Cabo Verde alerta para insustentabilidade com aumento da dívida em 2022

O Presidente cabo-verdiano, José Maria Neves, alertou que o aumento do limite do endividamento interno, de 3% até 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022, poderá expor o país à insustentabilidade da dívida pública e pediu melhorias.

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Lusa
03/01/2022 13:34 ‧ 03/01/2022 por Lusa

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José Maria Neves

"Com a aprovação do aumento do limite de endividamento interno, de 3% para 6%, Cabo Verde ficou ainda muito mais exposto aos problemas críticos da insustentabilidade da dívida pública, com todas as consequências daí advenientes, no futuro próximo", escreveu o chefe de Estado, na mensagem de promulgação do Orçamento de Estado para 2022 (OE2022), enviada à Assembleia Nacional, e a que a agência Lusa teve hoje acesso.

Entre as consequências, José Maria Neves apontou a falta de credibilidade externa para a contração de mais dívida externa, o enorme peso do serviço da dívida, o enxugamento da liquidez interna e considerou mais grave a falta de recursos para os investimentos imprescindíveis e/ou absolutamente necessários.

"Aliás, com a prorrogação das moratórias já anunciadas, designadamente por Portugal, espero que esse teto não venha a ser plenamente realizado", escreveu, avaliando como "negativo" o contributo que o OE2022 trará ao já elevado nível de endividamento.

"Com efeito, à semelhança dos orçamentos anteriores, também no OE2022 as receitas correntes, mesmo que o PIB cresça à taxa máxima prevista (6%), não chegam para financiar as despesas correntes, sendo que uma parte das despesas de funcionamento e todo o investimento público previsto deverão ser financiados com recurso ao endividamento público. Esta situação, já recorrente nos últimos anos, pode comprometer seriamente a sustentabilidade das finanças públicas e o futuro", alertou.

Nesta linha, o mais alto magistrado da Nação cabo-verdiana mostrou-se preocupado pelo facto de o montante previsto para o serviço da dívida pública, no valor de 24,4 mil milhões de escudos (221 milhões de euros), perfazer 59,2% das receitas fiscais (impostos) previstas.

"O que significa que mais de metade dos impostos que os cabo-verdianos pagarão em 2022 será utilizada para a amortização e o pagamento de juros da dívida soberana", notou José Maria Neves, entendendo que esta situação não pode continuar.

"Sob pena de Cabo Verde hipotecar o futuro da sua população em favor do consumo de hoje, pelo que tenho por recomendável que seja substancialmente melhorada a capacidade e o sistema de gestão da dívida pública", prosseguiu.

Na mensagem, o chefe de Estado cabo-verdiano alertou ainda para a falta de um quadro macroeconómica e macro-fiscal alternativo, caso ocorra uma situação muito diferente pela negativa da que serviu de base para os pressupostos do orçamento.

"E isso é uma falha grave, uma vez que, em se concretizando tal situação, tudo mudaria em relação a praticamente todas as projeções das principais variáveis macroeconómicas e macro-fiscais, com especial destaque para o nível de arrecadação das receitas fiscais, que ficaria muito abaixo do previsto, impactando, negativamente, o défice orçamental e o endividamento público", explicou, salientando que ainda persistem "muitas sobras e incertezas" por causa da pandemia de covid-19.

Este foi o primeiro orçamento de Estado promulgado por José Maria Neves, antigo primeiro-ministro e que tomou posse em 09 de novembro, após ser eleito à primeira volta nas presidenciais em 17 de outubro, com apoio do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV), partido de que foi presidente.

O Presidente da República constatou ainda aspetos "menos positivos" no principal instrumento de gestão do país, como a "ausência de medidas mais vigorosas visando a tão necessária quanto vital racionalização e contenção das despesas públicas".

Por outro lado, destacou aspetos positivos, como "importantes medidas" de incentivo ao setor turístico e ao da restauração, ao sistema nacional de saúde, bem como em matéria de "proteção das camadas sociais com menos posses e mais vulneráveis".

Em 09 de dezembro, os três partidos representados no parlamento cabo-verdiano aprovaram um projeto de lei que permitirá ao Governo aumentar o limite do endividamento interno até 6% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2022 para financiar o Orçamento do Estado.

A iniciativa conjunta, que também envolveu o Governo, suportado politicamente pelo Movimento para a Democracia (MpD), permitiu travar o anunciado aumento da carga fiscal em 2022 de 15% para 17%.

Na altura, o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, afirmou que Cabo Verde vive um "momento desafiante", face à crise provocada pela pandemia de covid-19 e ausência de turismo desde março de 2020, setor que garante 25% do PIB e do emprego.

Admitiu que o recurso ao endividamento é "a melhor solução" precisamente para evitar "ir contra o ciclo" atual, com o aumento de impostos em 2022, proposta que o Governo já tinha levado ao parlamento por três vezes em pouco mais de um ano (dezembro de 2020, julho e novembro de 2021) e que foi sempre rejeitada pelo PAICV, maior partido da oposição cabo-verdiana.

"Felizmente agora estamos a chegar ao entendimento. É um bom momento", reconheceu Olavo Correia, admitindo que aumentar a dívida emitida internamente "não é uma solução, mas ajuda a alisar as consequências" para os cidadãos.

O Orçamento do Estado para 2022 de Cabo Verde, que entrou em vigor em 01 de janeiro, foi aprovado em 10 de dezembro na especialidade no parlamento, depois de ter sido aprovado na generalidade em 26 de novembro.

O Orçamento é de 73 mil milhões de escudos cabo-verdianos (662 milhões de euros), prevê um crescimento económico de até 6%, inflação entre 1,5% e 2%, défice orçamental de 6,1%, o 'stock' da dívida pública de 150,9% do PIB e taxa de desemprego de 14,2%.

Leia Também: José Maria Neves promulga OE notando falta de medidas para conter despesa

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