O debate em torno de propostas da Índia e da África do Sul para suspender as patentes (direitos de propriedade intelectual) que protegem as descobertas relacionadas com a luta contra a pandemia, como vacinas, testes ou tratamentos, ganhou maior notoriedade com a descoberta da nova variante Ómicron, detetada na África do Sul.
A necessidade de intensificar os esforços de vacinação em países de baixos ou médios rendimentos voltou a ser destacada por vários dirigentes.
O objetivo das propostas apresentadas na OMC é que os produtos de combate à pandemia possam ser fabricados nos países em desenvolvimento, aumentando a sua disponibilidade e reduzindo o preço, uma ideia que tem encontrado alguma oposição, nomeadamente de países com grandes empresas farmacêuticas, que argumentam que as patentes não são o principal obstáculo para um aumento da produção. A União Europeia, a Suíça e o Reino Unido têm sido os mais apontados.
Em maio, os Estados Unidos manifestaram a sua disponibilidade para apoiar o levantamento dos direitos de propriedade intelectual das vacinas contra a covid-19, mas desde então pouco têm dito.
As empresas farmacêuticas Pfizer (norte-americana) e BioNTech (alemã) -- que produzem em conjunto uma vacina contra a covid-19 -- mostram-se contrárias ao apoio dos Estados Unidos ao levantamento das patentes, logo no dia 06 de maio, um dia após Washington ter anunciado a sua posição.
Albert Bourla, presidente executivo da Pfizer, argumentou que nenhuma fábrica na Índia ou na África do Sul, por exemplo, tem capacidade para produzir as vacinas da Pfizer/BioNTech, alertando para as exigências de todo o processo, nomeadamente o armazenamento.
Nesse mesmo dia 06 de maio, o Governo alemão mostrou também a sua oposição à posição norte-americana.
"A proteção da propriedade intelectual é a fonte de inovação e deve continuar a sê-lo no futuro", disse o Governo alemão, em comunicado.
"A proposta dos Estados Unidos de suspender as patentes das vacinas covid-19 tem implicações para toda a produção de vacinas", afirmou o Governo alemão no comunicado, alegando que "o que tem limitado a fabricação de vacinas são as capacidades físicas de produção, não as patentes".
A Comissão Europeia, que inicialmente mostrou alguma abertura para debater a suspensão, acabou por mostrar, em junho, reservas quanto à iniciativa.
O Parlamento Europeu mostrou-se em desacordo com a posição da Comissão e apelou à suspensão temporária de patentes para facilitar o acesso global às vacinas e medicamentos para a covid-19, numa resolução aprovada, no dia 10 de junho, por 355 votos a favor, 263 contra e 71 abstenções.
Nos últimos meses, pouco tem vindo a público sobre a evolução de posições quanto a esta questão.
Os países que defendem a suspensão e algumas organizações não-governamentais contavam com a reunião de ministros e responsáveis pelo comércio dos 164 países da OMC, que deveria decorrer em Genebra, de 30 de novembro a 03 de dezembro, para dar maior visibilidade aos debates.
Pouco antes da data prevista para o início da reunião, sindicatos de enfermeiros de 28 países, incluindo Portugal, apresentaram uma queixa na ONU contra a União Europeia, Reino Unido e três outros países por "bloquearem" o levantamento da propriedade intelectual para a produção de vacinas contra a covid-19.
Além da União Europeia, Reino Unido e Suíça, são mencionadas na queixa a Noruega e Singapura por terem "sistematicamente bloqueado uma renúncia temporária de direitos de propriedade intelectual farmacêutica empresarial sob o Acordo da Organização Mundial do Comércio (OMC) sobre Direitos de Propriedade Intelectual Relacionados com Comércio (Acordo TRIPS)".
Numa outra iniciativa divulgada em finais de novembro, advogados e defensores dos direitos humanos ameaçavam interpor uma ação na justiça contra países acusados de bloquear o levantamento de patentes das vacinas, apontando os governos alemão, norueguês e canadiano.
Um comunicado citado pela AFP indicava que o governo britânico foi advertido que a sua recusa em apoiar o levantamento das patentes violava o direito internacional.
No entanto, a reunião ministerial da OMC acabou por ser cancelada, devido ao aumento de casos de covid-19 e à propagação da variante Ómicron. Poderá ter lugar em março de 2022, indicou a organização.
Logo após a descoberta da nova variante, a Suíça, onde teria lugar a reunião, impôs restrições aos voos provenientes da África austral e a diretora-geral da OMC, a nigeriana Ngozi Okonjo-Iweala, disse que essas medidas implicavam que muitos ministros e delegados ficassem impedidos de participar pessoalmente em negociações complexas, colocando-os em desvantagem.
"Isto não significa que as negociações sejam interrompidas, pelo contrário. As delegações em Genebra devem receber o poder necessário para ultrapassar as divergências que persistem", afirmou o presidente do conselho geral da OMC (órgão máximo de decisão entre conferências), o embaixador da Honduras, Dacio Castillo, citado pela agência Efe.
Este pedido será, no entanto, difícil de atender, uma vez que as questões mais importantes por resolver, como a das patentes, necessitam sobretudo de vontade política.
Os acordos no seio da OMC têm de reunir o apoio, por consenso, de todos os 164 Estados membros.
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