"A CDU de Armin Laschet poderá estar em alguma vantagem para negociar com estes dois partidos, nomeadamente porque os Verdes querem um grande pacote financeiro para uma política ecológica mais ambiciosa, e a CDU estará eventualmente em melhor posição para oferecer esse pedido que o SPD", indicou.
A professora auxiliar do Departamento de Estudos Políticos da Universidade Nova de Lisboa e investigadora do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), e que acompanha de perto a situação no país mais influente da União Europeia (UE), sublinhou a "grande mudança" que ocorreu nas eleições legislativas de domingo, e que perspetivam um cenário político inédito.
"É uma grande mudança, os dois grandes partidos [SPD e CDU/CSU] já não são praticamente suficientes para governar o país, apesar de uma grande coligação entre estes dois partidos ainda ser tecnicamente possível. No seu conjunto já estão bastante abaixo dos 50%, digamos que é uma normalização da política alemã em termos europeus", assinalou.
"A segunda grande mudança foi que em poucas semanas o candidato do SPD de tornou na alternativa mais sólida para se tornar chanceler, de acordo com os eleitores", prosseguiu a investigadora.
O Partido social-democrata (SPD), liderado pelo atual ministro das Finanças Olaf Scholz, venceu as eleições parlamentares alemãs de domingo com 25,7% dos votos, enquanto a aliança conservadora da União democrata-cristã (CDU) e da União social-cristã (CSU, a sua congénere bávara), liderada por Armin Laschet, obteve 24,1% dos votos. Foi o pior resultado eleitoral dos conservadores desde 1949.
Atrás do SPD e da CDU, que desde 1949 assumem as lideranças dos executivos, estão os Verdes com 14,8% dos votos e os liberais do FDP com 11,5%.
Na quinta posição, e entre os partidos que garantiram representação no Budenstag (parlamento) surge o partido de extrema-direita Alternativa para a Alemanha (AfD, 10,3%), e por último o Die Linke (A Esquerda), com 4,9%.
A curta distância entre os dois partidos mais votados impõe agora a necessidade de negociações com pelo menos dois potenciais futuros parceiros de coligação, algo que nunca sucedeu no país, e caso seja excluída a hipótese de "grande coligação" CDU/SPD.
Madalena Resende recordou que após mais de dez anos de declínio, o SPD voltou a garantir peso eleitoral, em larga medida devido ao perfil do seu candidato a chanceler, o ainda ministro das Finanças Olaf Scholz.
"Scholz teve um papel importante na gestão da pandemia e na própria manutenção da economia alemã a funcionar durante este ano e meio", disse. Um período que coincidiu com o acentuado declínio da CDU em 2021 "particularmente a partir do momento em que a escolha do candidato a chanceler foi para Armin Laschet, que não tem de facto grande aprovação por parte dos eleitores e mostrou ser um mau candidato".
Ao coincidir com diversas análises, a professora auxiliar do Departamento de Estudos Políticos também admitiu que apenas existe a hipótese de duas coligações, igualmente prováveis.
Mas precisou que "quem estará de certeza dentro serão os Verdes e os liberais, o terceiro e quarto partido, já começaram a conversar entre eles para se coordenarem nas conversações com os dois grandes partidos, o SPD e a CDU/CSU".
No entanto, sustentou que apesar da dificuldade em emitir prognósticos no atual contexto "parece pouco provável" a repetição da "grande coligação" SPD/CDU, que compõe o Governo cessante, "nomeadamente porque os bávaros da CSU não estarão muito a favor dessa possibilidade".
Em simultâneo, e apesar de tradicionalmente os Verdes estarem mais próximos do SPD, a opção do partido de Annalena Baerbock poderá ser diferente.
"Se forem apenas escolher o parceiro de acordo com o que lhes poderá ser mais favorável nas políticas que querem aplicar, e nas posições governamentais que mais ambicionam, o próximo chanceler poderá voltar a ser da CDU, dos conservadores", frisou.
Nesta perspetiva, considerou que o resultado das eleições "simplificou um pouco a forma de coligação, porque eliminou algumas possibilidades, nomeadamente uma coligação à esquerda com a extrema-esquerda [Die Linke]. Essa possibilidade está fora e resulta em que estão em cima da mesa basicamente duas coligações, sempre com os Verdes e os liberais, e com a SPD ou a CDU".
Apesar de as negociações para a formação da "grande coligação" SPD/CDU, ainda em funções, se terem prolongado por cinco meses após as legislativas de 2017, o último mandato de Angela Merkel, a investigadora sublinha que no atual momento, e "quando se diminuiu o espetro de possibilidades, provavelmente poderá simplificar-se e acelerar-se a tomada de posse do novo Governo".
Numa referência aos resultados da formação de extrema-direita AfD, Madalena Resende referiu que indicam "uma estagnação e uma concentração dos votos no leste do país, na antiga República Democrática Alemã", num partido "de certo modo pouco regionalizado e que parece estar estabilizado no seu eleitorado".
O resultado eleitoral de domingo também "vai tornar mais complicada" a atuação da Alemanha na União Europeia, e independentemente de quem integrar a futura coligação, sustentou a investigadora do IPRI.
"Será uma coligação mais instável, com três partidos muito diferentes e isso vai eventualmente tornar mais complicado o processo de tomada de decisões que já não é simples, e por outro lado é possível que esteja em causa a renegociação do Pacto de Estabilidade e Crescimento, com qualquer dos Governos, mas especialmente se o SPD for o partido liderante", concluiu.
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