.

Omar "também liderou o ataque ao Hotel Amarula em Palma" e "foi responsável por ataques na província de Cabo Delgado, em Moçambique, e na região de Mtwara, na Tanzânia", acrescenta o gabinete de Blinken.

Numa análise que publicou na OMR, João Feijó descreve Bonomado Machude Omar, com base em vários textos jornalísticos, como líder do grupo largamente conhecido na região e com vários nomes.

Omar nasceu em Palma no povoado de Ncumbi e aos 5 anos ficou órfão de pai, continua Feijó.

A família viajou para Mocímboa da Praia e a mãe juntou-se com outro homem, localmente conhecido por Mze Tchidi. O padrasto introduziu Omar no Islão, que foi estudando e aperfeiçoando.

Finalizou a 10.ª classe na Escola Secundária Januário Pedro em Mocímboa da Praia e, de acordo com antigos professores, era um jovem calmo, bom aluno e bom jogador de futebol, refere ainda o investigador.

Depois de atingir a maioridade, cumpriu o serviço militar na marinha em Pemba, findo o qual residiu no internato do African Muslim, finalizando a 12.ª classe, narra João Feijó.

Torna-se um elemento carismático junto de outros jovens, conhecido pelo seu sentido de justiça e de proteção dos mais novos.

Um dos seus passatempos era jogar futebol. Devido à estatura elevada (entre 1,80 e 1,90 metros) e pelo facto de jogar no meio-campo, adquiriu a alcunha de "Patrick Vieira".

Grupos armados aterrorizam a província de Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

Na sequência dos ataques, há mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 817 mil deslocados, segundo as autoridades moçambicanas.

Leia Também: Forças governamentais continuam a perseguir rebeldes em Mocímboa da Praia

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