"A Memorial não é uma organização, nem sequer um movimento social. A Memorial é uma necessidade de os cidadãos da Rússia saberem a verdade sobre o seu passado trágico, sobre o destino de vários milhões de pessoas. E ninguém será capaz de 'anular' esta necessidade", disse a ONG numa declaração citada pela agência de notícias France-Presse.
Na sentença lida hoje, o tribunal alegou o incumprimento de obrigações decorrentes do estatuto de "agente estrangeiro" que foi atribuído à ONG em 2016.
Este estatuto designa indivíduos ou organizações que as autoridades russas dizem ser financiados a partir de países estrangeiros para servir interesses contrários aos da Rússia.
Considerada a principal organização de direitos humanos da Rússia, a Memorial foi fundada em 1989, por um grupo de dissidentes soviéticos que incluía o prémio Nobel da Paz de 1975, o físico nuclear Andrei Sakharov.
O objetivo inicial era documentar os crimes do regime de Josef Estaline na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS, extinta há 30 anos), em especial as vítimas dos campos de trabalhos forçados (Gulag).
A ONG também investigou os abusos russos durante a guerra na Chechénia e, mais recentemente, a ação dos paramilitares do grupo Wagner, considerado o braço armado da Rússia no exterior.
O regime do Presidente Vladimir Putin rejeita esta versão.
Em 2009, a diretora da ONG na região do Cáucaso, Natalya Estemirova, foi assassinada, mas o crime nunca foi esclarecido.
Na segunda-feira, um dos historiadores da ONG, Yuri Dmitriev, viu a sua pena de prisão passar de 13 para 15 anos num processo de "agressão sexual", que denunciou como uma armadilha para o castigar pela sua investigação sobre o terror soviético.
Em tribunal, o procurador Alexei Zhafyarov acusou a Memorial de distorcer a memória da vitória sobre a Alemanha na Segunda Guerra Mundial (1941-45) e de reabilitar os criminosos nazis, "em cujas mãos está o sangue dos cidadãos soviéticos".
Os apoiantes da ONG consideram que o governo de Putin quer suprimir a Memorial para silenciar a história da repressão da era soviética.
Segundo estes críticos do Kremlin (presidência), o governo prefere celebrar a herança do heroísmo da URSS frente aos nazis alemães em vez da memória das milhões de vítimas de Estaline.
Após a leitura da sentença, várias pessoas gritaram "vergonha! vergonha!" no tribunal e a polícia expulsou do edifício apoiantes da ONG e jornalistas.
Pelo menos seis pessoas foram detidas, antes e depois do veredicto, noticiou a AFP.
A decisão judicial foi condenada pela secretária-geral do Conselho da Europa, que a considerou uma "notícia devastadora para a sociedade civil".
"A Federação Russa parece estar a afastar-se mais dos nossos padrões e valores europeus comuns", disse Marija Pejcinovic Buric numa declaração citada pela AFP.
"Hoje, marca um dia negro para a sociedade civil na Federação Russa", insistiu a dirigente do Conselho da Europa, de nacionalidade croata.
Em Paris, o ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean-Yves Le Drian, manifestou-se indignado e preocupado com a decisão.
"É uma perda terrível para o povo russo, que tem o direito de beneficiar de um conhecimento justo do seu passado e de uma sociedade baseada nos valores fundamentais promovidos pelo Conselho da Europa", disse Le Drian.
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