Por impulso e imposição da comunidade internacional, com destaque para as Nações Unidas, as presidenciais líbias visam pôr fim a 10 anos de guerra civil e de caos económico num dos países produtores de petróleo mais importantes da região do Magrebe (norte de África).
Mas, até hoje, e apesar de se saber que se apresentaram 98 candidatos, a Alta Comissão Nacional Eleitoral (HNEC) decidiu adiar indefinidamente a publicação final das listas.
Em causa estão as candidaturas do "homem forte" do leste líbio, o general Khalifa Haftar, acusado de sair favorecido com a nova lei eleitoral, em que impôs as suas regras, Seif al-Islam Kadhafi (filho do antigo ditador Muammar Kadhafi, morto em 2011), sob quem pende um mandado de prisão do Tribunal Penal Internacional por crimes contra a Humanidade, assim como Abdel Hamid Dbeibah, primeiro-ministro interino, que se comprometeu a não participar e que, já fora do prazo, acabou por entrar na corrida presidencial.
"Assumir a decisão [de adiar a votação] é muito difícil, uma vez que há muitos meses que a comunidade internacional e a maioria dos atores líbios falam nas eleições como a solução para o país, para a transição para a paz. Mudar, agora, de posição e dizer que as eleições são mais um problema do que uma solução é (...) um problema e assumir esta decisão é muito difícil", explicou à Lusa Riccardo Fabiani, diretor do Programa para o Norte de África do International Crises Group (ICG).
Defendendo o adiamento da votação para fevereiro, março ou mesmo abril de 2022, Fabiani sustentou que essa decisão terá de ter em conta a necessidade de se construir "uma espécie de consenso, de compromisso" no país sobre as eleições e sobre os candidatos, antes de marcar novo ato eleitoral.
"Isso vai ser uma decisão difícil. Acho que, talvez, as Nações Unidas, através da nova enviada da ONU, Stephanie Williams, terá, provavelmente de tomar ou anunciar a decisão", acrescentou, sublinhando que, atualmente, "é bastante evidente" que a maioria da população líbia e da comunidade internacional não quer eleições a 24 de dezembro.
"Há uma espécie de consenso na ideia de que estas eleições são um risco demasiado para o país, de divisão, de violência e que é melhor adiar as eleições até fevereiro, março ou abril. Mas, neste momento, não há ninguém, um ator interno ou externo, que esteja pronto para tomar essa responsabilidade de dizer para as adiar", insistiu.
Caso as eleições decorrerem na data prevista, apesar de todos os condicionalismos, Fabiani alertou para o risco de uma maior divisão, sublinhando que o problema está nas candidaturas de Haftar, Seif al-Islam e Dbeibah.
"Estas candidaturas dividiram o país e contribuíram para criar tensão interna. Tudo isto indica que, provavelmente, no dia a seguir às eleições, se houver, o país ficará ainda mais dividido e esses riscos serão maiores. Por isso é que a comunidade internacional e a maioria dos atores líbios pensam em adiar", sustentou.
Sentimento contrário manifestou o investigador português da Universidade Autónoma e membro do Observatório do Mundo Islâmico (OMI), João Henriques, que afirmou acreditar que as eleições vão decorrer na data prevista e que adiá-la por um ou dois meses de nada serviria.
"É verdade que poderia haver um maior amadurecimento, mas não acredito que um mês ou dois pudesse fazer a diferença, a menos que houvesse um golpe de teatro, por movimentações bélicas mais intensas, a comunidade internacional poderá reagendar as eleições para mais tarde", sustentou.
Questionado pela Lusa sobre se umas eleições sem campanha eleitoral são livres, justas e transparentes, João Henriques considerou que, na Líbia, seria sempre muito difícil ocorrer um processo eleitoral, independentemente dos seus contornos.
"A comunidade internacional, que se está a esforçar, não genuinamente, no sentido de melhorar a situação da sociedade líbia, pensa mais nos seus interesses geopolíticos, geoestratégicos e geoeconómicos. Era muito difícil ocorrer um processo eleitoral. Aliás, de certa forma, algo camuflado, ele já começou", justificou.
No cenário de realização das presidenciais, e tendo em conta a confusão que reina, João Henriques admitiu que "há sempre o perigo" de algumas partes não aceitarem os resultados.
"Esse perigo existe sempre. Mesmo que apareçam delegações da União Europeia (UE) e de outros Estados vizinhos da Líbia, esse problema põe-se sempre. Mesmo quando há observadores internacionais, aqueles que perdem tendem a não reconhecer os resultados", afirmou.
"Mas, se a comunidade internacional, através dos seus observadores, verificar que o processo eleitoral decorreu sem grandes convulsões (haverá sempre pequenos problemas e pequenas convulsões), se, no global, houver a validação da comunidade internacional, será ela própria a atuar, através dos seus agentes, através mesmo do eventual envio de forças de paz para o território líbio", acrescentou.
João Henriques alertou ainda para o facto de a turbulência que impera no território líbio dever-se sobretudo ao facto de a Líbia ser um Estado "com grande influência" tribal.
Aliás, segundo concluiu, "à semelhança do que acontece em muitos países do Médio Oriente e de África, onde essa influência tribal é grande e os problemas poderão decorrer dessas rivalidades inter-tribais".
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