11 de Setembro. Ataques produziram um 'Ground Zero' da geopolítica
Os ataques terroristas de 11 de Setembro mudaram a forma como nos relacionamos com os outros, como viajamos, como nos protegemos, mas também provocou radicais alterações económicas e geopolíticas, concluem analistas de vários países.
© Reuters
Mundo 11 de Setembro
"Tendo ocorrido logo no início do século, os ataques de 11 de setembro de 2001 moldaram, de forma dura e difícil, as décadas seguintes, provocando alterações estruturais na forma como vivemos e nos relacionamos num mundo que já tinha sido globalizado", disse à Lusa Roberto Lopes, um investigador português que está a realizar um pós-doutoramento em Culturas e Civilizações na Universidade de Bolonha.
Para o professor de Sociologia da Universidade de Navarra Alejandro Navas o ataque terrorista de 11 de setembro "sacudiu o consenso ocidental de que era detentor da cultura hegemónica".
"O atentado colocou o Ocidente no seu lugar: tomámos consciência de que somos fracos e frágeis e que não controlamos o destino da nossa civilização", disse o catedrático à Lusa, mostrando-se sintonizado com a perspetiva de Roberto Lopes, segundo o qual o ataque de 2001 reiniciou um conflito civilizacional.
"Sempre houve impérios que aparecerem, dominaram e depois caíram", acrescentou Alejandro Navas, explicando que, no entanto, ainda não se sabe quem irá substituir o Ocidente na liderança mundial.
Para os vários analistas consultados pela Lusa, os atentados de 11 de Setembro foram uma espécie de "Ground Zero" da geopolítica, tendo repercussão em quase todas as áreas da nossa vida: alterando comportamentos do dia-a-dia, modificando a forma como viajamos, alterando a nossa perceção dos riscos de segurança, obrigando as organizações políticas a procurar novas respostas a antigos receios.
Desde logo, os ataques terroristas uniram os dois lados do Atlântico, reaproximando, mesmo que apenas por algum tempo, os Estados Unidos da Europa.
O ex-Presidente francês Jacques Chirac foi o primeiro chefe de Estado a sobrevoar o Ground Zero, apenas alguns dias depois do 11 de setembro de 2001, numa prova de aliança entre os dois países, traduzida nas manchetes dos jornais franceses como "somos todos americanos" em solidariedade com os ataques terroristas.
No entanto, se a França alinhou na guerra no Afeganistão para travar o terrorismo, alguns anos mais tarde, o mesmo Jacques Chirac disse não à guerra no Iraque em 2003, ameaçando bloquear a decisão no Conselho de Segurança da ONU.
"A França juntou-se muito rapidamente à guerra no Afeganistão, mas teve fortes reticências em juntar-se à guerra global contra o terrorismo, que George W Bush queria realizar. Foi uma oposição intelectual e estratégica, não se faz guerra contra o terrorismo porque é um conceito, é um modo de operar", explicou Mark Heger, diretor do Centro de Estudos de Segurança do Instituto Francês de Relações Internacionais.
O mundo do século XX já tinha conhecido muitos e graves ataques terroristas, mas os acontecimentos de 2001 também alteraram a compreensão do fenómeno do terrorismo, que passou a ser central no tema das preocupações sociais, embora o alarmismo se tenha gradualmente atenuado.
O investigador principal em Segurança e Defesa do Real Instituto Elcano, em Espanha, Félix Arteaga, defende que o atentado tem feito evoluir a consciência das pessoas, que agora veem que o terrorismo chegou para ficar, faz parte da sua vida, sendo um problema mais para a comunidade internacional.
"A perceção social inicialmente era de grande alarmismo, mas o terrorismo agora já não está no topo das preocupações dos cidadãos", explicou Félix Arteaga.
Para Mark Heger, o terrorismo evoluiu após os atentados em Nova Iorque - muito motivado pelas alterações causadas pela guerra no Afeganistão nos ativos da al-Qaeda - e resultando depois na bipolarização da guerra santa islâmica.
"O terrorismo evoluiu, mas a ideologia em si, por detrás destes ataques, não mudou. O que mudou foi a estruturação dos grupos e bipolarizou-se devido a esta oposição entre o Estado Islâmico e a Al-Qaida", explicou Heger nas declarações à Lusa.
Mas o 11 de setembro tornou-se o embrião de alterações bem mais profundas, que saltaram fronteiras e modificaram as relações internacionais.
Para Patricia Lewis, diretora de Pesquisa, Conflito, Ciência e Transformação, do Programa de Segurança Internacional do Royal Institute of International Affairs, Chatham House, no Reino Unido, "os eventos de 11 de setembro de 2001 tiveram impactos profundos em todos os aspetos das relações internacionais e da segurança internacional".
"A caracterização dos ataques como atos de guerra e não criminosos desencadeou uma série de ações e reações em cadeia que criaram um novo conjunto de fraturas geopolíticas, aumentando a segurança para alguns, diminuindo-a para outros", disse à Lusa Patricia Lewis.
Peter Mansoor, investigador ligado ao 'think tank' conservador norte-americano Hoover Institution, realça este aspeto disruptivo dos ataques do 11 de Setembro e lembra que as próprias organizações internacionais, como a ONU ou a NATO, passaram a ter em conta novos equilíbrios políticos, em alguns casos reinventando as suas agendas.
"A geopolítica alterou-se, como se alterou a vida das pessoas. Basta olharmos para a forma como passou a ser muito mais difícil viajar de avião ou entrar numa sala de espetáculos. Aquelas organizações são espelhos gigantes destes gestos diários", explicou Mansoor, referindo ainda a emergência da China como grande potência económica, como outra das consequências do voltar de atenções dos EUA para a sua segurança interna.
"Pequim foi muito hábil, percebendo que a fragilidade do Ocidente era uma imperdível oportunidade para expandir a sua influência económica", disse o investigador.
Numa primeira fase, os eventos de 11 de setembro catapultaram outras novas ameaças, por exemplo, incentivando novos grupos terroristas.
"Novas organizações terroristas surgiram, rivalizando com a Al-Qaida e criando novos espaços políticos para o terrorismo e a ideologia terrorista em todo o mundo - uma característica da vida moderna que afeta países em todos os continentes", disse Patricia Lewis.
Ao mesmo tempo, a invasão do Afeganistão por parte dos Estados Unidos, como retaliação contra a organização terrorista Al-Qaida, introduziu danos na ordem mundial.
"Embora os ataques de 11 de setembro precisassem de algum tipo de resposta, a 'guerra ao terror' causou muitos danos à ordem internacional liberal. Uma campanha militar inicial visando a Al-Qaida expandiu-se para um conjunto mais amplo de objetivos mal definidos e mostrou a extrema dificuldade na construção de um Estado democrático e na construção da paz liberal", defendeu Jacob Eriksson, professor de Estudos de Recuperação Pós-guerra, do Departamento de Política da Universidade de York, no Reino Unido, em declarações à Lusa.
Reflexo das alterações políticas provocadas pelos ataques foi o reforço de poderes presidenciais nos Estados Unidos, após o ex-Presidente George W. Bush ter assinado a Proclamação 7643, que lhe permitiu mobilizar forças militares sem necessitar de uma autorização do Congresso.
Na altura, as bancadas democrata e republicana aprovaram e aplaudiram a medida, que deveria ter sido provisória, mas que permanece ainda hoje, fruto da incapacidade de um entendimento entre os dois partidos para retirar aquela competência presidencial, que já serviu, por exemplo, para o ex-Presidente Barack Obama atacar a Líbia.
Para os analistas consultados pela Lusa, este género de medidas -- incluindo a 'Patriot Act', que reforçou os poderes das agências de informação e levou a uma diminuição dos direitos cívicos nos EUA -- serviu também para impulsionar movimentos radicais, populistas e demagógicos, que proliferaram nas últimas décadas em vários pontos do globo.
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