"Com Angela Merkel, nunca houve um verdadeiro 'casal' franco-alemão, como François Mitterrand e Helmut Kohl ou Valéry Giscard d'Estaing e Helmut Schmidt", considerou Paul Maurice, investigador do Comité de Estudos das Relações Franco-alemãs no Instituto Francês de Relações Internacionais (IFRI), em declarações à agência Lusa.
Angela Merkel "intrigou" Chirac, aproximou-se de Sarkozy apesar de uma grande diferença de personalidades (formando até o 'casal' Merkozy), divergiu politicamente de François Hollande e depositou esperanças no jovem Macron, mas a cooperação só começou em 2020 com a pandemia.
Uma relação "ioiô", com altos e baixos, marcada pela desconfiança de França face à líder alemã.
"Angela Merkel representa, do ponto de vista francês, algo novo. Ela é um fruto da Alemanha de Leste, algo diferente do que a França estava habituada. A França sempre viu a chanceler com fascinação, já que conseguiu ficar tanto tempo no poder, mas também desconfiança, porque a Alemanha tornou-se a grande potência da Europa, quando a França era no início dos anos 2000 um país muito importante", descreve o investigador.
A desconfiança da França só aumentou com o alargamento de 2007, quando vários países da Europa Central e de Leste entraram na União Europeia. Nesse momento, a atenção de Merkel virou-se para os vizinhos recém-chegados, deixando de lado os gauleses.
"Para a Alemanha foi uma grande oportunidade de ganhar força no continente e aumentar as exportações. O país voltou a encontrar o seu lugar na Europa Central, ou seja, apesar de a relação com França ter continuado a ser importante, tornou-se menos importante do que anteriormente", declarou Paul Maurice.
Ao mesmo tempo, os países continuam a ser vizinhos e partilham uma fronteira de quase 500 quilómetro que, mais do que território, é um lugar de partilha económica, cultural e social.
De forma a fazer o diagnóstico desta relação, especialmente entre os mais jovens, Sebastien Martin lançou a iniciativa "A voz franco-alemã da juventude", que levou a cabo um inquérito online e agora vai apresentar as suas conclusões nos dois países.
"Os jovens consideram que o motor franco-alemão continua a ser muito importante e identificámos alguns desafios como a questão da inclusão, já que esta relação passava também pela Polónia, mas como o país enfrenta algumas questões sociais, os jovens pensam que se poderia incluir outros países nesta relação, como a Itália, a Espanha ou Portugal", indicou Martin.
Milhares de jovens responderam a esta iniciativa, que conta o com o alto patrocínio da Assembleia Nacional e do Bundestag. Para os jovens esta é uma relação que também deve passar pelo nível local, nomeadamente geminações ativas entre as cidades, mas isto é um outro desafio já que há "uma crise a nível do voluntariado e nas associações".
A nível económico, a Alemanha continua a ser o maior parceiro comercial de França e a relação comercial entre os dois países representa 172 mil milhões de euros. No entanto, também esta relação deve evoluir.
"Historicamente é uma cooperação a nível de indústria pesada e o desafio é fazer com que esta relação também passe pelas novas tecnologias e a inovação", descreveu Martin.
Nascido em Estrasburgo, junto da fronteira alemã, e tendo vivido e estudado na Alemanha, Sebastien Martin acompanhou na primeira pessoa a relação entre os dois países e teme a incerteza da saída de Merkel.
"A transição vai ser um desafio para a relação franco-alemã, já que é preciso, desde logo, que a Alemanha se organize internamente, possivelmente com uma coligação que ainda não sabemos bem o que será. Ao mesmo tempo, a presidência francesa da União Europeia vai acontecer durante as eleições em França", lembrou.
O calendário das relações entre os dois países não deixa lugar para grandes reflexões, já que, logo a seguir às eleições na Alemanha, em setembro, começa, em janeiro, a França a sua presidência do Conselho da União Europeia que vai ser encurtada politicamente pelas eleições presidenciais em abril.
No entanto, o resultado das eleições na Alemanha não assusta Paul Maurice.
"Com os três principais candidatos teremos uma visão diferente desta dupla franco-alemã, mas todos afirmam que a relação com a França continua a ser importante", declarou.
Após a Segunda Guerra Mundial e com diferentes configurações, esta relação, mesmo com dificuldades, conseguiu encontrar sempre um consenso em prol dos valores europeus e do desenvolvimento destes dois países.
"A relação teve altos e baixos e é isso que faz a sua força. Temos divergências, mas conseguimos ultrapassá-las para chegar a um acordo. É uma relação que se mantém muito importante para a Europa, já que sem este casal, muitos projetos não poderiam acontecer, devido ao seu peso económico e ao seu peso no mundo", concluiu Paul Maurice.
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