Numa iniciativa organizada pelo Instituto de Defesa Nacional, um grupo de quatro investigadores do Centro de Estudos Sociais (CES), da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, discutiu "a crise ucraniana e as transformações no espaço pós-soviético", procurando encontrar explicações para o posicionamento agressivo de Moscovo.
Os Estados Unidos e a União Europeia (UE) acusam a Rússia de se preparar para invadir a Ucrânia, um país já dilacerado por uma guerra civil no leste entre as forças de Kiev e separatistas pró-russos apoiados por Moscovo.
A Rússia nega a intenção bélica, mas condiciona qualquer medida para diminuir a tensão a garantias para a sua segurança, incluindo que a Ucrânia nunca será membro da NATO e que a aliança retirará as suas forças para as suas posições de 1997.
Os quatro investigadores do CES concordaram na ideia de que a situação nas fronteiras da Ucrânia tem a sua origem inscrita em questões historicamente relacionadas com o desaparecimento da ex-URSS.
Vanda Dias defendeu que a anexação da Crimeia, em 2014, foi já o resultado de dinâmicas que resultam da necessidade de uma reorganização dos estados que ganharam autonomia e independência com o desmoronamento da antiga União Soviética.
"Os novos estados independentes sentiram o desafio de levar a cabo reformas exigentes", explicou esta investigadora do CES, recordando que vários desses países, incluindo a Ucrânia, procuraram encontrar um equilíbrio entre a aproximação à UE e a manutenção de relações com a Rússia.
"Mas essas estratégias acabaram por gerar o efeito de competição entre Bruxelas e Moscovo", concluiu Vanda Dias.
Para Licínia Simão, também investigadora do CES e consultora do Ministério da Defesa de Portugal, a compreensão da atitude de Moscovo tem também de ser lida à luz das características da estratégia da ex-União Soviética para os estados que a integravam, nomeadamente o que chamou ser "o nacionalismo exclusivista".
Licínia Simão recordou que a independência de muitos desses países foi atingida por conflitos violentos -- em parte decorrentes desse "nacionalismo exclusivista" -- o que ajuda a justificar os elevados níveis de militarização que ainda se podem verificar na Europa de Leste.
Curiosamente, acrescentou esta investigadora, não é este o caso da Ucrânia, que não se inclui no lote de países multiétnicos, como a Geórgia.
A atitude agressiva de Moscovo face à Ucrânia deve também ser lida pelo lado da sua estratégia de tentativa de recuperação do "prestígio perdido" com o fim da União Soviética, defendeu Raquel Freire, também investigadora do CES e participante no 'webinar'.
Raquel Freire lembrou uma frase do Presidente russo, Vladimir Putin, em 2015, que referiu que "o fim da URSS foi a maior catástrofe do século XX", para legitimar a sua tese de que um dos maiores desígnios do Kremlin é tentar restaurar o passado histórico russo e soviético.
"Esse desígnio não me parece viável", disse esta investigadora, explicando que a invasão da Geórgia, em 2008, ou a anexação da Crimeia, em 2014, são reflexo dessas tentativas de preservação do "espaço vital" da Rússia.
"A Rússia quer criar um 'anel de amigos' à sua volta", defendeu Raquel Freire, para quem Moscovo vê como ameaça grave e real o alargamento da UE para leste e a aproximação das tropas da NATO.
Bernardo Fazendeiro, o quarto participante neste 'webinar', procurou explicar a situação na Ucrânia fazendo um paralelismo com a Ásia Central, defendendo que, na realidade, são situações muito diferentes.
Para Fazendeiro, a Ásia Central "pouco ou nada afeta o que se passa na Ucrânia", já que Putin acredita que os problemas associados a Kiev estão "relativamente resolvidos" naquela região.
Por um lado, os cinco estados da Ásia Central - Cazaquistão, Uzbequistão, Turquemenistão, Tajiquistão e Quirguistão -- não representam uma ameaça para Moscovo, mas antes conseguiram uma coexistência pacífica.
Três deles - Turquemenistão, Tajiquistão Quirguistão -- estão mesmo particularmente integrados com a Rússia, partilhando tratados de segurança -- como a Organização do Tratado de Segurança Coletiva -- e partilham valores que sossegam o Kremlin, o que não sucede com a Europa de Leste.
Por outro lado, recordou Bernardo Fazendeiro, depois de o Cazaquistão se ter desnuclearizado, a região tornou-se uma área "não nuclearizada", como de resto a reconhece a Organização das Nações Unidas.
"Ora, não é o que se passa na Europa de Leste, onde há armas nucleares, ao abrigo do Tratado do Atlântico Norte", defendeu este investigador do CES, mostrando como Moscovo olha com muito maior suspeição a aproximação de países como a Ucrânia à UE e à NATO.
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