"Manutenção da paz" de Putin no Donbass deixa mundo em alerta para guerra

Vladimir Putin precisou de poucas horas hoje para rasgar os Acordos de Minsk, reconhecendo os regimes separatistas de Lugansk e Donetsk no leste da Ucrânia, e preparar a colocação de tropas russas nestes territórios, sob pretexto da "manutenção da paz".

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© Sputnik/Aleksey Nikolskyi/Kremlin via REUTERS

Lusa com Notícias ao Minuto
22/02/2022 06:59 ‧ 22/02/2022 por Lusa com Notícias ao Minuto

Mundo

Tensão Rússia/Ucrânia

Após semanas de impasse, pontuado por ameaças de sanções ocidentais em caso de invasão, o presidente russo dirigiu na segunda-feira a rápida escalada da crise russo-ucraniana, que pareceu obedecer a uma lógica quase coreografada: se ao início da tarde uma entrada de tropas russas naqueles territórios seria uma "invasão", o reconhecimento esta noite da independência destes permite à Rússia usar o argumento de que não colocou tropas em território ucraniano.

"A utilização da Ucrânia como instrumento de confronto com o nosso país representa uma ameaça grave, muito grande para nós", disse Putin numa reunião extraordinária do conselho de segurança russo, afirmando que a prioridade de Moscovo "não é o confronto, mas a segurança".

Transmitida em direto para todo o mundo, a reunião em que participaram alguns dos principais conselheiros de Putin e o seu Estado Maior militar, foi a peça central do cenário montado pelo presidente russo. No final, o Kremlin fez saber que o líder russo iria anunciar na segunda-feira uma decisão sobre o reconhecimento de Lugansk e Donetsk

Uma "manutenção de paz" pela força?

Ainda a "tinta" dos acordos com as "repúblicas" estaria a secar, e já Putin ordenava a mobilização do Exército russo para "manutenção da paz" nos territórios separatistas pró-russos no leste da Ucrânia.

Putin assinou dois decretos que pedem ao Ministério da Defesa que "as Forças Armadas da Rússia [assumam] as funções de manutenção da paz no território" das "repúblicas populares" de Donetsk e Lugansk, segundo noticia a agência France Presse (AFP).

As reações de condenação ocidentais foram rápidas e no sentido de condenar a lesão do território ucraniano. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse hoje que a decisão da Rússia em reconhecer a independência dos territórios separatistas no Donbass ucraniano "é uma violação da integridade territorial e da soberania da Ucrânia".

É "incompatível com os princípios da Carta das Nações Unidas", salientou o diplomata português através de um comunicado.

António Guterres sublinhou também que as Nações Unidas, de acordo com as resoluções da Assembleia Geral, continuam a apoiar plenamente a soberania, independência e integridade territorial da Ucrânia, dentro das suas fronteiras internacionalmente reconhecidas.

Em Washington, o Departamento de Estado norte-americano condenou hoje "fortemente" a decisão da Rússia de reconhecer a independência dos territórios separatistas no Donbass ucraniano, avaliando que se trata de um "claro ataque à soberania e integridade territorial" da Ucrânia.

Em comunicado, o secretário de Estado norte-americano, Antony J. Blinken, indicou que a decisão de Moscovo representa "uma rejeição completa dos compromissos da Rússia sob os acordos de Minsk", "contradiz diretamente o compromisso com a diplomacia reivindicado pela Rússia", e é um "claro ataque à soberania e integridade territorial da Ucrânia".

Blinken salientou que as nações têm a obrigação de não reconhecer um novo "Estado" criado através da ameaça ou uso da força, assim como a obrigação de não romper as fronteiras de outro Estado.

"A decisão da Rússia é mais um exemplo do flagrante desrespeito do Presidente Putin [chefe de Estado russo] pelo direito e normas internacionais", acrescentou o chefe da diplomacia norte-americana.

Horas antes do comunicado de Blinken, a porta-voz da Casa Branca, Jen Psaki, anunciou que o Governo norte-americano emitirá "em breve" uma ordem executiva com sanções devido ao reconhecimento pela Rússia das repúblicas separatistas da região ucraniana de Donbass, na Ucrânia, hoje anunciada por Moscovo.

Se as capitais ocidentais estavam em alerta para o rasgar dos Acordos de Minsk, a rapidez da operação de "manutenção de paz" de Putin parece ter surpreendido. O chefe da diplomacia europeia voltou a ameaçar com a imposição de sanções, apelando ao não reconhecimento de Donetsk e Lugansk.

"Partimos do princípio de que o Presidente Putin não o fará, mas, se o fizer, colocarei o pacote de sanções na mesa dos ministros" europeus, advertiu Josep Borrell, no final de uma reunião dos ministros dos Negócios Estrangeiros da UE em Bruxelas.

"Se houver anexação, haverá sanções, e se houver reconhecimento [da independência], porei as sanções em cima da mesa dos ministros europeus", precisou o Alto Representante da UE para a Política Externa e de Segurança.

Enquanto se aguarda o próximo passo russo - provavelmente, no terreno e pela força das armas - o Conselho de Segurança das Nações Unidas convocou para a noite de segunda-feira (madrugada de terça-feira em Portugal) uma reunião de emergência sobre a situação da Ucrânia, a pedido de Kiev, Estados Unidos, México e cinco países europeus.

O representante da Rússia no Conselho de Segurança, Vassily Nebenzia, disse já esta terça-feira que o país "não quer um banho de sangue em Donbass", região do leste da Ucrânia. Na reunião de emergência, o embaixador russo e assegurou que há "um pânico infundado sobre uma invasão da Ucrânia" nos países ocidentais.

Há oito anos em conflito

A Rússia é considerada a instigadora do conflito no leste do território ucraniano e a patrocinadora dos separatistas, tendo a guerra eclodido há oito anos, na sequência da anexação russa da península ucraniana da Crimeia, após a chegada ao poder de pró-ocidentais em Kiev, no início de 2014.

Por seu lado, Moscovo acusa as autoridades ucranianas de minar os acordos de paz de Minsk sobre o conflito que opõe a Ucrânia aos separatistas pró-russos, datados de 2015.

Na reunião do conselho de segurança russo, Putin afirmou hoje que não existe qualquer perspetiva de aplicação desses acordos, acusando novamente Kiev de os sabotar.

"Vemos bem que eles não têm absolutamente qualquer hipótese", sustentou.

Ao final da tarde, Putin cravava uma faca no mapa ucraniano, reconhecendo a independência dos dois territórios. Ato contínuo, ofereceu proteção militar às novas "repúblicas".

"Considero necessário tomar esta decisão que estava pensada há muito tempo, de reconhecer imediatamente a independência da República Popular de Donetsk e da República Popular de Lugansk", referiu o chefe de Estado russo num discurso transmitido pela televisão estatal, depois do Kremlin ter divulgado esta intenção.

Putin pediu também ao parlamento russo para "aprovar esta decisão" para, em seguida, "ratificar os acordos de amizade e de ajuda mútua a estas repúblicas", o que permitirá a Moscovo, por exemplo, enviar apoio militar aos dois territórios pró-russos do Donbass ucraniano.

Ainda durante discurso televisivo, que durou 65 minutos, o Presidente russo pediu à Ucrânia para cessar imediatamente as "suas operações militares" contra os separatistas pró-Rússia.

"Quanto àqueles que tomaram o poder em Kiev e o mantêm, exigimos deles a cessação imediata das operações militares, caso contrário, toda a responsabilidade pelo contínuo derramamento de sangue recairá inteiramente sobre a consciência do regime em território ucraniano", referiu.

O líder russo assegurou também que tomará medidas para garantir a segurança da Rússia perante a recusa dos Estados Unidos e da NATO em abordar as suas preocupações de segurança e renunciar à Ucrânia o direito de fazer parte da Aliança Atlântica no futuro.

"Basta olhar para o mapa para ver como os países ocidentais cumpriram a sua promessa de não permitir que a NATO se expandisse para o leste", vincou.

"Simplesmente fomos enganados. Uma após a outra, houve cinco ondas de ampliação da NATO", acrescentou.

Segundo Putin, como consequência a Aliança Atlântica e a sua infraestrutura militar "aproximaram-se das fronteiras russas".

"Se a Ucrânia entrar na NATO, as ameaças militares à Rússia aumentarão várias vezes. E o perigo de um ataque surpresa contra o nosso país aumentará várias vezes", sustentou ainda.

Leia Também: Marcelo diz que decisão de Putin é "violação clara dos acordos de Minsk"

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