"Na Argentina, Lula diferencia-se de Bolsonaro por ser um líder mundial. Transmite a imagem de um Brasil inserido no mundo. É uma diferenciação evidente com Bolsonaro, que não é bem visto na Argentina e, em geral, não cai bem no exterior", compara à Lusa o analista político Sergio Berensztein.
Na visita que hoje inicia à Argentina, Luís Inácio Lula da Silva terá uma agenda que lhe permitirá fazer discursos sobre pontos sensíveis em que tem visões opostas de Bolsonaro, e que podem fortalecer uma eventual candidatura, ainda não oficial, à Presidência do Brasil nas eleições de outubro de 2022, considerou.
Hoje, ao ser homenageado pela defesa dos Direitos Humanos, o ex-Presidente brasileiro estará ao lado das emblemáticas Mães e Avós da Praça de Maio, vítimas de uma ditadura militar que Bolsonaro nega ter existido.
No sábado, Lula da Silva será homenageado pelo movimento sindical argentino depois de uma reunião com os líderes das centrais de trabalhadores.
"A visita às centrais sindicais poderia ser uma forma de revalidar uma política muito mais protecionista dos direitos dos trabalhadores do que aquela visão liberal que Bolsonaro e o seu ministro da Economia, Paulo Guedes, representam", disse à Lusa o cientista político Lucas Romero, da Synopsis Consultores.
O discurso que Lula fará hoje na Praça de Maio promete abordar temáticas que Bolsonaro rejeita, como questões de género e medidas sanitárias de combate à pandemia.
"Não há um líder com a dimensão de Lula para o centro-esquerda e para o progressismo na Argentina. Lula tem um valor simbólico muito especial perante o eleitorado do Governo", observou Romero, especialista em opinião pública.
Por esse motivo, o Governo argentino pôs Lula da Silva num papel de destaque menos de um mês depois da dura derrota nas eleições legislativas de 14 de novembro, quando o peronismo sofreu o seu maior revés na história.
Oficialmente, Lula é o convidado especial para a comemoração da metade do mandato de quatro anos do Presidente argentino, Alberto Fernández, dos 38 anos da recuperação da democracia no país e do Dia Internacional dos Direitos Humanos.
Na prática, no entanto, o ato é partidário porque a oposição não foi convidada. Apenas as organizações sociais, os movimentos sindicais e as expressões artísticas que apoiam o Governo.
A cerimónia acontece no mesmo dia da tomada de posse dos novos deputados. Nas recentes eleições legislativas, o Governo obteve 33% dos votos, enquanto os restantes 67% foram para forças opositoras e segundo a consultora Giacobbe & Asociados, o Presidente e a vice, Cristina Kirchner, têm uma imagem negativa para 72,5% e 74,5%, respetivamente, segundo as sondagens.
"Lula tem muitos atrativos para validar uma coligação de Governo que vem muito atingida porque acaba de perder as eleições", apontou Lucas Romero.
"Lula, com a sua origem humilde, discurso carismático e generoso, reconhecimento global mesmo depois de preso, é visto pela esquerda como o Mandela da América Latina. Ele tem essa atmosfera heroica que ajuda o Governo a recuperar uma épica perda no passado", definiu Berensztein.
Porém, se Lula da Silva serve para os objetivos do Governo argentino, não está claro que sirva os seus propósitos eleitorais associar-se à imagem de Alberto Fernández e de Cristina Kirchner, apontados pelos críticos e pelo 'bolsonarismo' brasileiro como aliados do chavismo na Venezuela.
"Bolsonaro vai tentar tornar a corrida eleitoral mais competitiva, associando Lula ao chavismo e ao kirchnerismo [ala mais radical do peronismo]. Para a estratégia ter sucesso, vai depender da imagem que os brasileiros têm de Alberto Fernández e de Cristina Kirchner, especialmente os eleitores independentes que não estão na polarização Lula-Bolsonaro", concluiu o politólogo Lucas Romero.
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